segunda-feira, 18 de março de 2024

PAUL SIMON, UM TESOURO!

Sobre "Seven Psalms", o álbum que Paul Simon lançou em 2023, talvez não valha a pena fazer muitos comentários. É melhor, simplesmente, ouvi-lo na sua intangível perfeição. 

Há agora, contudo, uma passagem pelo programa de Stephen Colbert a propósito da estreia de "In Restless Dreams: The Music of Paul Simon" na televisão americana, um filme biográfico que contempla uma abordagem ao passado mas descobre, principalmente, o projecto de gravação do referido "Seven Psalms" e que o confirma como um verdadeiro tesouro!


JULIA HOLTER, BATE CORAÇÃO!





















O primeiro sinal foi dado em Novembro. A maravilhosa Julia Holter fez sair "Sun Girl", um novo tema de efectiva e vibrante surpresa psicadélica que integra "Something in the Room She Moves", um sexto álbum de originais a sair ainda esta semana na Domino

Quase seis anos depois de "Aviary" e da última passagem, sempre elegante, pelo Parque da Cidade na Primavera, Holter aventura-se, inconformada, por uma sonoridade focada e inspirada, diz, na mutação e complexidade do corpo humano, um universo sem dúvida desafiante e que a concentra no presente como um tempo que, para além de verbal, se torna visceral e intenso como o bater do coração. Ouçam-se, pois, mais estas duas admiráveis arritmias! 


sábado, 16 de março de 2024

RUFUS WAINWRIGHT, PERFEITO!

"Lou foi o meu primeiro cliente no meu primeiro emprego como empregado de mesa num café de Nova York. Fiquei apavorado e estraguei completamente o seu pedido. Ele não estava feliz. Mais tarde, ficamos amigos e descobri o seu lado terno e frágil que, claro, está presente na sua música. Acho que “Perfect Day” tem toda a ternura, compaixão e gentileza que Lou tinha e é, de facto, uma música perfeita. Até hoje, ainda sinto falta da voz dele e gostaria de poder cantar com ele novamente. Ele era um mestre compositor...

Numa tradução livre, é assim que Rufus Wainwright evoca a memória de Lou Reed (1942-2013) a propósito da edição de "The Power of the Heart - A Tribute to Lou Reed", disco que terá um exclusivo em vinil prateado no Record Store Day marcado para 20 de Abril. A versão de "Perfect Day" ganha particular destaque pela sempre difícil simplicidade e que Rufus prolonga em três minutos e meio de beleza com a ajuda, sem certezas, de Madison Cunningham, parceria testada ao vivo nos últimos meses. 

No disco participam, entre outros, Lucinda Williams, The Afghan Whigs, Maxim Ludwig & Angel Olsen ("I Can't Stand It") ou Rickie Lee Jones ("Walk On The Wild Side"), para além de Keith Richards que deu voz e guitarra a uma cover de "I'm Waiting for the Man" já divulgada e que, em duas semanas, atingiu mais de um milhão de visualizações

sexta-feira, 15 de março de 2024

DUETOS IMPROVÁVEIS #287

GLEN CAMPBELL & HOPE SANDOVAL 
The Long Walk Home (Campbell) 
Álbum "Glen Campbell Duets: Ghost on the Canvas Sessions", 
Big Machine/Surfdog Records, E.U.A., Abril de 2024

WAXAHATCHEE, PAZ DE ESPÍRITO!





















Nascida e crescida no Alabama, Katie Crutchfield juntou-se à irmã gémea Allison para formar uma banda de nome P.S. Elliot mas foi sozinha que se assumiu, em 2011, como Waxahatchee, nome de pequeno rio das redondezas natalícias. A ajuda da irmã manteve-se em digressões e estúdios, como testemunhado em Coura logo em 2015 para apresentar o segundo disco "Ivy Tripp", mas também a mana não perdeu o lanço artístico através do projecto Swearin' e até de uma primeira experiência a solo

Outras visitas ao nosso país se seguiram. Em 2018, já com rodagem do disco "Out in the Storm" feita, esteve no Parque da Cidade bem mais madura e certeira e voltaria no ano seguinte para ajudar o já namorado Kevin Morby na sua digressão europeia que teve em Braga noite exemplar. Notou-se desde logo, para além do amor no ar, uma outra calma e sobriedade que o disco seguinte "Saint Cloud" (2020) contava na primeira pessoa - a dependência do álcool tinha sido ultrapassada em definitivo já em Kansas City, sendo a composição de novas canções em boa companhia a melhor das terapias. Sem esquecer o passado, serviram essas boas e más memórias para um novo trabalho que se mostra, desde já, apetecível e pacificador. 

