segunda-feira, 31 de julho de 2023

RHODA SCOTT, Festival Jazz na Praça da Erva, Teatro Municipal Sá de Miranda, Viana do Castelo, 29 de Julho de 2023

Não temos a certeza se Rhoda Scott alguma vez tocou em Portugal. Radicada em França desde 1967, talvez a proximidade geográfica a tenha trazido noutros tempos até cá, mas para a maioria dos que esgotaram a plateia do teatro vianense tratava-se de uma estreia num dos seus afamados espectáculos. Ninguém, de certeza, de lá saiu desiludido! 

Com a ajuda magistral do baterista Thomas Derouineau, a organista de idade avançada mantêm intacta e jovem a destreza e habilidade na sublime afirmação do chamado soul jazz que espantou pela vibração e contínuo groove de clássicos de Duke Ellington, Stevie Wonder ou das The Clark Sisters que recriou durante décadas e de que decidiu incluir alguns no disco "Movin' Blues" registado ao lado do referido baterista em 2020, o motivo principal do alinhamento do concerto. 

Conhecida por The Barefoot Lady por tocar de pés descalços o segmento de baixo do Hammond, o desiderato elevou-se espantoso na execução e na amplitude sonora e que teve no clássico "Caravan" um expoente arrebatador. Contudo e a pedido do público, seria já no encore que um "Summertime" de outro mundo se haveria de impregnar memorável em mais um serão de excelência vintage a que o festival minhoto nos vai habituando. C'est si bon, Madame Scott! 

MAKAYA McCRAVEN NA CASA DA MÚSICA!














Já se mostrava estranha a não vinda de Makaya McCraven ao Porto no âmbito do Misty Fest de Novembro próximo e, por isso, ficamos à espera de uma razão explicativa. Ela surgiu, bem-vinda, hoje! 

O melhor baterista e compositor de jazz dos últimos anos apresenta-se na sala Suggia da Casa da Música no dia 19 de Novembro, Domingo, serão que servirá para desfiar o excelente álbum "In These Times", sexto longa duração datado de 2022. Imperdível. Já há bilhetes.

(RE)VISTO #111





















I Thought the World of You 
de Kurt Walker. Canadá, curta metragem, 2022 
Canal 180, Portugal, 26 de Julho de 2023 
Quando em 2014 se deu a conhecer um tal de Lewis como autor de um disco esquecido nos anos oitenta que recebeu o título de "L' Amour", tudo parecia indiciar mais um daqueles fenómenos da era digital que se espalha sem razão aparente ou uma explicação lógica. Certo é que a procura por outros discos que se sabiam gravados e por mais pormenores biográficos motivou, mesmo assim, poucos avanços na obtenção de informações - o que se sabe está no que a Wikipedia disponibiliza - e que até hoje estão longe de uma confirmação efectiva e credível sobre o personagem canadiano, a sua localização ou até a sua existência terrena. Um mito que, obviamente, permite uma série de especulações e ficções mas que não podem esconder, pelo contrário, o mais importante - a beleza e eternidade das canções! 

Pegando no tema que abre, maravilhosamente, o referido álbum, o realizador Kurt Walker escreveu e filmou uma curta metragem que rodou por alguns festivais especializados em 2022, incluindo o Curtas de Vila do Conde, dando imagens a uma história soprada em dezassete minutos maioritariamente a preto e branco de sublime carregado e contraste mas onde a cor acaba também por emergir, forte. Notam-se os pormenores cuidadosamente colocados na narrativa captada no Canadá - o Mercedes descapotável branco, o apartamento de mobília branca, a beleza modelo da namorada ou a sessão fotográfica, tudo encadeado numa sofisticação assumida e intercalada por mensagens de texto alusivas ao chamado mito romântico. 

Ouve-se, contudo, pouca da música sobre a história de amor a que a colagem visual alude, um propósito adiado até ao genérico solar do final, como que forçando o espectador a notar a força nostálgica da canção, prolongando misteriosamente a quimera. Uma pérola!



sábado, 29 de julho de 2023

(RE)LIDO #117





















CENTO E ONZE DISCOS PORTUGUESES
A Música na Rádio Pública 
de Jorge Guerra Paz e Henrique Amaro (coord.).
Porto, Edições Afrontamento, 2017 
A Ant3na/RTP assinalou os oitenta anos da rádio pública (1935) e da emissão de música escolhendo e listando discos simbólicos de artistas e bandas portuguesas por épocas ou acontecimentos, desde “A Fundação da Rádio Pública 1935”, “O Vinil em Portugal 1954”, passando pela “A Revolução de Abril”, “A afirmação em FM 1979” e “Novo Século Digital 2000”. É uma de algumas das separações cronológicas possíveis, mas a lista de 111 discos seleccionada é, certamente, uma das muitas e diversas hipóteses a apresentar e que, na sua essência, tenta ser abrangente nos géneros, nas susceptibilidades e, como convêm, nos compromissos. 

