sábado, 29 de julho de 2023

(RE)LIDO #117





















CENTO E ONZE DISCOS PORTUGUESES
A Música na Rádio Pública 
de Jorge Guerra Paz e Henrique Amaro (coord.).
Porto, Edições Afrontamento, 2017 
A Ant3na/RTP assinalou os oitenta anos da rádio pública (1935) e da emissão de música escolhendo e listando discos simbólicos de artistas e bandas portuguesas por épocas ou acontecimentos, desde “A Fundação da Rádio Pública 1935”, “O Vinil em Portugal 1954”, passando pela “A Revolução de Abril”, “A afirmação em FM 1979” e “Novo Século Digital 2000”. É uma de algumas das separações cronológicas possíveis, mas a lista de 111 discos seleccionada é, certamente, uma das muitas e diversas hipóteses a apresentar e que, na sua essência, tenta ser abrangente nos géneros, nas susceptibilidades e, como convêm, nos compromissos. 

Não há, por isso, por aqui muitas surpresas, rupturas ou novidades, embora seja estranho que os Taxi, os Já Fumega, os Trabalhadores do Comércio, os Repórter Estrábico, os Stealing Orchestra ou até António Pinho Vargas em versão anos oitenta (p. ex. “As Folhas Novas Mudam De Cor” de 1987 onde está “Tom Waits”, um dos instrumentais mais bonitos de toda a música portuguesa), tenham sido esquecidos, melhor, preteridos. Há uma coincidência geográfica nesta meia dúzia de nomes, mas é só coincidência... 

O livro é um notável repositório de gostos, predilecções e vivências de uma plêiade de jornalistas, músicos, radialistas, críticos, melómanos ou empresários de imbatível reunião, alguns deles, entretanto e infelizmente, desaparecidos: David Ferreira, Luís Pinheiro de Almeida, João David Nunes, Ruben de Carvalho, Júlio Isidro, Luís Filipe Barros, Adelino Gomes, José Duarte, Jaime Fernandes, a quem o livro é merecidamente dedicado, João Lopes, Ana Cristina Ferrão, João Gobern, Nuno Galopim, Zé Pedro, Álvaro Costa, Isilda Sanches, Pedro Castelo, Mário Lopes, Ricardo Saló, António Macedo ou Rui Miguel Abreu, que repetindo autoria de textos, mas não artistas e bandas, respeitando uma regra imposta, acrescentam à história da música em Portugal uns bons episódios desconhecidos perfumados de imaterialidades sobre concertos, emissões de rádio, parcerias ou bizarrices que se recolhem na primeira pessoa e, por isso, preciosas. 

Faltou, talvez, o convite a Adelino Gonçalves para discorrer sobre os Heróis do Mar versão pista de dança mas também sabe bem ler a história contada por Júlio Isidro sobre uma matinée no Nimas lisboeta, a das famosas saudações nazis. Sabe ainda melhor recordar o Zé Pedro a escrever sobre o amigo João Ribas dos Censurados, o Álvaro Costa a discorrer sobre o "crooner fadista" Tony de Matos e, acima de tudo, a recuperação do texto-descoberta que Miguel Esteves Cardoso escreveu sobre a estreia dos Madredeus no "Blitz" em 1987, aqui reimpresso em versão editada mas ainda, e sempre, certeiro: "Não é uma música formalmente concebida para ser "eterna" - é uma música que trata da eternidade". Impressionou-nos, com razão, na altura e continua hoje, mais de trinta anos depois, a causar o mesmo efeito. 

Demoramos, por isso, alguns anos a desfolhar, para a frente e para trás, este volume essencial para qualquer balanço sério sobre o fenómeno musical português, um género de table book de consulta ocasional e que, não respeitando os capítulos ou separações, nos conduziu invariavelmente ao recurso mais "próximo" só para voltar a confirmar muitas das emoções, vibrações e memórias que as capas de página inteira reforçaram na saudade...


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