sexta-feira, 2 de julho de 2021

(RE)VISTO #89






















OS DOCES BÁRBAROS
 
de Jom Tob Azulay. Brasil, 1977 
RTP2, Portugal, 1 de Julho de 2021 
Em 1976, para comemorar os dez anos de carreira a solo, os baianos Maria Bethânia, Gilberto Gil, Gal Costa e Caetano Veloso formaram uma banda para se apresentar nas principais cidades brasileiras a que chamaram Os Doces Bárbaros. Um desses concertos no Estádio Anhembi de São Paulo permitiu o registo de um álbum duplo com parte do reportório inédito apresentado, principalmente, por Gil e Caetano, uma soma de mais de vinte temas ao vivo que já conhecíamos ao de leve. Mas a reunião de tanto talento teve também um propósito fílmico dirigido por Jom Tob Azulay que pretendia mostrar o processo criativo, os ensaios e os camarins da façanha que se estendeu de São Paulo a Campinas, passando por Curitiba e Florianópolis, a capital do estado de Santa Catarina a sul. É aqui, então, que um incidente com a polícia muda o azimute do guião, um curioso episódio sócio-político que nunca tivemos oportunidade de ver. 

Nessa última cidade, Gilberto Gil e o baterista Chiquinho Azevedo são presos por posse de maconha encontrada numa rusga ao apartamento/quarto efectuada por uma brigada de "tóxicos". Começa aí uma novela jurídica árdua na tentativa de os libertar para que a digressão continuasse. A reportagem/filmagem da sessão no tribunal é, ainda hoje, de pasmo risível - recinto a rebentar de jornalistas, câmaras de filmar e fotografar em modo "tudo ao monte", argumentos e justificações a favor e contra de teor exagerados e um juiz a ditar a sentença para o escriturário em voz alta, sem esquecer de indicar vírgulas, abrir aspas ou pontos parágrafos a ser batidos nas teclas da máquina de escrever perante o sorriso de um atónito Gilberto Gil. Resultado: internamento e acompanhamento médico para a "cura", a desintoxicação, ser possível, penalização que só uns meses depois e a muito custo foi revertida com a autorização para regressar ao trabalho, isto é, aos palcos, mas com a condição de se apresentar depois e obrigatoriamente na clínica... 

O reinício dos espectáculos aconteceu no Rio de Janeiro, onde durante dois meses o quarteto esgotou o mítico Canecão, aproveitando o realizador para acrescentar um conjunto de outras imagens também elas surpreendentes e de patina saborosa. Destaca-se uma entrevista a uma irritada Maria Betânia no camarim realizada por um incauto jornalista no limite da ignorância sobre a sua carreira artística ter sido lançada pelo irmão Caetano, o que efectivamente aconteceu mas ao contrário. Tempos estranhos e, esperamos, irrepetíveis que não beliscam a mestria e qualidades de quatro indomáveis artistas já em pleno esterelato e na idade perfeita para estas barbaridades. 

O evento acabou por ser marcante na biografia da chamada Música Popular Brasileira, apesar do desprezo e alguma ligeireza com que foi encarado na altura pela imprensa e... outros artistas. O quarteto maravilha haveria de se reunir em 2002 para comemorar os vinte cinco anos, momento que teve também registo em imagens no filme "Outros (doces) Bárbaros" e que continua disponível no canal da Biscoito Fino, a produtora oficial. Um complemento natural e obrigatório da película original. O maior barato! 

 (o documentário está online através da RTP Play)

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