Não há, por isso, por aqui muitas surpresas, rupturas ou novidades, embora seja estranho que os Taxi, os Já Fumega, os Trabalhadores do Comércio, os Repórter Estrábico, os Stealing Orchestra ou até António Pinho Vargas em versão anos oitenta (p. ex. “As Folhas Novas Mudam De Cor” de 1987 onde está “Tom Waits”, um dos instrumentais mais bonitos de toda a música portuguesa), tenham sido esquecidos, melhor, preteridos. Há uma coincidência geográfica nesta meia dúzia de nomes, mas é só coincidência... 

O livro é um notável repositório de gostos, predilecções e vivências de uma plêiade de jornalistas, músicos, radialistas, críticos, melómanos ou empresários de imbatível reunião, alguns deles, entretanto e infelizmente, desaparecidos: David Ferreira, Luís Pinheiro de Almeida, João David Nunes, Ruben de Carvalho, Júlio Isidro, Luís Filipe Barros, Adelino Gomes, José Duarte, Jaime Fernandes, a quem o livro é merecidamente dedicado, João Lopes, Ana Cristina Ferrão, João Gobern, Nuno Galopim, Zé Pedro, Álvaro Costa, Isilda Sanches, Pedro Castelo, Mário Lopes, Ricardo Saló, António Macedo ou Rui Miguel Abreu, que repetindo autoria de textos, mas não artistas e bandas, respeitando uma regra imposta, acrescentam à história da música em Portugal uns bons episódios desconhecidos perfumados de imaterialidades sobre concertos, emissões de rádio, parcerias ou bizarrices que se recolhem na primeira pessoa e, por isso, preciosas. 

Faltou, talvez, o convite a Adelino Gonçalves para discorrer sobre os Heróis do Mar versão pista de dança mas também sabe bem ler a história contada por Júlio Isidro sobre uma matinée no Nimas lisboeta, a das famosas saudações nazis. Sabe ainda melhor recordar o Zé Pedro a escrever sobre o amigo João Ribas dos Censurados, o Álvaro Costa a discorrer sobre o "crooner fadista" Tony de Matos e, acima de tudo, a recuperação do texto-descoberta que Miguel Esteves Cardoso escreveu sobre a estreia dos Madredeus no "Blitz" em 1987, aqui reimpresso em versão editada mas ainda, e sempre, certeiro: "Não é uma música formalmente concebida para ser "eterna" - é uma música que trata da eternidade". Impressionou-nos, com razão, na altura e continua hoje, mais de trinta anos depois, a causar o mesmo efeito. 

Demoramos, por isso, alguns anos a desfolhar, para a frente e para trás, este volume essencial para qualquer balanço sério sobre o fenómeno musical português, um género de table book de consulta ocasional e que, não respeitando os capítulos ou separações, nos conduziu invariavelmente ao recurso mais "próximo" só para voltar a confirmar muitas das emoções, vibrações e memórias que as capas de página inteira reforçaram na saudade...


quinta-feira, 27 de julho de 2023

ROBERT FORSTER, SAIA UM MUESLI BANANA!





















Numa das deambulações pelo que o amigo facebook decide mostrar entre tanta banalidade, confessamos que tivemos que ler duas vezes para perceber e concluir da veracidade da imagem - um pacote de muesli com um desenho da cara de Robert Forster, o ex-Go-Betweens que se mantêm activo e pertinente como se confirma pelo excelente álbum deste ano. A coisa é mesmo a sério! 

Está no mercado, possivelmente, australiano mas com fortes hipóteses de se espalhar pela Europa, uma embalagem de 500 gramas de muesli Spring Grain de alto teor de fibra, orgânico e vegan friendly! O nome é, claro, uma alusão ao tema "Spring Rain" que os Go-Betweens editaram em 1986 e que pertencia ao eterno álbum "Liberty Bell and the Black Diamond Express". 

Mais pormenores sobre o lançamento podem ser lidos no post do próprio e aconselhamos uma olhadela aos comentários elogiosos e pedagógicos dos fãs... Afinal, o desejo em ter uma marca de muesli tem toda uma filosofia de base que, agora, se adivinha no video de "Tender Years" já por aqui destacado mas que repetimos atendendo ao inusitado contexto. Bom proveito! 


quarta-feira, 26 de julho de 2023

SINÉAD O'CONNOR (1966-2023)














O primeiro álbum de Sinéad O'Connor, que poucos conhecem, foi mesmo o único que ouvimos com prazer em 1987 ao mesmo tempo dos U2, dos Smiths, de Prince, dos R.E.M. ou Suzanne Vega. Temas como "Mandika" ou "Troy", os principais singles, sugeriam uma artista de sangue na guelra que a capa icónica bem confirmava e para quem escrever canções era uma terapia obrigatória. 

