terça-feira, 9 de março de 2021

(RE)LIDO #93






















DEVOCÃO / Devotion
 
de Patti Smith. Lisboa: Quetzal, 2019 
Porque escrevemos? A solução para a pergunta de Patti Smith na última parte deste livro vão ter que a procurar ali mesmo ou então, aconselhado, imaginar uma resposta. Sentimos que esta contínua necessidade de publicar as suas memórias tem nessa dúvida o motivo resistente para viajar, no caso, pela Europa, conhecer-lhe as ruas estreitas, ler biografias de autores preferidos (Simone Weil ou Mondiano p. ex.) e visitar os seus túmulos enquanto, a qualquer momento, a inspiração permite a ficcão e um inesperado romance, cujo título lhe surge sulcado numa lápide funerária ("Devouement"), iniciado de forma manuscrita numa de muitas viagens de comboio entre olhadelas de véspera a uma televisão a transmitir uma prova de patinagem artística...

A história de uma jovem patinadora de gelo obcecada pela prática da sua arte em plena natureza surpreende pelo abrupto final mas, até lá, a busca das suas origens obscuras, as razões da parca herança familiar e o encontro de um "mecenas" apaixonado pela graciosidade dos seus movimentos, conduzem-nos a um trilho imprevisível de conivência, desamor e acentuado desencanto que só peca pela escassez de páginas, talvez a aguardar uma sequela futura e um semelhante adensar do mistério.

De regresso às deambulações criativas, é Paris e o sul do país, casa e refúgio de Camus, que aprofundam as razões do vício da escrita numa relação de amor antiga pela cultura francesa e o seu esplendor vibrante e agregador de literatura, arquitectura ou história que chega para encher diversos cadernos de apontamentos em cafés, comboios ou quartos de pequenos hotéis. Confissões sinceras sobre a incontornável França e a sua secular aura cultural num "livro francês" que, mesmo sem referências ao rock ou à música, confirma uma fascinante e inquieta autora que não é de nenhum país mas, simplesmente, do nosso mundo.               


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