O festival Mucho Flow, em Guimarães, que se realiza esta semana, tinha há muito no seu alinhamento o nome fantástico de Hannah Frances,uma repetida tendência na estreia de novos nomes da folk alternativa em que o evento têm, e bem, insistido. Fez-se o cartaz, o de cima, a cantora marcava para quinta-feira, dia 30, a aparição na cidade berço nas suas redes sociais e divulgação promocional, mas o muito esperado concerto... evaparou-se!
Sem explicações ou avisos de ambas as partes, parece que vamos ter que aguardar uma outra oportunidade para a ouvir de bom grado, tendo em conta a qualidade do produto auditivo que têm no álbum "Nasted in Tangles", saído há poucos dias, uma experiência de verdadeiro prazer.
Sem alterações aparentes, recomenda-se, ainda assim, a presença dos These New Puritans no sábado, dia 1 de Novembro, no palco do Centro Cultural Vila Flor. Sem flops, espera-se!
O quarto álbum "Memories Are Now" de Jesca Hoop, saído em 2017, conhece agora uma reinvenção acústica concretizada com a ajuda de Chloe Foy e de Rachel Rimmer na casa da artista em Manchester. Depois, o resultado foi devidamente misturado e produzido no 105 Studio da mesma cidade por Tom Piper com a ajuda da própria.
Temos, assim, em "Selective Memory" nove pedacinhos de cumplicidade prolongada onde se mergulha nos videos disponíveis a preto e branco mate, mas de onde se sai em brilhante colorido...
Em 2000 não haveria amigo da música que não falasse de "69 Love Songs" dos The Magnetic Fields. O disco era como se fosse o único da banda de Nova Iorque, apesar da meia dúzia de álbuns já então editados, mas o volume quadrado de caixa plástica onde cabiam três patelas magnéticas haveria de rodar entre mãos em versões pirateadas, pedidos de empréstimo perigosos e muito boa imprensa rendida aos méritos de Stephin Merritt.
Havia razões lógicas para o fenómeno, logo listado numa catrefada de escolhas como "essencial", embora fossem poucos os que conseguiam estar perto de três horas seguidas a tentar perceber o conceptualismo da façanha amorosa, melhor, da odisseia sobre canções ditas amorosas. Também lhe rendemos, nessa época, variadas e prolongadas escutas, sempre no pressuposto que o mini-disc ou o leitor do primeiro carro, assim equipado, tinha a funcionar a tecla de avançar e recuar. Um género de repositório aleatório da canção pop para o qual nem sempre havia paciência ou paladar auditivo e que, como em tudo, tinha partes e sequências preferidas, desprezos assumidos e descobertas contínuas. Retomar, vinte cinco anos depois, os caminhos dessas primazias afigurava-se estranho se bem que de irresistibilidade imediata, apesar da incerteza quanto ao anacronismo da maratona proposta.
Fica desde já registado que o exercício correu bem. O marco artístico, então elogiado, mantêm-se sem prazo de validade conhecido ou qualquer risco de azedar, muito por culpa de uma competência instrumental e vocal sem equívocos, reparos ou ondulações, permitindo à plateia concentrar-se nas canções, nas suas nuances e, principalmente, no non-sense e sátira de muitas das letras envoltas de géneros e feitios sonoros contrastantes onde a subtileza é trave-mestra. O voz a la Cash de Merritt continua marcante, posicional e inimitável, mas será de elogiar ainda a clareza de Shirley Simms e do guitarrista (nome?), que lá de trás, se levantou para terminar da melhor maneira a primeira noite com um enorme "Promises of Eternity".
Muita aplaudidas foram também "Papa Was a Rodeo", "Long-Forgotten Fairytale", "The Death of Ferdinand de Saussure", a derradeira "Zebra" ou essa estranha pérola chamada "Love Is Like Jazz" que, se no disco já é viciante e suspensiva, ao vivo avolumou-se num pedaço de refinado e inesquecível vaudeville.
