sexta-feira, 29 de março de 2024

(RE)LIDO #120





















MÚSICA, SÓ MUSICA 
de Haruki Murakami e Seiji Osawa. Lisboa; Casa das Letras/Leya, 2022 
Um maestro e um escritor de diferentes gerações acordaram partilhar a sua paixão pela música dita clássica da melhor forma - conversando sobre ela ao longo de dois anos (Novembro de 2010 a Julho de 2011) em ambiente amistoso e informal. Haruki Murakami, afamado escritor japonês também conhecido pela sua infindável, e de qualidade, colecção de discos de vinil quer de jazz ou de pop-rock, acumula também preciosidades relativas a compositores clássicos como Beethoven, Mahler ou Brahms, dominando ainda os respectivos directores de orquestra, os solistas ou algumas circunstâncias da composição e gravação. Mas, colocando estes discos a rodar, escondem-se uma série de pormenores que a simples audição não permite distinguir a não ser um ouvido apurado, experiente e cirúrgico como o de Seiji Osawa... 

O premiado maestro, também japonês e falecido aos oitenta e oito anos no mês passado, é parte decisiva quanto ao imediato fascínio do livro. Mesmo para leigos como nós em música clássica, isto é, que não distinguimos correctamente autores, estilos, épocas ou andamentos, as seis conversas funcionam como um banquete de curiosidades e confissões vindas, principalmente, da experiência de vida de Osawa em rotação pelo comando de orquestras prestigiadas (Boston), de fintas e rodopios para agradar e corrigir os músicos, os cantores de ópera, as administrações ou mecenas e as amizades com lendas como Leonard Bernstein (1918-1990) ou solistas como o pianista Glenn Gould (1932-1982). Tudo em modo de mergulho no pormenor, na historieta ou na traquinice e que, a partir do diálogo estabelecido, resultam numa narrativa de plena e entusiástica melomania. 

O jovem maestro Martim Sousa Tavares, no prefácio da edição portuguesa, assinala duas características que, muito justamente, ajudam a perceber este indiscutível encanto: o dom da palavra (Murakami) e o dom da musicalidade (Osawa) ofuscam-se pela complementaridade na audição e na observação, uma excepção temporal de irrepetibilidade certa e que Tavares anota ainda no facto pertinente de termos, no caso, "o génio literário que ouve como um músico". 

O resultado, contagiante na leitura e multiplicador do amor pela música, acelera a vontade inaudita de também ouvir sobre o que se leu, para o que existe disponível uma lista de cento e cinquenta e cinco "músicas" curadas pelo próprio Murakami de forma desafiadora e, como não dizê-lo, impressionante. Música, só música!  
 

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