Bem precisou dela ao longo das décadas seguintes que o mega-hit "Nothing Compares to You" haveria de transformar numa tormenta. Quando havia notícias de O'Connor, era certo não serem boas ou prometedoras. Desistimos e desligamos o interesse há já muito tempo apesar de a termos guardado em VHS a cantar maravilhosamente Gershwin num documentário emitido pela RTP em 1994. A notícia trágica de hoje, mesmo sem causas conhecidas e de lamento sentido, acaba assim por não ser uma surpresa... Peace!

DEVENDRA BANHART, POP DE CAMADA DUPLA!





















Um estúdio de madeira cercada de sequóias e pinheiros foi onde Devendra Banhart esteva dias seguidos a ouvir The Grateful Dead como inspiração para novas canções. Pretendia algo modernista sem perder a elegância habitual e, para isso, teve a ajuda cúmplice da talentosa Cate le Bon, companheira na editora Mexican Summer, um encontro que finalmente aconteceu depois de variadas e abortadas tentativas e que parece transformar-se numa amizade preciosa. 

O resultado está em "Flying Wig", álbum a sair na referida casa de discos em Setembro, uma nova pop sofisticada e de camada dupla que se destapou há um mês atrás com "Twin" e que tem continuidade notável com "Sirens", single dado a ouvir no dia de hoje que conta com video a cargo de Joseph Wasilewski e no qual participam o actor e também músico Tim Heidecker, a actriz e escritora Mitra Jouhari e o pianista e compositor Dorian Wood. 

A digressão mundial começa logo em Outubro e chega a Portugal a 7 (Coliseu de Lisboa) e 8 de Novembro (Theatro Circo de Braga). Obrigatário!


terça-feira, 25 de julho de 2023

AMANDA WHITING, Matosinhos em Jazz, 23 de Julho de 2023

Bonito concerto! A expressão tantas vezes ouvida mas de difícil e efectiva expressão talvez tenha tido no final de tarde de domingo passado um exemplo concreto e tridimencional a cargo do quarteto da harpista inglesa Amanda Whiting. Sol, brisa fresca a tremer o folhado do arvoredo, aves em voos pausados, uma feira de antiguidades e quinquilharia em modo sereno espalhada pelo parque, copos de vinho rosé em nítida circulação e plateia tranquila e na expectativa de uma banda sonora à medida do momento. 

Quase de encomenda, ela veio do coreto em doses de perfeição onde brilhou a subtileza jazz da harpa em despique ondulante com uma flauta e um saxofone de excelência e a que aquele baixo de constante vibração juntou dimensão atmosférica. A onde emitida, de verdadeira classe e travo vintage e que alguns sugerem reduzir-se a simples música de elevador, tem, pelo contrário, uma versatilidade exótica que espantou pela aparente singeleza dos temas e em que o grito das crianças em brincadeira no parque infantil ou o ladrar de um cão sugeriram ser só mais algumas das tonalidades integrantes da sinfonia. Que concerto bonito!

domingo, 23 de julho de 2023

STOP À ESTUPIDEZ, LUZ VERDE À CRIATIVIDADE!















Somos de uma geração que viu o Stop abrir portas como espaço comercial de lojas diversas, bares, cinemas ou discotecas. Lembramos bem as matinées em dias da semana (!) da discoteca 88 com o grande e saudoso Chibanga a "pôr música" e para onde metade do Liceu Rainha Santa Isabel se deslocava para "estudar" e "fazer testes"... 

O triste definhar do espaço ao longo dos anos foi substituído por uma crescente e revigorante ocupação por músicos como local de ensaio ou gravação e, acima de tudo, de partilha. A verdadeira casa da música como já foi expresso e afixado digitalmente numa fachada já icónica, única e, diríamos, simbólica. 

Ver este potencial genuíno ser desprezado e empurrado porta fora com base em ilegalidades, sem dúvida, incontestáveis mas que mereciam um outro diálogo construtivo que, claro, uma presença policial robusta não ajudou nada à compreensão, foi uma estupidez. 

Por isso, saudámos a aparente reversão do encerramento anunciado que o município, com bom senso e tracto, propôs e incentivou na sexta-feira passada e que parece iluminar um caminho interrompido que se espera recupere, de vez, a luz verde da criatividade. Bibó Porto, bibó o Stop!

sexta-feira, 21 de julho de 2023

TONY BENNETT (1926-2023)















No armário da aparelhagem lá de casa sempre conhecemos, quase deprezada, uma rodela pequena de vinil sem capa pertencente a Tony Bennett. Não sabemos de onde veio, embora o selo da CBS que remete para Inglaterra nos leve a algumas suposições quanto a uma herança paterna. A canção "I Left My Heart In San Francisco", o verdadeiro clássico do artista, rodou, por isso, muitas vezes e até à exaustão das estrias que depois se tornaram inaudíveis na reprodução. 

