O disco "Lágrimas do Mar", editado aquando da chegada pandémica, reúne nove temas cantados por Antunes e arranjados ao piano, na totalidade, por Araújo, reinventando "Como 2 e 2" de Caetano Veloso e "Manhãs de love", parceria no original com Erasmo Carlos. Estica-se ainda a temas de Itamar Assumpção e do próprio cantor e acrescenta quatro canções inéditas, uma diversidade a que se adicionam várias outras surpresas e muitas certezas, ou não já estivesse o duo mais que rodado em digressões pelo Brasil, E.U.A. e Europa (já em 2022 tinham passado por Lisboa e Coimbra e a experiência mereceu recente álbum oficial ao vivo).
Para quem tinha dúvidas quanto ao âmbito literário do agendamento do concerto, qualquer um dos primeiros temas ("João" ou "Lágrimas no Mar"), frisados nas líricas pela voz grave de Antunes e pelo bailado do piano, confirmavam o porquê da homenagem ao poeta e músico de São Paulo. Essa força da palavra e da, como que escangalhada, métrica das rimas, situa-se num nível de modernismo e actualidade exasperante e quase milagroso - "O Real Resiste" deveria ser de urgente e insistente rodagem radiofónica e "Na Barriga do Vento" soprada aos ouvidos dos que resistem ao amor.
As escolhas semi-alheias não foram inocentes - "Vilarejo" de Marisa Monte (que também passou por Penafiel) que os Tribalistas consagraram é, talvez, umas das maiores canções brasileiras das últimas décadas, também muito à custa de uma lírica única no desejo de uma felicidade colectiva em constante ameaça; "O Pulso" dos Titãs é, sem parecer, um hino à vida ameaçada nas doenças soletradas e vencidas. Poderosas, e a que se juntou outra pedra chamada "Lua Vermelha", brilhante na cenografia e imagens em palco.
Também assinalável o pedacinho a solo de Vitor Araújo, variando "Merry Christmas Mr. Lawrence" de Sakamoto e um tema de cariz tropical, validando uma destreza e um dão de domínio incontestável. Para "Se Tudo Pode Acontecer" e o referido "Como 2 e 2" de Veloso haveria de formar-se um dueto surpresa com Marcia Xavier, parceria já testada noutras ocasiões e estúdios. O incontornável "Saia de Mim" dos Titãs, deixado para o fim, haveria de funcionar como um murro num estômago ainda inteiro mas prestes a rebentar pelo abalo tumultuoso. Uma peça relaxante ("Alta Noite") no único encore haveria de nos acalmar na satisfação e fortalecer, na reverência, a um músico poeta de escritaria superior. Uma bendição!
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