Transpira, por isso, muita confiança e determinação em "Tigers Blood", álbum de estreia na Anti-Records agendada para a próxima semana e que tem já três temas desvendados. O registo teve ajudas do puto Spencer Tweedy, dos amigos Phil & Brad Cook e de MJ Lenderman dos Wednesday (tocam por Coura em Agosto...) que canta a seu lado em "Right Back to It", forte candidato a uma das canções do ano. 



quinta-feira, 14 de março de 2024

UAUU #712

JOSH ROUSE, ISLA BONITA!

O projecto paralelo Isla que Josh Rouse lançou em 2021 em plena pandemia tem desde o mês passado um reforço de qualidade com "Oceanside", um EP de uma mão cheia de canções de acentuada e saborosa onda relaxada. A capa e desenho é da esposa Paz Suay. 

Nas palavras do próprio, é pop quentinha, electrónica e de alguma melancolia que, com o nosso aplauso, continua mais que válida e... bonita! 



segunda-feira, 11 de março de 2024

ADRIANNE LENKER, PRESENTE E FUTURO!





















Antes do álbum novo que se anuncia para a próxima semana, Adrianne Lenker publicou hoje um conjunto de seis demos registadas sem data nem local e cujo lucro da venda digital será destinado integralmente para o apoio às crianças palestinianas através da organização Palestine Children's Relief Fund

No seu instagram Lenker escreveu, traduzindo: 

"Não consigo expressar o quão triste e zangada estou com esta violência contínua contra os palestinianos. A matança deve parar. A necessidade de um cessar-fogo é mais do que urgente. Cessar-fogo permanente agora!”.

Os temas foram masterizados pelo produtor Philip Weirobe e têm bonito e floral desenho de capa da autoria de Diane Lee. A colecção inédita recebeu o título de "i won't let go of your hand" e está disponível através do bandcamp da artista.

 

Entretanto e depois do prenúncio de Dezembro último, há hoje uma excelente entrevista dada ao The New York Times sobre "Bright Future", o referido álbum a solo e de que se conhecem mais duas das doze novas canções. Futuro brilhante! 


domingo, 10 de março de 2024

3X20 MARÇO

















Em mês de Piano Day (28 de Março), dedicamos as habituais quatro horas de peças e canções às milagrosas teclas e teclados...
 

sexta-feira, 8 de março de 2024

A MULHER, EXPOSIÇÃO E FESTA!





























"No ano em que completamos dez anos de existência iremos ter ao longo do ano uma série de eventos em jeito de comemoração, começando já amanhã [hoje] dia 8 com uma exposição há muito aguardada de uma das nossas artistas favoritas, Karīna Krūmiņa. 
Para celebrar o Dia da Mulher, a ilustradora criou uma série temática de lindíssimas aguarelas sob o nome “Women”. Sábado, dia 9 teremos uma festa de apresentação a partir das 17h, com um set a cargo dos DJ’s Campaínha Eléctrica e Chico Ferrão.

O aviso dos amigos do Mercado48 (Rua da Conceição, 48, Porto) fica feito. 
Amanhã faremos arejar os nossos discos pequenos, supostamente, sobre a MULHER e tudo à(s) volta(s)... Em dia de reflexão, como se percebe pela Jane Birkin ali em baixo, este não vai faltar!

quinta-feira, 7 de março de 2024

COCOROSIE, VINTE ANOS!





