Ainda o guardamos, junto de muitos outros, numa caixa onde está escrito "oldies/crooners" ao lado de Sinatra, Monro, Christie ou Humperdinck. Nunca deixamos de o admirar, quer pela ternura e aveludado do canto quer pela resiliência contínua ao lado da Lady Gaga, Costello, Winehouse ou o amigo Sinatra, mania salutar que se prolongou até 2021. Bennett deixou-nos no dia de hoje, um pouquinho mais pobres e tristes, aos noventa e seis anos. Long live Bennett. Peace!


quinta-feira, 20 de julho de 2023

KAMAAL WILLIAMS, Matosinhos em Jazz, 16 de Julho de 2023

A presença de Kamaal Williams num final de tarde soalheiro num jardim público arborizado e acolhedor motivou enchente interessada na dádiva de dimensão imperdível. Em formato quarteto, como em Braga há quatro anos atrás, desta vez o baixo foi substituído por um sintetizador de linha de baixo mas manteve-se o encanto do orgão principal em constante e activo carrossel accionado pelo próprio, sem que a excelência do saxofone e da bateria se tenham sequer questionado. 

Há um terceiro álbum prometido há muito ("Stings") que chegará, finalmente, em Setembro, e um dos novos temas foi eleito entra as seis malhas que preencheram uma hora de notável frescura e vibração, sonoridade a que Kamaal não gosta simplesmente de chamar jazz e onde se mistura broken beat, improvisação e música electrónica que puseram de imediato a mexer a maior parte de uma comunity sabida e mais que pronta para a fruição. Que barrigada cool!

THE MOUNTAIN GOATS, ÁLBUM VINTE E DOIS!





















Tal como se tornou hábito, surge a notícia surpresa de um novo álbum dos The Mountain Goats a editar em Outubro pela Merge Records e que foi registado no início do ano no estúdio The Church em Tulsa, Oklahoma americano. 

Trata-se de "Jenny from Thebes", um enredo em formato de doze canções em que tal personagem, já com entradas diversas em temas antigos da banda como "Straight Six" ou em "Jenny", vivendo num rancho texano, se sente desconfortável e insegura com quem a rodeia. Há já um primeiro avanço chamado "Clean Slate", mais uma grande malha saída da alienação saudável de John Darnielle com a cumplicidade dos músicos e parceiros habituais de vinte e dois discos de estúdio e quase trinta anos de carreira!

quarta-feira, 19 de julho de 2023

BIG THIEF, ECO-SINGLE!





















O tema novo "Vampire Empire" que os Big Thief apresentaram em Março passado no programa "The Late Show With Stephan Colbert" terá edição oficial em Outubro com uma primeira prensagem em formato de single de vinil refinado, isto é, de teor ecológico usando plástico e outros produtos reciclados. Encomendas já disponíveis.

No lado B estará "Born For Loving You", um outro inédito que se tornou habitual na setlist de muitos dos concertos da tournée europeia concluída em Lisboa a 29 de Abril último.


domingo, 16 de julho de 2023

JANE BIRKIN (1946-2023)















O arrojo erótico de Serge Gainsboug e Jane Birkin sempre nos causou, na juventude, um certo pasmo que o cinema e as canções da dupla francesa eternizaram em polémicas. Birkin, de vida sofrida mais que exposta, soube na última década fazer dessa vivência o mote de uma carreira artística renascida em biografias, álbuns de originais e concertos que a trouxeram Portugal um par de vezes para cantar o marido Gainsbourg, 

Recomenda-se, assim, o documentário recente que a filha Charlotte corajosamente empreendeu e no qual se diluía a proximidade de um fim de vida que uma leucemia atormentava na incerteza. Jane Birkin faleceu hoje em Paris aos setenta e seis anos, ainda e sempre, doce e bela. Paix!

sábado, 15 de julho de 2023

JONATHAN FERR, Matosinhos em Jazz, 9 de Julho de 2023

O quinteto do brasileiro Jonathan Ferr que subiu ao coreto do jardim matosinhense no domingo passado, em estreia pelo norte do país no âmbito da primeira digressão europeia do artista, afigurava-se um perfeito enigma. Ao fim de meia-hora, contudo, a conexão tinha resultado numa experiência "jazzista" eficaz e de teor clássico muito longe do tal urban jazz pelo que ficou conhecido e onde o rap ganha evidência. Fez-se notar uma boa onda agitada por uma keytar e um vocoder a la Hancock saborosos e que culminou com uma versão vibrante de "Samurai" (1982) de Djavan onde se notaram os dois Nord Electro (!) usados, quer por Ferr, quer por Karlos Rotsen, um outro teclista de nomeada. Tudo parecia apontar para um "show" imparável! 

