domingo, 10 de junho de 2018

BELAKO+VAGABON+KELELA+PUBLIC SERVICE BROADCASTING+KELSEY LU+NICK CAVE AND THE BAD SEEDS+NILS FRAHM+THE WAR ON DRUGS, Primavera Sound, Porto, 9 de Junho de 2018
















Todos tivemos aquele sonho juvenil de ter uma banda de amigos que um dia chegaria a um palco de um grande festival. Os jovens bascos Belako são a confirmação que o sonho comanda a vida e vê-los ali bem dispostos no anfiteatro principal do recinto a abrir a tarde chuvosa de forma tão brilhante e segura, debitando canções de excelência como quem ensaia na garagem de forma descontraída, foi uma dádiva inesperada e que prova que o rock está vivo e de guelra palpitante. Parabéns, Belako!   



Com níveis de humidade em nítida fase de ascensão, encontramos Laetitia Tamko a preparar-se calmamente para fazer história. Emigrada dos Camarões em Nova Iorque onde se apaixonou pelo indie-rock americano, lançou-se o ano passado com o nome de Vagabon para surpreender com um primeiro disco de temas notáveis onde a voz, e que voz, ecoa até doer. Curto, apelativo, sedutor, um concerto na hora certa mesmo que a tal voz tenha algumas vezes desentoado e a prova que, apesar de tudo, a globalização até na música acarreta algumas vantagens.



Na descida espreitamos a parte final da perfomance de Kelela no mesmo palco onde FKA Twigs tinha em 2015 surpreendido os mais incautos. Longe do brilhantismo da jovem inglesa, percebeu-se a leveza e simplicidade da apresentação condicionada pela chuva, mas levamos a sério a recomendação anunciada quanto ao concerto da amiga Kelsey Lu marcado para mais tarde...

(4/12/2020 - video removido pelo Youtube)



Uma das estreias a gerar mais expectativas seria a dos ingleses Public Service Broadcasting. Em horário de reforço alimentar e, já agora, de protecção contra a chuva, só a meio do evento o recinto asfaltado começou a ficar preenchido como merecia já que o espectáculo apresentou argumentos mais que suficientes para agradar: imagens e temas em franca sintonia, execução primorosa onde se incluiu um trio de metais mas que durou muito pouco tempo. Talvez um regresso adequado a uma sala fechada permita desfrutar do conceito de forma mais satisfatória mas o que nos foi sugerido pela simpática difusão teve uma franca e digna aprovação.   



A presença sofisticada de Kelsey Lu entre adereços seleccionados e guarda-roupa vistoso teve uma condicionante quase mortífera - o barulho simultâneo dos beats do palco inferior, um excesso nada bem-vindo e a funcionar como incómodo irritante que levou até à interrupção da sequência luxuosa que se queria, desejava, serena e tranquila. As canções envoltas num jogo de brumas, sombras e barulhos da chuva cativaram os corajosos que marcaram presença para a ouvir e admirar em momentos de um hipnotismo e melancolia invulgares tal como as estrelícias que atirou com amor para o público rendido. Já estamos com saudades! 



A Nick Cave não resta inventar nada. Habilidade, perícia, experiência ou talento servem para controlar da melhor maneira uma plateia imensa e imersa em chuva forte que se assume mítica e, diríamos, adequada a tamanha vibração. Depois há uma banda que suporta, como nenhuma outra, as canções de um reportório de excelência que percorreu álbuns obrigatórios de uma carreira timbrada pela qualidade e contínua insatisfação. Pode ser simplesmente ao piano em "Into My Arms", em deambulações fronteiras aquando de "Stagger Lee" ou em mergulhos na multidão durante "The Wipping Song" ou na arrepiante "Jubilee Street", Cave, qual deão de cerimónia, confirmou o dão de nos hipnotizar pela rouquidão da voz ao contar as suas histórias como se fossem nossas, como se estivesse sempre à nossa beira, ao nosso lado, encostando-nos o ombro e nos lançasse uma mirada de desafio para logo depois nos piscar o olho ao esboçar um sorriso. Quando em "Pushing The Sky Way", a terminar, levou para o palco umas dezenas dos nossos, dos que lhe prestaram atenção e respeito - sim, porque infelizmente há ainda muitos que aproveitam o concerto para profanar o momento ao telefonar para a mãe em Inglaterra ou tecer loas em voz alta a um treinador de futebol - foi como se o recinto deixasse de ter desníveis para se aplanar num santuário sem altar onde, todos juntos, só temos que continuar a empurrar, a empurrar, a empurrar a cruz da nossa vida, de todas as vidas... and some people say it's just rock and roll! Quanto à chuva, qual chuva?



Respirar fundo! O momento era de decisões - mesmo horário mas um palco melhor que o outro - e entre Nils Frahm e War on Drugs optamos descer até onde o alemão se preparava para o recital. Impressionante a quantidade analógica de teclados e aparelhos que por ali repousavam à espera de um comando, de um toque, de uma pressão quase improvável e simultânea mas que, iniciado o concerto, se conjugariam ao jeito de um orgão de tubos de uma grande catedral. Cativante, Frahm sabe jogar como ninguém com os meandros de um certo classicismo orquestral e uns aparentes loops vintage que são resultado de muita persistência e teimosia exploratória que vai muito além de uma simples escala de um piano, estacando desde logo uma plateia em fase de meditação e balanço, o que lhe rendeu fortes aplausos. Mágico. Sob pressão, contudo, não resistimos a subir ao palco concorrente para uma pequena audição ao grande Granduciel...         



E pronto, furando entre a multidão lá chegamos a tempo do inevitável "Under the Pressure", a peça das peças clássicas dos The War On Drugs com direito a arremesso literal de guitarra a culminar dez minutos de tensão. Já não foi mau. Até para o ano, espera-se, sem chuva, mordomos ou lordes. 

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