As manas Bianca e Sierra Casady que adoptaram o nome de CocoRosie lançaram, de forma oficial, o primeiro álbum "La Maison de Mon Rêve" pela editora Touch and Go em 2004. Em vinte anos, a dupla passou várias vezes por Portugal, viveu experiências inspiradoras e colaborações diversas e refugiou-se em períodos de pousio artístico como o vivido entre 2015 e 2020, ano em que finalmente editaram "Put the Shine On" apesar de recepção fria e distante da maioria dos fãs.  

O primeiro foguetório comemorativo está marcado para amanhã, Dia Internacional da Mulher, com a saída do EP "Elevator Angels" onde recriam, em toada acústica, cinco originais preferidos dos vários discos acompanhadas pelo pianista francês Gael Rakotondrabe. O primeiro deles - Beautiful Boyz" - é já audível e é mais que recomendado! A promessa é que outras e semelhantes recreações se juntem ao quinteto inicial para formar um disco inteiro do mesmo nome, com direito a inéditos, a sair lá para o final do ano. 

Outros estalos farão parte, entretanto, da celebração. O referido álbum de estreia será reeditado em formato duplo de vinil pela mesma editora a que se adicionará o oitavo trabalho de originais ainda sem nome que chegará, sem certezas, lá para o Outono. 

Na corrente digressão as CocoRosie aproveitam para fazer uma retrospectiva da carreira mas não dispensam a apresentação de novas canções e para as quais recebem em palco a ajuda de Tez Tezokay nas batidas e na beatbox e do japonês Takuya Nakamura como multi-instrumentista. Pode ser que a festarola se estique até cá...   

DUETOS IMPROVÁVEIS #286

IRON & WINE & FIONA APLLE 
All in Good Time (Beam) 
Álbum "Light Verse", Sub Pop Records
E.U.A., Abril de 2024

quarta-feira, 6 de março de 2024

MARRY WATERSON & ADRIAN CROWLEY, FOLKLORE!





















Na próxima sexta-feira é editado pela One Little Independent Records um álbum, no mínimo, inesperado na parceria - a inglesa Marry Waterson associa-se ao irlandês Adrian Crowley em onze originais registados lado a lado sob produção de Jim Barr, contrabaixista dos Portishead. 

De título "Cuckoo Storm", o trabalho vê juntar-se um nome histórico da folk britânica a um melancólico cantautor irlandês a partir de um acaso. Em plena pandemia, e durante um passeio nocturno no seu bairro de Dublin, Crowley decidiu, temeroso, escrever uma mensagem para Waterson fascinado com o seu disco "Death Had Quicker Wings Than Love" co-escrito com David A Jaycock e lançado em 2017. A resposta foi pronta e reconhecida e a que se acrescentou um convite, imediatamente aceite, para que, juntos, pudessem escrever canções. 

O resultado, como seria de esperar, entrelaça uma veia folk dita tradicional a uma outra de colheita mais recente sem que essa distinção seja sequer perceptível tamanha é a fluidez da colaboração e do esforço em fazer das melodias e letras um conjunto particular e, certamente, único. Sirvam-se, para já, das três primeiras e "folklóricas" delícias... (videos a cargo da própria Marry Waterson!) 



UAUU #711

terça-feira, 5 de março de 2024

ALABASTER DEPLUME, GNRation, Braga, 2 de Março de 2024

Para a estreia nortenha no país, Alabaster Deplume pôs um nada inocente lenço keffiyeh pelas costas e trouxe uma baixista e uma baterista de articulação instrumental e também vocal, notoriamente, mais rodada e orgânica que a da experiência anterior presenciada em Coimbra

O disco mais recente "Come With Fierce Grace", que apesar de ter na fonte uma série de sessões desperdiçadas aquando da gravação do anterior "Gold", submerge numa coesão e perfeição vibrante. Notou-se essa clareza, por exemplo, no fantástico "Did You Know", talvez uma das maiores pérolas desse álbum, com voz fantástica da também baterista Momoko Gill e que resultou num dos grandes momentos da matinée minhota. Tamanho mantra teve também no baixo grosso e redondo uma outra validação que engrandeceu muitas das peças escolhidas, um notável conjunto fruto de colaborações e sinergias que ao vivo se adequam a convites sonoros ao diálogo e interpelação, mais que não seja pela leve dança e gingado que despertam. 

