Com as partituras numa mão e a guitarra na outra, Marc Ribot entrou em palco, pousou as folhas no apoio, sentou-se e elevou a perna esquerda em cima do pequeno suporte agarrando a parceira acústica como se fosse a primeira vez. Enroscando-se nela, de cabeça flectida na curva lateral da velha companheira chamada Gibson HG-00 e nascida em 1937, a dupla estava pronta para o ritual de encantamento que se adivinhava vigoroso.
Começou devagar, como que experimentando a vontade da amiga e a sua própria destreza nesta primeira noite de tournée a solo, para depois se estender em longos momentos de vanguardismo e ecletismo onde a aparente improvisação confirma dotes surpreendentes de talento reconhecido. Pode ser a decompor, pareceu-nos, o "Hino da Alegria", um outro qualquer standard ou um estudo de John Zorn, a postura e entrega afincada é sempre a mesma, levando-o nessa intensidade a quase sussurrar as notas que toca e que ali, na frente do palco, nos sugeriram leves lamentos de sofrimento...
Entre dois ou três goles na garrafa de água e um rápido olhar para o relógio, as tais partituras pareceram como que esquecidas, olhadas de soslaio e quase reduzidas a meros lembretes, para de imediato a dupla se fazer novamente elevar num tanger e partilha que ganhou forma indivisível moldada na mais perfeita fundição. Por respeito a tamanha amizade, fidelizada em longos anos de cordialidade, Ribot em momento algum largou a companhia, elevando-a no final em jeito de sagração merecida e para que dela nunca nos olvidemos. Certamente que não. Puro prazer.
Sem comentários:
Enviar um comentário