sexta-feira, 22 de março de 2024

(RE)LIDO #119





















PATTI SMITH 
She Has the Power 
de Ana Müshell. Lisboa; Iguana/Penguin Random House, 2022 
Não sabemos quando é que, concretamente, a moda começou mas isto de fazer biografias desenhadas de músicos terá de certeza um pretérito de décadas que não perdeu razão de ser. Nos últimos anos serão alguns os exemplos de sucesso quanto ao género, o que tem acelerado outros projectos (p. ex. Bowie, 2023), sugerindo que a insistência vai continuar. 

A ilustradora espanhola Ana Müshell, uma apaixonada pelo trajecto e firmeza de Patti Smith, agarra com mestria e pertinência uma vida num formato de "intrudução a...", apesar dos quase oitenta anos já detalhadamente descrita pela própria artista em vários livros, o que se afigura uma preciosa ajuda a quem pretender dar a conhecer da melhor maneira a mais novos, filhos ou afilhados, uma das personagens mais fascinantes da história da música popular. Essa aparente leveza está dividida em oito partes que se unem num todo artístico de poetisa, escritora, fotógrafa, compositora ou cantora, facetas que transformaram Patti Smith num caso único no feminino de imparável sucesso mas que tem na sua essência uma marca de resistência e... vida! 

Será sempre fascinante, como se denota desde as primeiras páginas deste livro, verificar essa força, essa virtude e resiliência na procura de uma plenitude emocional ou amorosa que a ligou e continua a ligar a tantos e variados compagnons de route sem ressentimentos ou friezas. Contudo e como qualquer um dos mortais, foram dolorosas as perdas, as agruras e incertezas desde a estadia boémia no Chelsea Hotel, passando pela assunção de estrela rock, até aos primeiros livros de poemas ou exposições de fotografias, que só uma personalidade vincada e abnegada multiplicou na experiência e, claro, nas liasons. 

Não há uma única página sem desenhos de amigos e parceiros, bandas e rockeiros (curiosamente, não há Beatles mas há Stones), capas de discos ou fachadas de restaurantes e hotéis marcantes, de poetas de outros tempos (falta por aqui o Pessoa) e de agora que, numa catadupa peculiar, Müshell ilustra de forma fantástica e surpreendente. Tudo com um traço tão moderno mas, ao mesmo tempo, tão vintage e clássico que não cansa e nos obriga a reparar nos pormenores ou na mancha sem distinção enquanto vamos lendo sobre a fuga para Nova Iorque, a obsessão pela escrita ou a amizade com Kurt Kobain. 

Não sendo um caso fácil, este álbum sobre Patti Smith é mesmo uma deliciosa edição que se lê e relê numa tarde e a que se regressa sem esforço no dia seguinte, sendo uma boa prova de oportunidade, talento, bom gosto e inteligência e também um reforço, mais um, para que a luta incansável que Patti Smith continua a assumir seja inspiradora de criação e inquietação duradoiras. 

Tamanho legado, expresso num verso de um poema, na imagem inconfundível de uma polaroid ou na letra de uma canção, não se poderá resumir simplesmente ao carinhoso epíteto de "madrinha do punk" mas a algo bem mais desconcertante que a aproxima de uma lenda viva, seja lá o que isso for, e que nos faz (bem) tremer. Como este arrepiante "Free Money" já com oito anos. Poderoso(a)! 

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