Dessa troca de impressões e confissões introdutórias ou filosóficas (?), daquelas efectivamente manifestadas e participadas, não faltaram os incentivos habituais aos ouvintes quanto ao simples e aparente facto de estarmos vivos, despertos e sonhadores nestes tempos de perigoso e crescente balanço autoritário que se serviu, sarcástico, num caótico "I Was Gonna Fight Fascism" que Deplume gravou em 2020 com os Soccer93, dupla que encarna parte substancial do poderoso trio The Comet Is Coming. Mesmo a brincar, talvez o desafio continue premente e sem dar direito a desistências... 

A colecção de sons, essa continua em sala a funcionar atilada no saxofone vibrante que Deplume executa de jeito insofismável, juntando-lhe não poucas vezes um fundo coral que eleva muitas das composições a uma doce ladainha de igreja para falar de assuntos sérios de que nunca é tarde para insistir. A glória e aplauso que se adivinhavam mereceram encore surpreendente, atendendo ao acender das luzes de sala já quando muitos se apressavam para descer as escadas, mas que logo regressaram para que a celebração, completa e plena, fosse benzida à guitarra com um litúrgico "Tell Me". Continuamos, por isso, sempre juntos!

segunda-feira, 4 de março de 2024

SUN KILL MOON, NOVO EP!

A vida de Mark Kozelek não deve manter-se fácil a partir das acusações de abuso sexual de que foi vítima em 2020 e 2021, o que continua sem nenhuma consequência formal a não ser a da óbvia queda reputacional e abandono por parte de muitos do fãs. Sem julgamentos apressados, sentimos, é certo e desde aí, algum desconforto sempre que o assunto volta à baila numa roda de amigos ou até quando uma das suas muitas canções soa na rádio. 

Confessamos, por isso, a nossa distância quanto a novos temas ou esforços de reabilitação como os que amiúde o músico foi publicando - um punhado de singles e canções de Natal e até um álbum "Quiet Beach House Nights" em nome dos Sun Kill Moon, todos de 2023 - bem diferentes daquela onda em monólogo que o foi enredando em confissões sonoras de temas, ainda assim, prazerosos

Contudo, há agora em novo Ep de três inéditos que confirmam o regresso ao bom estilo vintage dos Red House Painters a merecer audição atenta e onde as líricas se mantêm como um diário de memórias, ora sarcásticas ora nostálgicas, de melodias apuradas, as melhores que nos últimos e conturbados anos têm publicado. A mordacidade e acidez, essas continuam imparáveis. Ouça-se por exemplo "Mark Kozelek Died Happy While Fishing"...



quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

EFTERKLANG, MELHOR, THE MAKEDONIUM BAND!















Numa noite de final de Abril do ano transacto os três Efterklang viajaram de avião para Skopje, capital da Macedónia do Norte, com uma permissa na agenda do dia seguinte: a comparência no programa da manhã da TV nacional para lançar um desafio aos músicos e artistas locais a os ajudarem num concerto domingueiro a acontecer junto ao monumento denominado Makedonium, memorial inaugurado em 1974 para marcar o trigésimo aniversário da Segunda Sessão da Assembleia Antifascista para a Libertação Nacional do país. 

Depois viajaram para fora da capital, penetrando alto nas montanhas e nas aldeias campestres, para se inteiraram e apaixonaram pela música e cultura folk local e recrutarem aliados para a aventura distribuindo flyers. O resultado foi impactante! 

Numa semana formou-se, então, uma The Makedonium Band que criou uma perfomance espectacular que, nas palavras da banda dinamarquesa, "é um lembrete caloroso e aventureiro do poder unificador e da natureza inovadora da música". A recompensa artística e humana obtida atingiu um patamar memorável que tem documentário finalizado da responsabilidade de Andreas Johnsen, realizador amigo que ficou conhecido pelo filme "Ai Weiwei The Fake Case" (2013) que conta a vida do artista e activista chinês. 

