sábado, 13 de abril de 2024

(RE)LIDO #122





















SANTA-BÁRBARA CAPISTA DE ZECA
 
de Abel Soares Rosa. Lisboa; Lusitanian, 2023 
O desenho de capas para discos é um assunto sério. Em Portugal, esta atenção implícita à concepção de um todo imagem-música, que há muito se entende como sinérgico, foi desprezada na importância e demorou a ser assumida como essência de um negócio. Mereceria, por isso, maior pesquisa científica que um atento design de comunicação académico deveria incentivar e que tem conhecido, ainda assim, algumas tentativas esparsas e ténues mas bem meritórias. Este livro de Abel Rosa é, por isso, um bom exemplo de como o tal assunto se pode revelar despertador na raridade, motivador na novidade e especialmente oportuno e seminal no caso escolhido. 

Entre o "capista" José Santa-Bárbara e o músico José Afonso existiu uma cumplicidade política que a amizade transformou numa relação artística duradoira. Ambos tiveram problemas sérios com a PIDE, processos que no caso do "capista" o autor Abel Rosa consultou na Torre do Tombo como forma de provar que a luta contra a ditadura abraçou, de forma solidária, esta parceria numa demanda imaginativa e irreverente - a concepção de nove capas para álbuns de José Afonso datadas entre 1971 e 1983. 

A inspiração, quando questionada pelo "capista" junto do cantor, obteve sempre a mesma resposta: "Lê os poemas!". Foi o que Santa-Bárbara fez de todas as vezes, o que não dispensou, também, a leitura dos textos escritos por Urbano José Rodrigues ou por Bernardo Santareno para contextualizar as canções. De todas as vezes foi a partir deles que as imagens e arranjos escolhidos acabaram aprovados pelo amigo Zeca na sua acepção metafórica e figurada quanto aos tempos que se viviam ou que se adivinhavam invertidos na utopia. 

Uma pomba da paz, uma toupeira, um comboio fumarento rumo ao futuro, umas mãos que trabalham, umas fotografias do amigo tipo passe ou um planador/voador em queda, são alguns dos motivos, adereços, bonecos, ilustrações que depois de trabalhadas se estendem em maquetas, colagens ou sobreposições de um mestre intuitivo na percepção principal da mensagem que a capa do disco assumiria como imagem primeira. Constatar e descobrir as suas fontes bibliográficas em dicionários, revistas ou outras publicações, revelam a perspicácia metódica que Santa-Bárbara manteve desperta e viva, recurso de aparente lógica e conselho mas que só uma imaginação fértil aprimorou a partir dos desafios sugeridos e das oportunidades criadas.  

Antes e depois da censura, antes e depois da liberdade, as revelações que por aqui se dão a conhecer confirmam que José Afonso estava bem ciente desse impacto junto dos compradores ouvintes, nada mais nada menos, que os destinatários de um esforço artístico por vezes exaustivo mas de ferrenha militância. Ao seu lado, Santa Bárbara, o tal "capista de Zeca" numa expressão do jornalista e poeta Fernando Assis Pacheco de 1972, não foi mais que o companheiro certo e completo para realizar e concretizar, mais que uma história bonita, um notável e icónico capítulo da história do design português ainda e sempre inspirador. 

Ver, também no livro, a terminar, a forma educada e eficaz como João Morais (o também músico O Gajo) criou capas recentes para uma série de singles-digitais de José Afonso a partir de todas estas capas de Santa-Bárbara, só confirma o que de mais simples e constante elas representam no fascínio - verdadeiras obras de arte, vejam bem!     



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