A história triste que Ferr decidiu contar logo a seguir sobre a morte recente do pai Josué, uma fatalidade ocorrida já em plena digressão pelo velho continente, fê-lo sentar sozinho ao piano para um inédito ("Saudades"?) de tributo compreensível e à distância, uma curta homenagem que se estendeu a um outro instrumental e a uma variação de "Tupinambá Na Beira do Rio" que cortaram o ambiente festivo que parecia e merecia espalhar-se convenientemente. 

Também não ajudou a tentativa de captar a plateia para coros e participações coordenadas e colectivas que um concerto de jazz não requer nem precisa, retirando ao fulgor inicial muita da sua eficácia prometedora e impondo, involuntariamente, um enfado desnecessário e desequilibrador que só uma versão de "A Love Supreme" de John Coltarne viria, já no final, a repor no nível certo. Nem sempre, é certo, "o sol do meio dia se acende" na totalidade...  



quinta-feira, 13 de julho de 2023

MARO DE SECRETÁRIA!

RYDER THE EAGLE, AMOR INTERROGADO!

A passagem ao vivo de Dean Wareham pelo Porto há um ano atrás teve uma primeira parte inesperada - um tal de Ryder The Eagle assumou o palco num rompante surpreendente de energia, arrojo e muita interacção. As canções, de um pastiche retro sobre divórcio, (des)amores, traições ou vagabundagem e de sonoridade muito americana, faziam parte na sua maioria do segundo álbum "Follymoon" que o próprio editou, a muito custo, e de que se orgulhava com razão. 

Em Março passado, Adrien Cassignol, afinal é um francês que se esconde atrás do tal Ryder the Eagle, fez sair um nova dose de arrebatamentos chamado "Megachurch" que contou com mistura final do grande Noah Georgeson e do qual o segundo andamento "What Is Love" nos tem azucrinado na audição. 

Pela melodia, pela letra viciante mas muito por culpa de um "Farfisa" (?) reforçado num final em quase desuso, a canção cresce numa intensa, sarcástica e vibrante odisseia escrita em Otos (Espanha) há mais de ano e meio quando a "solidão era mais forte que o sol abrasador". 

O hino eloquente acabou por receber video magistral com a colaboração amiga de Eloïse Labarbel-Lafon, autora de maravilhosas fotografias pintadas, mas as imagens rodadas pela cidade do México, inclusive o seu mítico Teatro Lùcido, foram dirigidas pelo próprio e por Bambi Mist, que também colabora no tema "Chastity Is The New Cool" que encerra o álbum.  O que raio é o amor... sem ponto de interrogação e a negro!

quarta-feira, 12 de julho de 2023

TUBITEK 1984!




















Um amigo desafiou-nos no WhatsApp a adivinhar e a identificar a imagem de acima. A resposta, quase com todas as certezas, foi imediata - a Tubitek

A fotografia a preto e branco parece ter surgido este mês em vários grupos de saudosistas da memorável discoteca fundada em 1981, uma loja de venda de discos que renasceu em 2014 no mesmo local da Praça D. João I no Porto. 

Com a ajuda perspicaz de outro amigo a quem também foi lançado o mesmo desafio, consegue obter-se o ano provável em que alguém (quem?) tirou a fotografia - a partir da célebre montra dupla dos vinis, na do lado direito e na fila mais acima, a capa do último disco pertence ao brasileiro Djavan e ao álbum "Lilás", gravado e publicado em 1984 e, já em plena primavera ou verão (pelas vestes dos transeuntes), com edição nacional

Só falta confirmar quem se encosta, de manga curta e olhar fixo (o Sr. Victor?), à porta por onde tantas vezes entramos. Saudades!

terça-feira, 11 de julho de 2023

NO MUNDO DOS SPARKLEHORSE!





















Com a morte, por suicídio, de Mark Linkous em 2010, esvaziou-se um legado sonoro de extraordinário teor e profundidade que os Sparklehorse sempre souberam preservar. Contudo, esse património foi logo devidamente cuidado e apurado pelo seu irmão Matt, o que resultará, mais de uma década depois, em "Bird Machine", um álbum inédito que a Anti-Records publicará em Setembro próximo e onde estarão reunidas catorze canções. 

Na carreira de Mark Linkous houve várias colaborações, e em diversos estúdios, com outros talentos como Vic Chesnutt, Daniel Johnston, Tom Waits, Danger Mouse ou David Lynch mas, a maioria das vezes, o seu labor de composição foi realizado no estúdio caseiro Static King na Carolina do Norte, onde, assumidamente, solitário tocava e gravava a totalidade dos instrumentos. 