Em Março estão marcadas duas noites (18 e 23) no DR Koncerthuset de Copenhaga para receber os músicos macedónios participantes, o que em cima do palco se traduzirá em quase trinta pessoas em acção. Antes e em dezoito projecções, o filme passará em grandes ecrãs de diversas cidades dinamarquesas, havendo abertura e interesse para que outras capitais europeias tenham também, ao longo do ano, a sorte de o ver e apreciar. O design sonoro da película é da responsabilidade da portuguesa Diana Queirós

Este não é o primeiro, nem certamente o último, projecto em que os Efterklang desafiam comunidades locais ou famílias a participarem em concertos, destacando-se o excelente "An Island" de 2010 captado por Vicent Moon numa ilha dinamarquesa, onde tocaram com mais de duzentos músicos em quatro dias! A 4AD mantêm o documentário na íntegra online.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

DRAHLA, A NÃO PERDER!





















Os Drahla, com sede na nortenha Leeds inglesa, são um persistente trio que acredita na impagável sinergia de um baixo, uma bateria e uma guitarra, quase sempre dissonante, para fazer canções. Ao vivo, como testemunhado por poucos no Plano B em 2019, é dessa garra que se servem para reinventar uma sonoridade de patente prévia ao final do punk e que continua, com raras excepções, a valer a pena. 

Os Drahla, na sua vigorosa reinvenção, são, pois, uma dessas estirpes de esforço que se nota estruturada em talento e que um segundo álbum de originais fará, de certeza, o favor de confirmar. Esticado a uma segunda guitarra, o agora quarteto pôs cá fora em Janeiro "Default Fantasy", um primeiro single do segundo álbum "angeltape" a sair pela Captured Tracks logo no início de Abril. Potente sabe a pouco para o descrever! 

Os Drahla, que não disfarçam ambição maior, mantêm, mesmo assim, um corrupio por pequenos espaços e caves para fazerem vibrar ao vivo a sua consistência, tal como irá acontecer em Maio com passagens, outra vez, pelo Plano B (Porto, 25, sábado) e LAV (Lisboa, 26, domingo) ou, para os comprometidos de fim-de-semana, pelo Radar Estúdios (Vigo, 27, segunda). 

Os Drahla, para que não restem dúvidas, lançaram há oito dias outro avanço chamado "Second Rythm" onde o upgrade artístico se agarra também a um saxofone e a um vistoso avant-garde fílmico - a capa do disco que acima se reproduz é também notável - o que eleva a fasquia a patamares de excitação compreensíveis. Não os percam, os Drahla!


terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

STEVE GUNN & DAVID MOORE, Auditório de Espinho, 24 de Fevereiro de 2024

O primeiro volume de reflexões sonoras gravadas por Steve Gunn e David Moore, que recebeu o título de "Let the Moon Be a Planet", é um inusitado momento de composição para dois instrumentos que raramente se juntam, sozinhos e estranhos, em conciliação. Ao vivo, talvez como no estúdio, a parceria de uma guitarra e um piano resultou numa progressão de harmonizações contemplativas que se evidenciaram seguras na flutuação e sem recurso a qualquer pauta a não ser aquela troca de olhares ou de trejeitos no momento adequado para terminar as sequências. 

Mesmo assim e servindo-se de algumas das oito peças incluídas no álbum, o guião avançou insistente para a desconstrução e leve improvisação dos originais, tal como constam já plasmados no disco "Live in London" lançado na véspera. Este jogo ambiental de torrentes alternadas rodeia-se, em compromisso, de uma beleza e tensão de difícil e arriscada classificação que se poderá resumir simplesmente, e sem ofensas, a música contemporânea mas para a qual será sempre necessária largura livre de espírito que não nos obriga a sabermos qual o raio da etiqueta sonora do que estamos a ouvir. 

Viver essa experiência gratificante e de imediato retorno, notando os seus detalhes e nuances, foi, por isso, para a plateia adulta e silenciosa da noite de sábado, uma exigente prova de profunda audição que, para além de delicada, como aliás se denota ao rodar o disco, se confirmou na proporção e natureza certas. Nunca um "thanks for listening" fez tanto sentido...

sábado, 24 de fevereiro de 2024

UAUU #710

STEVE GUNN & DAVID MOORE, DISCO VIVO!





















