A audição de qualquer um dos grandes discos de Kamasi Washington para além de compensadora é também um bilhete de ida sem volta a um mundo por descobrir que, a partir do jazz, nos transporta em simultâneo para a soul, o funk ou o afro-latino. Essa dimensão plural tem na agregação de subtilezas instrumentais um trilho venoso que cada músico vai bombando meticulosamente de forma a que o resultado brilhe sem aparente dificuldade mas onde a qualidade extrema é um fito obrigatório e cerebral.
A transposição lubrificada desta máquina para cima do palco de uma sala onde se junta uma massa humana na expectativa de a ouvir a operar de fio a pavio - a bombar, como a agora se diz na gíria - é um momento sublime que ainda agora estamos a digerir gostosamente. Podem os puristas vir com os habituais e bafientos argumentos de profanação das regras ou das pautas, mas o espectáculo a que tivemos a felicidade de presenciar foi, na verdade, uma comunhão colectiva de amor e partilha à música que se eleva sem freio a uma espessura sonora caldeada de emoção, destreza, perícia e harmonia.
Para alcançar tamanha proeza unificadora Kamasi tem a seu lado no saxofone os parceiros e amigos certos a quem dá em concerto a tal visibilidade que os discos escondem e que, caramba, são de uma aptidão avassaladora. Para memória futura, foram eles, Ryan Porter no trombone, Miles Mosley no baixo tchhhh acústico, o pai Rickey Washington na flauta, Brandman Coleman nas teclas, um extraterrestre wonderiano de chapéu apropriado da NASA na cabeça que, aparentemente, substituiu uma vocalista em falta e Robert Miller e Tony Austin nas duas baterias, sim, duas baterias que se questiona para que servem mas que só ouvindo e vendo ao vivo, como no despique praticado, se pode tentar explicar de forma ligeira.
Ou seja, uma noite de celebração magistral onde uma corrente libertadora deu continuamente a volta do palco até ao fundo do recinto num imenso carrossel controlado e que só parou algumas vezes para ganhar fôlego sempre que o mestre levantou o punho, um gesto de comando mas, acima de tudo, de resistência e fúria em que a música sempre foi exemplar. És grande, Kamasi... e companhia!
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