Mesmo assim, alguns dos inéditos necessitaram agora de complemento instrumental e vocal, enquanto outros, já perto da finalização, receberam apenas uma masterização cuidada. Nesta sempre difícil tarefa de "mexer" em tamanho tesouro de um perfeccionista, Matt obteve a ajuda de Bryan Hoffa, especialista em preservação de som da Library of Congress americana e também do produtor Joel Hamilton. 

São já dois, então, os temas que se podem ouvir como resultado desse trabalho - "It Will Never Stop" e "The Scull of Lucia" que conta com a harmonia vocal de Jason Lytle aka Grandaddy, uma das canções que nos transporta, de imediato, para esse mundo fascinante dos eternos Sparklehorse. 


sábado, 8 de julho de 2023

ERIC SLICK & THE DAYROOM BAND + MACIE STEWART + KEVIN MORBY, Hard Club, Porto, 6 de Julho de 2023

O tão desejado regresso de Kevin Morby ao Porto teve na noite de quinta-feira uma celebração memorável. Quis o destino que, na última data da digressão em sala, ele aterrasse na Invicta ao lado de uma "big band" de nomeada, sete músicos que nas últimas seis semanas percorreram a Europa em concertos quase diários e, por isso, o momento requeria um "soltar a franga" e uma festa libertadora. 

Foi, assim, dada a oportunidade a Eric Slick, baterista oficial mas também compositor já com álbuns a solo editados, para apresentar canções que foi escrevendo, uma por dia, durante a tournée e para o que convidou os outros parceiros a juntar-se à pândega numa intitulada The Dayroom Band

Para além de Slick em farda militar medieval, reconhecemos: o Liam Kazar, sim, o baixista também com discos excelentes, trajado qual George Harrison na capa do "Sgt Pepper" e em versão "maneki-neko" sem falhas; Macie Stewart, violinista e grande voz, disfarçada de camarão; Cyrus Gengras, guitarrista em trajes de atleta; um Shreck; uma princesa Fiona; e, também, um bebé crescido, mas ainda a gatinhar, de fraldas e laço na cabeça, o próprio Kevin Morby! 

Os temas de um suposto projecto "Day Room 2", "stupid songs", na classificação do autor, formaram um conjunto divertido de pantominice sobre digressões, festivais, comida, flatulência ou o chefe Morby, tudo em registo de improvisação e modo baile de Carnaval de trinta minutos bastante aplaudido pela plateia surpreendida e, claro, interessada em juntar-se ao festão. Do momento irrepetível e único, ficaram fiéis depositários alguns sortudos que, no término do concerto principal, levaram para casa muitos dos adereços das personagens ocasionais atirados pelos próprios músicos para a plateia rendida. Sgt. Pompous And The Fancy Pants Club Band!
 
 

Mais séria e emblemática foi a programada primeira parte de Macie Stewart, a referida violinista e voz da banda principal e que tem uma carreira a solo em crescendo de afirmação com a edição do álbum "Mouth Full of Glass" o ano passado. Sentiu-se esse talentoso dom de cruzar instrumentos com a beleza da voz em originais consistentes mas ouviu-se, ainda, uma excelente versão de "Pretty Ballerina" dos The Left Banke e uma canção antiga da banda Marrow que formou com Liam Kazar. Foi ele, claro, que convidou para apresentar "Mother of Maladies" dos velhos tempos de parceria e que serviu, também, para marcar o final do convívio do último mês e meio.

 

Chegou, então, a vez de Kevin Morby e companhia fazerem história. Com "This is A Photograph" logo a abrir, não dando espaço a qualquer dúvida quanto ao nível de entrega que se adivinhava, o concerto teve um balanço de constância irredutível, misturando velharias clássicas como "No Halo", "Piss River" ou "Dorothy" (escrita em 2015 a pensar no Porto) com temas do recente projecto de inspiração memo-fotográfica, onde se repetiram e vincaram os elogios à cidade do Porto e de que uma electrizante "City Music" foi o píncaro da partilha. 

À qualidade dos instrumentistas, à assinalável acústica da sala e perfeita lotação da plateia, sem exageros de apertos e temperatura, juntou-se sempre um Morby endiabrado e em excelente forma que nos atirou todas as pétalas das rosas brancas e vermelhas que não dispensa de espalhar pelo palco, uma comunhão que se cruzou um par de vezes na frente de palco de forma suada e ofegante que, como em Espinho há sete anos, um "Harlem River" final haveria de fazer explodir na intensidade. Que regresse sempre que quiser, os amigos portistas cá o esperam, como sempre, de braços abertos!

quinta-feira, 6 de julho de 2023

JALEN NGONDA, SOUL MODERNA!





