Está prestes a completar-se um ano desde o lançamento de "Reflections Vol. 1: Let the Moon Be a Planet", disco de belo efeito da autoria de Steve Gunn e David Moore (Bing & Ruth) na sua aparente calmaria meditativa entre uma guitarra e um piano. 

A digressão que se seguiu chegou, então, à Europa e desses concertos foi lançado ontem um registo oficial obtido no Café Oto londrino na noite de 10 de Abril onde se sucedem cinco peças numeradas com base em alguns dos originais do referido álbum mas que se espraiam, tensionadas, a um género de improvisação controlada. 

O melhor de tudo isto é que tamanha dádiva tem tido apresentação a três dimensões por perto, o que se torna imperdível. Ontem em Braga e hoje no Auditório de Espinho, a oportunidade de viajar sem sair do lugar por propagação sonora afigura-se sedutora e, certamente, de recompensa duradoura, atendendo ainda a que o tal "Live in London", de que RVNG Internacional só fez sair 225 exemplares em vinil, talvez possa ser trazido para casa...


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

LATTIMORE & BARWICK, AMIZADE FRUTUOSA!












Com a chegada de Fevereiro chegou também "Canyon Lights", uma composição ambiental da autoria da harpista Mary Lattimore e Julianna Barwick e que é uma pequena maravilha. O original tinha sido incluído em 2021 na compilação "Digitalis" promovida pela plataforma Adult Swim, ganhando agora o destaque que merecia a partir do Bandcamp

A colaboração amiga entre Lattimore e Barwick é já uma prática antiga traduzida em sessões de improvisação, concertos conjuntos, como os de Nova Iorque no último Verão e no Zebulon de Los Angeles em Janeiro último, ou a participação em álbuns comuns, o que resultou, por exemplo, no tema título "Healing Is A Miracle" lançado por Barwick na Ninja Tune em 2020. 

Mary Lattimore regressa a Portugal no próximo mês para um concerto na Galeria Zé dos Bois lisboeta (18 de Março), oportunidade para apresentar os novos originais incluídos em "Hotel Nostalgia", álbum de 2023. Infelizmente, não se repete a incursão a Norte, tal como aconteceu há dois anos por Braga num fim de tarde quente de Maio. Quanto a Julianna Barwick, não são conhecidas quaisquer datas europeias... para já. 


CAETANO VELOSO E O MAR!

A canção "La Mer" na versão de Caetano Veloso foi escolhida para a banda sonora do filme/documentário "Une Famille" realizado por Christine Angot e estreado em Berlin na passada semana. O original, inicialmente gravado por Roland Gerbeau em 1945, obteria êxito mundial no ano seguinte pela voz de Charles Trenet, tornando-se um clássico e também um standard do jazz. 

Nas palavras do próprio Veloso, a história conta-se desta forma: 

"Guilherme Araújo era meu empresário. Passou anos pedindo pra eu cantar ‘La Mer’. Eu gostava imensamente dele. Prometia aprender direito a canção e cantar numa próxima temporada. Sempre adiando. Quando ele morreu, senti. Numa apresentação em Paris, cantei ‘La Mer’ em homenagem póstuma a ele. A escritora Christine Angot estava na plateia. Acho que ficou tão comovida quanto eu, já que, ao concluir um filme sobre sua própria vida, me pediu que gravasse a música como o fiz há anos em Paris: sozinho ao violão e em andamento ultra lento. Assim gravei.

 Ainda bem! 


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

KHRUANGBIN, TODOS PARA A SALA!





















Os texanos Khruangbin apesar de todas as colaborações que foram promovendo nos últimos anos - por exemplo, com Leon Bridges e Vieux Farka Touré em discos de originais e uma imensidão de muitas outras ao vivo - apresentam-se, pela primeira vez, para um novo álbum completamente dependentes de si próprios, isto é, Laura Lee no baixo, Mark Speer na guitarra e Donald Johnson na bateria. 

