Banhos, vento, praia, passeios, livros, jornais, música, copos e outras coisas que tais. Ou seja, como diria o Nick Drake, take your time and you’ll be fine(Things Behind the Sun).
A palavra “grátis” é mágica para os portugueses. A entrada livre para o concerto de ontem permitiu uma enchente nunca vista naquele local o que é, sem rodeios, uma boa notícia. Há vantagens notórias nesta oferta – jazz excelente a ser ouvido pela primeira vez por muitos dos presentes, mistura salutar de gerações e tribos e ambiente informal. Mas há, obviamente, desvantagens a assinalar – desmasiada gente, desrespeito pelo silêncio necessário a um concerto de jazz, em conversas ao telemóvel ou banalidades em voz alta, contínuo e irritante movimento na busca de cerveja e refrescos ou na procura de um melhor lugar. Quanto ao concerto nada a dizer – som perfeito, excelentes vozes femininas, Herbie em boa forma, mas a maior ovação da noite foi para Dave Holland, sozinho em palco, em cinco minutos de contrabaixo inesquecíveis! Destacam-se os temas do último e premiado “River: The Joni Letters”, uma versão potente de “Dancing in the Street” e um final clássico com um “Cantaloupe” irrepreensível. No encore, já com um teclado/guitarra surgiram alguns desafios sonoros com o guitarrista e o saxofonista, num manifestação de destreza e talento ainda intactos ao fim de quase 70 anos. Multi-cool! (video HugTheDj)
Como não poderia deixar de ser, há que marcar o ponto! Em ano de colheita inconsistente, decidimos por uma deslocação cirúgica ao Alto Minho, acima de tudo para não perder os Mars Volta. E valeu a pena!
Descíamos o recinto quando os Teenagers faziam já a festa. Surpresa, já que a banda é realmente uma banda, com bateria, duas guitarras e um irrequieto vocalista que passou a maior parte do tempo junto do caloroso público. Os temas ganham ao vivo um som e atitude rock&roll, veja-se a t-shirt dos Sonic Youth do vocalista, os seus wayferer fashion e a Scarlett Johansson estampada na t-shirt do baixista. Incitou-se à dança, tocaram-se temas que muitos conheciam – “Starlett Johansson” logo a abrir e “Homecoming” a terminar, com um notável cheerleader em palco seleccionada entre algumas candidatas e que se portou à altura!
O que dizer do muito aguardado concerto dos Mars Volta? Numa palavra, brutal! Chamam-lhe rock progressivo mas o melting pot tem de tudo, do jazz, à fusão e ao free-rock, baladas clássicas ou solos intermináveis de guitarra. O primeiro tema, que durou quase trinta minutos, serviu para nos agarrar definitivamente ao palco, onde o pequeno maestro guitarrista Omar Rodrigues Lopez e o vocalista Cedric Zavala são o centro das atenções. Este último é um poço de energia, em movimentos e poses estudadas, saltos e cambalhotas e voz em falsetto tão ao jeito de Robert Plant. Os temas vão-se misturando uns nos outros, poucas pausas e conversas da “treta”, excepção para uma repreensão directa a alguns crowd-surfers mais afoitos a pôr em perigo a segurança de “inocentes”. No colectivo de oito músicos destaca-se ainda um baterista poderoso que bate em “tudo” ao mesmo tempo e um baixo do outro mundo, certeiro e envolvente. Ao fim de 90 minutos, sem encore, a viagem terminou e muitos continuavam de boca aberta, num concerto que Coura não vai mais esquecer. Tripante! Haja Deus!(Video HugTheDj)
Precisamente aos Deus cabia o difícil papel de manter o nível. Com uma legião de fãs assinalável, os belgas decidiram alinhar o azimute pelo passado. Contudo, “Favourite Game”, “Slow” ou “The Architect” do novo “Vantage Point” constituem um bom cartão de visita para o regresso e a sua apresentação em Coura teve resultado perfeito. Entre os mais antigos soaram, entre outros, “Nothing Really Ends”, “Instant Street” (lindo!), o inebriante “Suds and Soda” e “Roses” e "Serpentine" a terminar o encore, satisfazendo de forma competente e intensa as expectativas dos já “famintos” aficionados lusos. Tom Barman e companhia não deixaram assim os créditos por mãos alheias e o regresso está já prometido para Outubro. Era vê-los, mais tarde, no recinto em peregrinação pelos bares, “convertendo” novos fiéis ou recebendo o “beija-mão” de outros. Abençoado seja...
