Mesmo sabendo que não era ali, nem à luz do sol, que a estreia de Cassandra Jenkins em solo nacional merecia ter acontecido, não disfarçamos que o esforço teve como impulso principal a jovem artista de Nova Iorque. Sem deslumbramentos, o concerto confirmou-se calmo, a planar a caloraça estranha do recinto mais pequeno, mas talvez a precisar de um melhor acerto da amplificação que ajudasse no cintilar das subtilezas magníficas das canções de "My Light, My Destroyer" e de pérolas mais antigas como "New Bikini" ou "Michelangelo". A partilha, ainda assim, afigurou-se compensadora e ternurenta, uma oscilação notada na mensagem que Jenkins leu visivelmente emocionada perante o forte aplauso de aprovação e agradecimento pelos cinquenta minutos de descontraída suspensão.
Dois anos depois e já com os Black Midi em frangalhos, Geordie Creep voltou ao Minho para fazer das suas, isto é, sarrabulhada da boa. Com base em "The New Sound", disco a solo que se confirmou como um dos melhores de 2024, o concerto fez estourar ainda mais os desvarios que as canções originais já sugeriam, uma avalanche de instrumentos onde coube até um violoncelista e muita rodagem ao vivo. À potência da bateria de Morgan Simpson enleou-se um verdadeiro novelo de guitarradas e muita diversão, a que o figurão, no seu jeito chaplin, e alguns parceiros costuraram palhaçada e irrequietude. "Holy Holy" foi, a esse nível, notável: "tudo bem ", "obligado", "muito bom" e "cala a boca". Já agora, "f*** you to" Creep!
Depois do cancelamento do ano passado, os londrinos Bar Italia prometiam dar o litro. Espremida, a contenda até que passou as marcas pré-estabelecidas ou não fosse este indie rock de tensão revigorante e que tem na trilogia da voz em rodopio um essencial e raro atributo. Escusado destacar Nina Cristante que, no meio do palco e à custa de uma ventoinha e uma saia travessa, ainda mais fez aumentar a temperatura de um concerto certeiro e que dá esperanças seguras quanto ao valor do rock. Não deverá ser preciso esperar muitos anos para os ver no estrado principal do "couraíso".
Quem dignificou esse palco de maneira surpreendente foram os Black Country New Road. Temíamos que a pop barroca e de alguma experimentação se diluísse encosta acima, mas, pelo contrário, ela como que se foi ondulando na porção certa para embriagar a multidão receptiva à propagação mágica de elevada fineza e qualidade. Arriscada, a façanha mostrou-se crescente e de uma pedagogia instrumental sem falhas, que isto de ser jovem músico em Cambridge requer tarimba apurada e entrosamento consistente. Compreende-se, (re)imagina-se agora melhor a beleza de "Forever Howlong", disco deste ano na sequela do abandono amigável do fundador Isaac Wood, e que têm nas vozes da três meninas um academismo notável que transformou o anfiteatro num género de Epidauro da pop. Se aos Belle & Sebastian, há trinta anos, se atiravam bocas quanto aos desafinanços e defeitos instrumentais, apupos inconsequentes tendo em conta a frescura das canções, de nada disso se pode acusar estes BCNR, uns verdadeiros continuadores de uma pop inglesa acutilante, refrescante e, caramba, adulta. Como notado, o futuro está mais que assegurado. Salvé!
Não pode ser coincidência, mas há sempre nos concertos de King Krule um nevoeiro artificial, ora colorido ora pálido, que faz um efeito de bondade e de nostalgia interrogadas na origem, mas que se assume importante na emergência do timbre de voz, da poética muito própria das líricas e até na variação de velocidade de muitas das canções. Tudo a saber a um cocktail único de jazz com rock e umas pitadas de hip-hop e punk que os ouvidos agradecem pelo vanguardismo e afronta a convenções de composição. Em Coura, repetindo a presença de 2017, Krule foi como que uma variação crescida de uma certa inocência que vimos brotar em 2012 e que, logo ali, nos pareceu irresistível e de cariz marcante. Raramente lhe vimos a cara, raramente lhe vimos as expressões, raramente reparamos na cor do cabelo. Muitas vezes, pelo contrário, foram simplesmente as canções o bastante para que o concerto se agigantasse na noite, arrefecida no clima, mas calorosa na fruição. Viva o rei, siiiiiiiiiiiiiii!
Por falar em nevoeiro fumarento, de Mk.gee só ouvimos muitas vezes o disco de estreia "Two Star & the Dream Police" (2024), por sinal, um cartão de visita "estranhante" embebido de soft-rock e nostalgia FM. Quedamos sem o conhecer e sem o ver pelo exagero propositado de bruma em palco, negritude por vezes avermelhada de fim de noite a lembrar velhinhos videoclips dos Foreigner ou ZZ Top, o que não é mau sem ser bom. Resumindo, vamos continuar a ouvir o tal álbum sem qualquer preconceito ou travão, bem melhor opção que outra qualquer aparição a três dimensões de um tal Michael Todd Gordon... sem flash!
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