segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

(RE)LIDO #127





















BLITZ. PREGÕES E DECLARAÇÕES
 
Amor, Partilha e Ódio antes da vida online 
de José António Moura (comp., org. e intr.). Lisboa: Holuzam, 2025 
Boa parte de uma geração que se habituou a levantar-se às terças-feira para ir para o liceu, passou a ter um religião - comprar o Blitz logo de manhã! Se a aquisição fosse possível ser feita antes da entrada no autocarro ainda melhor, já que as páginas dos "Pregões e Declarações" eram logo lidas de fio a pavio a tempo de se mandar umas bocas antes da chegada dos profs, acicatando colegas metaleiros ou comentando sapatos de vela engraçadinhos/engraxadinhos... 

Tratava-se de um género de repositório social que nos fomos habituando a ler e absorver com as devidas distâncias, mas a actualização era fundamental para permitir perceber tendências, assumir integrações ou correntes, questionar amizades ou até começar a achar piada a miúdas de atitude atrevida. Um género de interacção sem rosto que cativava pelo fervilhar de polémicas e adorações, em tempos do despertar dos odiados/amados Wham!, vénias crescentes aos U2 e The Smiths, mas também acentuada e nova lábia quanto a sexo, curtições, libertinagem e utopismos. O eterno confronto de virilidade Porto/Lisboa era também assunto recorrente. 

Já na faculdade, o costume manteve-se activo (fizeram-nos, em 1990, uma caricatura de curso com o "Blitz" debaixo do braço), afirmativo, embora a degradação e qualidade da publicação semanal fosse mais que evidente e maçuda, mesmo que outras rubricas e participações se tivessem promovido - fotografias ou desenhos com direito a prémios (LP's) que alguns conhecidos chegaram a receber. Tal como o próprio jornal, toda aquela aura inicial de novidade, frescura e irreverência alternativa ganhava na secção "Pregões & Declarações" uma cada vez mais dispensável obrigação de leitura, passando, no nosso caso, a eleger a "Dona Rosa" como destino repetido de demandas esclarecedoras de assuntos musicais, ou seja, discos, concertos, canções, digressões, etc. que isto agora (interesse) era mais a sério. 

Pensar que alguém se deu ao trabalho de copiar, alinhar e evidenciar os recados publicados no primeiro ano (1985) da secção afigura-se, desde logo, uma surpresa. Percebe-se a jogada sociológica na confrontação com tempos actuais de facilitismo e excesso comunicacional e confessamos algum esforço na leitura desta recordação impressa em pouco mais de sessenta páginas. A introdução contextual, ouvindo ou recopilando testemunhos de alguns dos causadores (Manuel Falção, Teresa Ruivo) e das facetas inspiradoras e dos acasos técnicos da coisa, acaba por ser o melhor de um pequeno livro em risografia hoje tão na moda vintage

Temos dúvidas que outras gerações, que não as que sabem o que isto é (era), tenham motivação para alguma vez aqui virem deitar os olhos. Temos, no entanto, a certeza que o produto das mensagens e apelos vai, algum dia, ser útil (se é que já não foi) em doutoramentos académicos sobre uma juventude a precisar de rebentar convenções e, ainda assim, demasiado solitária e obediente. 

A piada do lembrete é, contudo, bem-vinda e a nota da capa "Ano 1: 1985" assusta-nos, sugerindo que outros volumes se projectam e temos medo de vir a bater de frente com alguma das propostas indecentes/inocentes enviadas. Seja como for, este é o melhor dos pregões aqui republicados: 

"Caro António Sérgio: és baril, mas irritante. Deixa-nos gravar. Não fales tanto. - Lisboa" (p. 51). 

Só alguns, mesmo assim, muitos, percebem o seu fascínio... aqui vai malha!

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