A história que aqui trazemos no dia de hoje há muito que estava para ser escrita. O novelo que ela encerra começa a desenrolar-se a partir de uma simples mas saborosa coincidência com mais de dezassete anos e, por isso mesmo, de difícil memória e a pedir paciência da vossa parte. Começa assim...
Era uma vez quatro primos, entre os quais nos incluímos, que decidiram em 1998 marcar uma viagem de verão à Irlanda e Irlanda do Norte. Nada de transcendente atendendo à beleza do território mas com uma condicionante de última hora - uma semana antes da data da partida (15 de Agosto de 1998) o Reino Unido sofreu um dos piores atentados terroristas perpetrados pelo IRA na localidade de Omagh em pleno Ulster, onde um carro bomba tirou a vida a 29 pessoas e feriu mais de 200! A família sobressaltada recomendou o adiamento, a agência de viagens avançava com algumas reservas, mas a inquietude juvenil e alguma persistência levou-nos a manter o plano.
Chegada a Londres, aluguer de carro, descida até sul de Inglaterra, subida ao País de Gales, ferry para atravessar para a República da Irlanda, visita a Dublin, tudo em regime atraente de bed & breakfast, alguns sobressaltos de condução, paisagens fabulosas, cervejas e carnes da melhor qualidade e entrega do carro final marcada para Belfast de onde viajaríamos até Londres em trânsito para o Porto. O ponto de entrega já aquando do processo de aluguer no Aeroporto tinha merecido por parte do funcionário local alguns reparos atendendo ao período tenso que se vivia, o que rapidamente constatamos quando, no fim-de-tarde agendado, chegamos à cidade - ruas sem vivalma, carros patrulha em circulação lenta e um natural regime de recolhimento. Foi a única dormida em sete dias num chamado hotel e antes do sono, ainda em pleno dia, decidimos dar uma volta ao quarteirão. Aqui começa, então, a história que interessa para tão prolongado intróito!
Numa das ruas e sem cafés abertos decidimos, por insistência nossa, entrar numa das poucas lojas em funcionamento - uma loja de discos, claro, para passar tempo e, já agora, talvez comprar algumas pechinchas. No auge do CD e depois de algum tempo a percorrer as prateleiras, pegamos em dois discos de Andy White que desconhecíamos e fomos pagar. O homem por detrás do balcão ficou de boca aberta! Iniciou-se então um inquérito estranho mas natural - de onde éramos, como raio é que viemos ali parar e um carregado "caramba, em tantos discos escolheste logo dois do amigo Andy White!". Seguiu-se uma série de confissões - que Portugal era excelente, que a comida era a melhor do mundo e que tinha sido aqui o único local do planeta onde tinha ouvido uma canção de Andy White na rádio! Lá confessamos gosto pelas suas canções, que o tínhamos visto ao vivo há alguns anos atrás (29 de Novembro de 1990) na primeira parte de um concerto dos Vaya Con Dios no Porto e que até acabamos a beber uns copos com ele no bar do pavilhão Infante Sagres... Quanto ao privilégio radiofónico, teria sido de certeza no "Som da Frente" do António Sérgio, ele mesmo um aficionado do cantautor natural de Belfast e que, quase que juramos, teria comparecido nessa altura no programa do mestre para tocar algumas canções e trocar algumas palavras (quem ajuda?). Vai daí, o nosso entusiasmado anfitrião mandou-nos esperar um pouco, abriu a porta de um pequena arrecadação e, na volta, ofereceu-nos dois discos de vinil de Andy White, um deles o que acima se reproduz editado pela própria loja, o 12" do tema "Six String Street" com desenho de capa do próprio White, entre um forte aperto de mão e votos de boa viagem!
Pois bem, no retomar desta verdadeira memorabilia e com o novelo a desenrolar-se sem freio, acabamos por confirmar o agora óbvio - a loja e editora em questão chamava-se Good Vibrations e o homem desse encontro imediato, bastou ver uma das fotografias pela rede para o confirmar, era Terry Hooley, uma lenda viva do panorama punk-rock de Belfast e do Reino Unido que gravou e contratou os tenros Undertones de "Teenage Kicks", a icónica canção preferida de John Peel. A sua vida já deu um filme de nome "Good Vibrations" estreado em 2013, há planos para uma versão teatral e a loja com o mesmo nome só encerrou o ano passado por doença do próprio Hooley depois de vários contratempos e vicissitudes, como um inexplicável incêndio em 2004 que destruiu o quarteirão, queimando literalmente todos os discos e a história da música local. Da viagem a Portugal há um curioso vestígio, um galo de Barcelos colado no frigorífico lá de casa enquanto se mantêm activo na rede e a rodar música nos bares da cidade!
Quanto a Andy White, emigrado na Austrália, continua felizmente a gravar discos e numa das fotografias surgida nesta nossa pesquisa parece-nos estar à porta da tal loja a tocar para os transeuntes certamente a pedido do amigo Hooley. O disco oferecido da nossa colecção continua disponível, entre quase todos, para venda e agora só falta mesmo ver a película que rapidamente acabamos por encomendar na expectativa de fechar um curioso círculo em que a sempre vibrante história rock & roll é fértil...
I wanna holdher, wanna hold her tight
Get teenage kicks right through the night
Alright
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