quinta-feira, 27 de maio de 2021

(RE)VISTO #86


























FRANÇOISE HARDY - La Discrète 
de Matthieu Jaubert e Emilie Valentin. França; Arte France, 2016 
Canal Arte online, Abril de 2021 
A disponibilização deste documentário à distância de um play permitiu, finalmente, a sua visualização definitiva que tínhamos falhado aquando da emissão televisiva. A nossa curiosidade maior centava-se numa óbvia procura de (mais) elementos esclarecedores quanto à mítica relação profissional (?) de Françoise Hardy com Nick Drake mas, como prevíamos, este é um episódio sem importância que continua à espera de versões credíveis e, apostamos, inéditas. A esse propósito, já alguém resumiu e bem os meandros conhecidos da suposta colaboração... 

Seja como for, estamos perante um filme de excelência que nos permite descobrir uma artista enorme que desde a juventude, nos anos sessenta, fez bater mais rápido muitos corações masculinos. Ainda nos dias de hoje não resistimos a comprar qualquer single dessa época só pelas impressivas fotografias de uma rapariga lindíssima e misteriosa a que Mick Jagger, Paco Rabanne ou um apaixonado Bob Dylan rondaram na corte, tendo este último chegado a dedicar-lhe um poema impresso na parte traseira da capa do seu álbum "Another Side" de 1964. 

A onda yé-yé de que era a jovem rainha (quem não se lembra do "Tous Les Garçons et Les Filles") haveria de esmorecer com o Maio de 1968, ano em que Hardy decidiu retirar-se dos palcos, depois de uma rara tournée britânica, por manifesta inaptidão em lidar com o público, com as câmaras de televisão ou com a imprensa. As imagens e sequências que o documento escolhe para ilustrar esta timidez e resguardo são, sem dúvida, de uma candura surpreendente que obtêm maior relevância pelas palavras da própria nesse reconhecimento sincero. 

Mas as canções não podiam, não deviam acabar. Com a cumplicidade do companheiro de sempre, Jacques Dutronc, ou ao lado de Gainsbourg, Hardy insiste na composição de forma metódica mas sempre discreta, um epíteto certeiro de como Jean Gabin a descrevia nessa época e que se manteve até ao presente. Receptiva, interessada e à vontade em pleno estúdio, gravou álbuns uns atrás dos outros como "La Question", o décimo primeiro longa-duração editado em 1971 com a ajuda decisiva do músico brasileiro Tuca, um tesouro de bossa-nova luxuosa e sensual que aconselhamos sem limitações e reservas. O disco é também um repositório confessional e lírico dos seus receios e medos resultantes da instabilidade emotiva da então relação com Dutronc e que teve num video da altura para a canção título, ao lado de uma dupla de marionetas, uma alegoria propositada. 

Absorvendo influências ou respondendo a desafios, Hardy regressaria a Inglaterra para registar no mesmo ano um disco no estúdio Sound Techniques, pertença do produtor Joe Boyd, onde compareceram uma série de músicos como Richard Thompson e para o qual estava agendado o auxílio de Nick Drake. Mesmo conhecendo a casa, os técnicos e muitos dos restantes músicos, Drake não deu nenhum passo em frente na interacção, não apresentando nenhuma canção que, supostamente, deveria ter composto para a jovem francesa apesar de se ter deslocado em silêncio ao local a muito custo. Sem nenhum original da sua lavra, o trabalho conhecido pelo título "If You Listen" viria a incluir originais de Beverly Martin, Randy Newman ou Neil Young. 

Já longe dos holofotes mediáticos, recusando convites publicitários ou no cinema, a artista manteve na música o único refúgio temperador, continuando a escolher colaborações e parcerias ao sabor da sua intuição nem sempre compreensível apesar da aura de ícone secreto e distante. Não demoraria a que fosse redescoberta por produtores, artistas ou cantores modernos em variados países como Anton Newcom dos Brian Jonestown Massacre, Bertrand Burgalat, Étienne Daho ou os Blur que a convidaram em 1995 para um dueto fantástico em francês/inglês para o tema "To The End (La Comedie)", original do álbum "Parklife" e no qual participava Laetitia Sadier dos Stereolab. A aparição serviria para confirmar que a sua influência não havia esmorecido e que a sua classe e charme se juntavam, eternamente, num estilo único de grande senhora. Um fascínio! 

(se perceberem alemão, o documentário está disponível aqui



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