O nome de Jalen Ngonda começou a rodar literalmente pela Daptone Records em Outubro passado com um primeiro 7" de vinil onde se plasmaram "Just Like You Used To" e "What A Difference She Made", duas malhas soul de diferentes ritmos mas de envolvente apelo e, caramba, a lembrar tantos e tantos clássicos na voz de Marvin Gaye. Ngonda, contudo, há mais de seis anos que se deu a auto-conhecer com outras canções de alguma verdura mas, desde logo, irresistíveis...  Há, então e desde os catorze anos, uma veia compositora que não mais secou e que se confessa balanceada entre os The Beatles e os Beach Boys mas que teve sementeira nos hinos da Motown de que o pai, uns anos antes, lhe tinha ensinado a gostar nos arredores da natalícia cidade de Washington. 

É esta dita soul moderna de travo clássico e de imitação não intencional, que a Daptone não dispensou integrar na família, oferecendo a Jalen as condições para um registo de longa-duração cujo processo se iniciou antes da chegada da pandemia e que, condicionado mas motivante, foi crescendo aos poucos no Hive Mind Studios de Brooklyn, Nova Iorque, com a ajuda de Mike Buckley e Vincent Chiarito, músicos e arranjadores dos ex-Charles Bradley's Extraordinaires e a que se juntou uma lista de diversos instrumentistas da própria editora. 

O resultado é “Come Around And Love Me” com edição prevista para Setembro, altura de uma digressão pelos Estados Unidos mas há datas ao vivo já a partir de sábado, 8 de Julho, por alguns países europeus e que aportará a Inglaterra, onde Jalen agora reside, em Novembro. Obrigatório não lhe perder o rasto! 




quarta-feira, 5 de julho de 2023

UAUU #692

(RE)VISTO #110






















CREATION STORIES - O Som de Uma Geração 
de Nick Moran. Reino Unido; Burning Wheel Productions/Sky Cinema, 2021 
TV Cine Edition, Portugal, arquivo (2023) 
Em meados dos anos oitenta, a figura, melhor, o figurão Alan McGee era um nome que víamos repetido a cada edição do jornal Blitz. A razão da insistência semanal passava sempre por uma nova banda, um novo artista, uma nova visão, um novo "de olhão" por trás da Creation Records, editora que fundou, de forma independente e arriscada, emparedada por lobbies e ratoeiras das grandes majors de discos. 

O jeito e a habilidade na promoção de bandas como Primal Scream, Teenage Fanclub ou os My Bloody Valentine deram-lhe o estatuto de guru da indústria mas também o rótulo de barão infame na certeza que, com a sua postura e atitude, a cultura e o próprio comércio da música se alteraram significativamente. A história, plena de exageros e loucuras, contou-a na primeira pessoa na autobiografia "Creation Stories" editada em 2013 já depois da retirada profissional. Pegando nessas confissões, os produtores Dean Cavanagh e Irvine Welsh, sim, o de "Trainspotting", escreveram o enredo para um filme, previsivelmente, difícil e controverso que, sem passar pelas salas, acabou directamente em televisão depois da estreia mundial no Glasgow Film Festival de 2021. 

O “Rocks” dos referidos Primal Scream preenche o genérico de forma preventiva para que não haja enganos quanto ao que aí vem - uma infância e juventude cedo montadas em desenfreadas e inocentes cavalgadas em lojas de discos e discotecas escocesas, no definhar dos The Sex Pistols ou na descoberta de David “Rebel, Rebel” Bowie. A família, fortemente castradora na figura do pai, cedo olhou de lado tamanha afronta das vestes e cortes de cabelo, preocupada com um emprego condigno que não passava por ser baixista de uma banda rock (Laughing Apple) e rumar a Londres. Começava, a sério, um carrossel de acasos de que a droga serviria como força motriz poucas vezes intermitente. 

A personagem interpretada pelo excelente Ewen Bremner, sim, também de “Trainspotting”, afigura-se, desde logo, como arrebatadora na sua frenética e continua postura de alucinação. Fundar a editora independente Creation Records com os amigos era, pois, só mais um passo no escuro de uma trajectória condenada ao fracasso e à insolvência que, mesmo assim, provocaria a inveja das concorrentes institucionais logo interessadas em “engrandecer” os My Bloody Valentine ou os Jesus & Mary Chain. McGee, resistente e quase sempre na pré-ruína pela teimosia de Kevin Shields dos Primal Scream e a quem prometeu que seriam maiores que os U2, metia-se acid house dentro por Manchester antes de todos os outros, apresentando trunfos ganhadores como os Spaceman 3 e fazendo, mais uma vez, história. Entretanto, os discos “Scremadelica” dos Primal Scream e “Loveless” dos My Bloody Valentine triunfavam nos tops e na imprensa. 