Este livro editado em 1983 pelo Circulo de Leitores faz parte da bibliografia limitada sobre concertos em Portugal. Surge por aqui porque nos trás memórias não dos concertos nele retratados, mas do local de onde o trouxemos. Esse antro da juventude situado em casa de amigos vizinhos servia para tudo: jogos de cartas, ping-pong em doses intensivas, barrigadas de ameixas brancas, música aos berros e simulações/imitações dos Queen ou U2, com vassouras em vez de violas e baldes de plástico em vez da bateria, em gravações malucas ao jeito daquilo que hoje chamamos karaoke... Acresce ainda que era neste livro que, pela primeira vez, vimos fotografias dos U2 em Vilar de Mouros em 1982, concerto que muitos lamentamos não ter assistido. São duas pequenas imagens de Bono em cima do palco, botas altas e calças de napa, ao jeito dos primeiros tempos da banda irlandesa e que preencheu o nosso imaginário pop/rock durante a segunda metade da década de oitenta. O autor da totalidade das fotografias deste álbum é Fernando Peres Rodrigues e abarca concertos realizados principalmente em Lisboa entre 1978 e 1982. A qualidade dessas imagens tem aquela marca típica desses anos oitenta - pouca definição ou brilho e uma impressão algo pobre. Mas o que é certo é que este é o único livro publicado em Portugal que reune fotografias de concertos rock de um período marcante da explosão musical no nosso país: Lene Lovich, Lou Reed, Police, Ramones, Cheap Trick, Clash, Fisher Z, Dexy’s Midnight Runners, Ian Dury, Tubes (imagem da capa), Elvis Costello, Thin Lizzy, entre muitos outros, passaram por cá nesses anos. Claro que o boom dos chamados neo-românticos tem aqui particular destaque com fotografias dos Duran Duran, Spandau Ballet ou Classic Nouveaux, mas existem fotos de bandas de que nunca ouvimos falar (Panchito and the High Rockers ou Joe King Carrasco & The Crowns) e artistas que nem sabíamos que tinham tocado por cá nesses tempos (Fats Domino, Eric Burdon ou Roy Harper). Interessante o texto da jornalista Ana Rocha, mentora da obra, numa abordagem curiosa à problemática dos concertos vs público, da indústria musical, dos meios de difusão, etc.. Algumas das suas palavras, em tempos de acesso difícil à música, são curiosas. Numa delas afirma-se “Todos nós sabemos que não existe uma obra finita, acabada ou completa, pelo menos enquanto se continuar a realizar concertos. Há versões, recriações intermináveis, modificáveis. A recriação contínua, o fugidio, o contingente, constituem a essência do rock; o seu carácter efémero é um elemento importante”. Dá que pensar, precisamente um dia depois de um concerto dos Sex Pistols em Coura...
Ainda não começaram as férias mas já há um festival recomendado para a rentrée. Chama-se Beat It, vai decorrer no Edifício Transparente, junto ao Castelo do Queijo e ao mar e as ondas prometidas são de teor electrónico. Numa só noite, dia 6 de Setembro, teremos, entre outros, actuações ao vivo de Ladytron, !TrashYourself e o “clássico” Etienne de Crecy.
ACTUALIZAÇÃO:
o festival foi, entretanto, transferido para o Palacio de Cristal.