Sem piedade, confessada fica a nota que foi esta a primeira vez que ouvimos o disco completo sem descontinuidades, e nem mesmo uma interrupção de vinte e quatro horas nos fez ir buscar o volume ao armário dos cd's para avivar memórias e preparar os ouvidos. A setlist, a cumprir religiosamente, era só um pormenor de um grande e imprescindível concerto. Em 2050 esperamos retomar-lhe o gosto. Por essa altura, já uma tela virtual ou outra qualquer liquidez nos fará recordar "All In: A Broadway Comedy About Love", uma peça de teatro inspirada na trilogia de cantos, então cinquentenária, estreada em Dezembro último...
Foram já várias as passagens de Daniel Knox pela loja Mercado 48 (Rua da Conceição, Porto) para, sentado ao piano, apresentar muitas das canções de uma carreira já longa. Entre elas, algumas inéditas e prometidas para álbuns futuros inspirados e polidos na residência de longa duração que escolheu fazer no Porto.
Um desses projectos têm agora concretização assegurada e reporta duas madrugadas de gravação ao piano da mesma loja, apurada com engenharia sonora a cargo de Greg Norman. Depois, as canções foram tratadas devidamente no Jamdek Recording Studio de Chicago com a ajuda de vários músicos amigos e com a adição de vozes de João Freitas no Estúdio Cedofeita do Porto.
A cidade serviu, pois, como cenário e roteiro comprovados em "Alligator", o primeiro single de que o próprio conta as circunstâncias em tradução livre (The Line of Best Fit):
"Passei muito tempo num café chamado Asa de Mosca. Há por lá muita gente interessante. Um tipo entra e tenta vender-me coisas que roubou. Eu costumo comprar. Ele vendeu-me um pequeno elefante de madeira, um leque em formato de macaco e, uma vez, tentou vender-me o que chamou de computador, que na verdade era só uma espécie de ecrã sensível ao toque que ele claramente tinha arrancado da parede em algum sítio. O meu cabelo comprido e a minha barba atraem muitos olhares, mas gosto de vir a este café porque, em qualquer das noites, sou apenas a terceira pessoa mais estranha."
Acrescenta:
"Às vezes, fico aqui sentado a ler ou a trabalhar, mas a minha mente levanta-se e anda sem mim. Ela começa a andar a três ou quatro quarteirões de distância, senta-se sozinha noutro café, atravessa a rua e volta para me observar da janela. Depois de morar aqui por alguns anos, às vezes tenho esses momentos de perspectiva em que consigo ver-me fora de mim mesmo; como se eu fosse apenas aqui mais um desses personagens. Há aquela coisa que se enfrenta nessa idade em que ainda se quer ser o personagem de algum romance antigo, mas aí estou sentado no sofá a assistir aos novos discos 4K de "Alligator" e "Alligator II" e tens que conciliar isso com quem tu és e com queres vir a ser.".
O video de "Alligator", dirigido por Manuel Sá, foi, por isso, rodado em ruas e locais que bem conhecemos de Campanhã ou do Bonfim, mas a protagonista chama-se Flor, um milagre de ternura decana. "Mercado 48" sairá no início de Dezembro em casa própria em vários formatos já em pré-encomenda. Prometida está a apresentação ao vivo no sítio do costume e partilha...
Uma crítica com três anos a um disco novo de Michelle David & True-tones acabava com um chavão mais que verdadeiro - se você gosta do som de Sharon Jones, vai adorar este! De facto, não são só estas as semelhanças, já que David é também norte-americana e dona de um vozeirão que, desde criança, se envolveu no gospel e na soul de forma notável. Em palco, não será coincidência, a mesma aversão a sapatos que incomodam na perfomance.
Como manda a sapatilha, aquando da entrada em palco da cantora já o trio instrumental The True-tones tinha ligado a maquinaria groove, mantendo-a perfeitamente oleada até ao fim, escolhendo momentos a solo do baterista e, em particular, do guitarrista, para polir e acelerar a rotação. A energia haveria de fazer levantar a plateia das cadeiras, mas o convite para ocupação da frente ou laterais, ao contrário de um mítico concerto de Sharon Jones na Casa da Música, não obteve qualquer adesão.
O revivalismo soul fez-se, mesmo assim, na plenitude da sua saliência dançante, uma vibração sem data de validade desde que produzida com autêntica e divertida essência, o que, lá está, estes três true.tones e a uma mestra-cantora sabem fazer sem falhas.