Ao bafejado “sacaninha ruivo” o destino estava traçado. A reconstituição do encontro ocasional com uns tais de proto-Oasis aquando de uma estadia de regresso a Glasgow pela morte da mãe, é mesmo dos melhores momentos do filme, não tanto pelo inusitado da situação mas pela, já aí, confirmação de um certo carácter Gallanger. Contratados quase na hora, “Definitly Maybe” venderia para cima de milhões e, esses sim, quase que seriam maiores que os U2, embora a história da ligação de McGee aos irmãos Gallanger tenha diversas variações e mossas. 

Feita em Los Angeles e já na reforma, há uma entrevista biográfica que percorre a película em jeito de confessionário de crimes e de muita lábia que a venda milionária da Creation à Sony Records permitiu prolongar num género de paraíso dourado. Incorrigível, a desgraça da dependência e das más companhias acabariam em esgotamento, terapias e reabilitações de um “pintas” que, quase limpo, seria arrastado por Malcom McClaren para a política, sim, a política… inglesa! Ver um “punk” transformado em “hipster” televisionado ao lado de um Tony Blair vendido e ganhador é, talvez, das maiores surpresas de um filme irregular sobre uma geração mas não sobre toda a sua música. Ufa, ainda bem!


terça-feira, 4 de julho de 2023

ANOUSHKA SHANKAR EM BOA COMPANHIA!





















A cítara de Anoushka Shankar terá em Outubro um repositório diferente com o lançamento de "Chapter I: Forever, For Now", um mini-álbum na editora Leiter de, coincidência, Nils Fraham que partcipa também com o seu piano e mais algumas percussões em "Daydreaming", a primeira de quatro faixas registadas, precisamente, no seu estúdio Funkhaus de Berlin, e de que "Stolen Moments" foi a escolhida para primeira audição.

Como notado, este será o primeiro capítulo de uma trilogia que a instrumentista inglesa com ascendência indiana pretende gravar entre as próximas digressões ao lado do seu quinteto. 

Outra surpresa é a produção de Arooj Aftab, uma colaboração que começou no magnífico "Udhero Na", tema incluído na edição melhorada do álbum "Vulture Prince" e que Aftab não dispensa das actuações ao vivo. Outra coincidência, Arooj Aftab tem concerto marcado em Guimarães logo mais à noitinha...


GENTE SENTADA COM FRAHM E ROUSE!






















Foram hoje anunciadas as datas e os artistas para a edição de 2023 do Festival Para Gente Sentada com sede no Theatro Circo de Braga. 

Assim, na sexta-feira, dia 24 de Novembro, estão alinhados os Mutu, banda a jogar em casa, e o alemão Nils Frahm, que assim regressa ao mesmo espaço e evento cinco anos depois. Frahm toca três dias antes no CCB lisboeta e na véspera em Santiago de Compostela.

No dia seguinte, sábado, estreiam-se os brasileiros Gilsons, dois netos e um filho de Gilberto Gil, antes ou após Josh Rouse, outro regresso ao teatro minhoto dezasseis anos depois (!) e ao mesmo festival ao fim de catorze! Rouse está, por estes dias, já em modo comemorativo do magnífico álbum "1972" editado em Agosto de 2003 e poderá ser essa a principal razão da visita. Um velho amigo!

Parece que já há bilhetes!



segunda-feira, 3 de julho de 2023

CURTIS HARDING, Festival TerraCeo, Vigo, 30 de Junho de 2023

O festival TerraCeo, nascido por condicionantes da pandemia em 2020, tem-se afirmado como acertado na ocupação de um espaço amplo, mas de óbvia lotação limitada, e no agendamento de uma mescla de artistas internacionais e espanhóis para ocupar o terraço panorâmico do Auditório Mar de Vigo, local pivilegiado para concertos de final de dia. O de Curtis Harding da passada sexta-feira calorenta foi o perfeito e oportuno exemplo de boa música, muitas e boas cañas e aquele imparável jeito castelhano de aproveitar o momento para festejar, mesmo que a conversa tagarela aumente de volume perigoso à medida que os baldes (literalmente) de cerveja vão rodando... 

Do palco veio uma sonoridade retro-soul saborosa que Harding vem amadurecendo desde "Soul Power", o primeiro álbum com quase uma década, mas que não perdeu um único pingo de paladar ou não fosse a qualidade uma virtude reconhecida em canções robustas como a inicial "On And On", a maravilha Chic "Heaven's on the Other Side" ou a poderosa "Hopeful" já no encore saída do último disco "If Words Were Flowers" e que serviu de motivo para a digressão abençoada por terras vizinhas.

Para o final ficou "I Need Your Love", entoada em coro já nocturno, ou não fosse ela o maior dos hidden-hits (a precisar há muito tempo de um sete polegadas à maneira) de um artista com os pés assentes na terra, isto é, a jogar numa recreação old-school de fusão inteligente e que ali, ao vivo e em cenário idílico, resultou numa onda veraneante e num poderoso e vibrante efeito, como não, de gingar as ancas e dançar. Uma curtis!