O disco de regresso recebeu o nome de "A la Sala" e terá sete variações de capa e respectiva cor do vinil (algumas delas só disponíveis no Record Store Day de 20 de Abril), uma combinação em torno da imagem de uma janela que remete para uma panorâmica sobre o passado como fonte inspiradora para um futuro melhor e, certamente, mais ambicioso. Mantêm-se a mesclagem de sonoridades e ritmos em forma de gostos antigos por westerns, african disco ou a dança groove que se pode ouvir no primeiro single "A Love International" lançado em Janeiro. 

Curioso o título de um dos novos temas - "Farolim de Felgueiras" - que não foi possível confirmar como de raiz portuguesa mas que se adianta soar em formato ambiental, isto é, sem batidas e onde a guitarra, permeada por barulhos de sapatos em degraus de granito, toca ao desafio com um moog

Certo é que, com ou sem traços lusos, os Khruangbin tocam dia 11 de Julho no Passeio Marítimo de Algés. 


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

RICHARD "VINTAGE" HAWLEY!





















Depois de um álbum ao vivo (2022) e depois de um best off (2023) seria previsível um novo trabalho de originais do ente querido Richard Hawley. O sucessor de "Further", disco já com quatro anos, é "In This City They Call You Love" a sair pela BMG no final de Maio, havendo já disponibilidade prévia de um exclusivo bundle devidamente autografado

O próprio confessa que este é um dos três trabalhos de longa duração da sua carreira para o qual tinha já título antes sequer de começar a gravar as canções. A expressão escolhida faz parte da lírica do tema "People", apresentada como o melhor que alguma vez fez sobre a sua amada cidade de Sheffield, onde orgulhosamente nasceu há cinquenta e sete anos. 

Numa intenção deliberada, está prometida uma primazia a dar vozes nos seus jogos de sobreposição ou proeminência, usando poucos solos de guitarra de forma a que o espaço da canção seja de evidente realce, podendo a prova auditiva ser realizada a partir "Two for His Heels", a primeira das doze canções de um anunciado "vintage Hawley" no seu tradicional e inconfundível dote de arranjar e compor bonitas e emotivas melodias.    

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

MOLLY LEWIS, MONUMENTAL ASSOBIADELA!

O convite disfarçado surge logo no tema-título que abre o álbum de estreia "On The Lips" saído a semana passada - "Good evening, thank you for listening, my name is Molly Lewis and tonight i'll be whistling"! 

Somos que impelidos para dentro de um espaço lounge que, a não existir, deverá ser fácil imaginar na sua atmosfera fumarenta de luzes ténues, barulhos de copos e um pequeno estrado onde Lewis se apronta para fazer o que promete - o assobio como arte instrumental, de faceta ambiental a roçar a música de elevador mas de teor acentuado num retro sound agregador de bandas sonoras, clubes de jazz decadentes ou slows kitch e românticos. 

A "coisa" afinal têm nome. No Café Molly revisitam-se muitos destes ambientes antigos e clássicos em que Los Angeles era fértil, um revival que já aconteceu no Zebulon, mítico café-concerto da cidade, onde Lewis se rodeia por vezes de músicos e amigos para apresentar os originais mas também muitas covers (fez por lá um dueto com Weyes Blood para o intemporal "The Look of Love" de Bacharach, assegurando também a primeira parte de digressões americanas de Natalie Mering). 

Assim e tal como nos dois anteriores EP's, o disco não dispensa a escolha de duas versões - "The Crying Game" (1964) de Dave Berry que encerra o álbum (e que Boy George transformou em hit em 1992 servindo o filme de Neil Jordan com o mesmo nome) e "Porqué Te Vas", original presente na banda sonora de "Cria Corvos" (1976) do realizador Carlos Saura e que Lewis recria em formato mais up-beat

Tudo, pois, a funcionar como um arquivo vivo e revisitado que multiplica imagens, situações e visões de um misterioso veludo lynchiano ou de uma espreguiçadeira batida pela brisa e que tão milagrosos lábios envolvem de nostalgia e muito exotismo. Que grande assobiadela!