Como temos a certeza de que muitos de vós, tal como o inquilino desta casa, ainda não se fartaram do disco grande de estreia "New Long Leg" que os britânicos Dry Cleaning lançaram a meio do ano, há agora mais dois pedaços para juntar ao cesto da roupa suja sonora.
Gravados em Julho e Agosto de 2020 na mesma sessão do Rockfield Studios do País de Gales que deu origem ao referido álbum, "Tony Speaks!" e "Bug Eggs" estão agora disponíveis de forma democrática depois de um lançamento, como bónus, em alguns formatos mais rebuscados. Ficavam bem, aliás, num pequena rodela de vinil que não deve estar esquecida pela 4AD. Esquecido não está o concerto no Primavera Sound Porto do próximo ano. Limpinho!
Não têm sido poucas as vezes que o nome de Matthew E. White vai pairando por este blog. Na faceta de produtor, são infindáveis as ajudas a artistas como Dan Croll, Bedouine, Flo Morrissey, Natalie Prass, Foxygen, Justin Vernon/Bon Iver, Sharon Van Etten ou The Mountain Goats a que se junta a editora Spacebomb localizada em Richmond, Virgína (E.U.A.) onde alguns destes e outros acabam a publicar os discos.
Aprisionado às solicitações profissionais, não será de estranhar que, desde que iniciou a aventura a solo (2011), somente tenha tido tempo para dois álbuns de originais, raras digressões ao vivo que em boa hora o trouxeram a Portugal e algumas parcerias arriscadas como uma última e fascinante que o pôs, este ano, ao lado de Lonnie Hooley. Chegará em breve, contudo, um verdadeiro update!
Apostado em concretizar um disco de fôlego sustentado, White reservou para "K Bay" onze peças retro-futuristas de pop adulta que confirma a sua inata tendência para se livrar de convenções e trejeitos instrumentais, misturando o novo e o velho sem olhar a limites ou recursos que aprendeu a gerir na já longa e diversa experiência de estúdio. O disco sai pela Domino Records em Setembro e promete ser um arraso libertador a valer, certamente, uma longa espera de seis anos de fazer crescer o cabelo....
A décima quarta edição do já clássico Festival Manta do Centro Cultural Vila Flor de Guimarães têm já datas e artistas definidos.
A 10 de Setembro, sexta-feira, caberá à espanhola Sílvia Pérez Cruz dar literalmente a descobrir em formato trio o seu mais recente trabalho "Farsa (género imposible)".
A 11 de Setembro, sábado à tarde, sobe ao palco o colectivo nacional constituído pelos músicos Afonso Cabral, Francisca Cortesão, Inês Sousa e Sérgio Nascimento para apresentarem aos mais novos uma viagem especial pelo tempo e espaço em canções que só ficam bem cantadas em coro.
À noite é a vez de Mallu Magalhães estrear o disco "Esperança", um trabalho registado antes da chegada da pandemia produzido por Mário Caldato Jr. e que é cantado em português, inglês e até espanhol. Vale(u)!
Havia no par de discos que os The Pains Of Being Pure at Heart editaram no início da última década uma boa dose indie pop a que a crítica chamou um figo. Sem exuberâncias, as canções exalavam um apurado travo de composição resultante do talento do líder Kip Berman que assumia todas as frentes do projecto e que sobrava para um comando em cima do palco pleno de atitude e garra. Um encontro imediato pela Casa da Música, nessa altura, provou-o sem dificuldades.
Mas a pureza foi-se diluindo com o tempo - a banda extinguiu-se em 2019 - levando Berman a assumir uma carreira a solo sob o epíteto de The Natvural já com um EP editado em 2018 e um álbum de originais saído em Abril último onde participam alguns dos companheiros dos TPOBPAH. É esse "Tethers" que servirá para a digressão ibérica a solo agendada para Maio do próximo ano com passagem assegurada por Vigo e uma qualquer sala portuguesa (dia 7) ainda por confirmar. Natvralmente...
Já lá vai mais de uma década desde a primeira (única) vez que aqui falamos de Terry de Castro aludindo, vagamente, à sua genealogia lusitana e ao facto de ser a baixista que os The Wedding Present contrataram para as digressões americanas. Surge agora um single de vinil em seu nome saído no Record Store Day passado e que vamos vasculhar até o juntar à colecção - trata-se do registo de uma versão do tema "Spangle" que David Gedge compôs em 1994 para o álbum "Watusi" a que se junta a cover de "A View To a Kill" dos Duran Duran, um Bond theme para o filme com o mesmo nome de 1985.
A inédita rendição faz parte da colectânea solidária "Not From I'm Standing" dos The Wedding Present & Friends que reúne vinte canções de filmes de James Bond tocadas por membros antigos e actuais da banda de Leeds e que teve publicação em vinil no início do ano. Os proveitos da venda do disco serão totalmente entregues à "Campaign Against Living Miserably" (CALM) que previne e luta contra a crescente tendência de suicídio no Reino Unido. Bondoso!
O título de uma nova e inesperada canção dos canadianos Tops é "Party Time" e serve de espanta-espíritos a uma pandemia irritada e infindável mas talvez seja o sinal de que falta pouco para a libertação.
Gravada, como muitas outras, em Montreal no verão passado em regime apertado de controlo depois de cancelados os concertos e digressões, o tema alude à alguém que nos faz falta e com quem queremos muito estar perto para festejar olhos nos olhos. A la Beastie Boys... (You Gotta) Fight For Your Right (To Party). Chiça!
Em dia de 48º aniversário, Rufus Wainwright anuncia e confirma três novas "prendas".
Primeira, o álbum "The Paramour Session" registado um dia antes do confinamento e já emitido em video pelo canal ARTE/ZDF e onde tocou temas do excelente disco do ano passado "Unfollow the Rules". Em modo "robe caseiro mascarado", isto é apalaçado, já que o momento decorreu na Paramour Mansion de Los Angeles, incluídas estão duas novas canções - "Treat A Lady" e "Happy Easter" - a que se acrescentaram alguns clássicos do seu reportório adornados por um quarteto de cordas, um guitarrista e um pianista. Aceitam-se encomendas.
Segunda, um par de temas dançáveis a que dá voz como resultado da parceria com os amigos Zen Freeman e Fred Falke aka Ampersounds e que estão disponíveis no novo EP "Technopera / Do It To the Music / Solitude Of Heart" com selo da West End Records de Nova Iorque. Como deve ser, há 12" de vinil para aficionados.
Terceira, com a ajuda do produtor Marius de Vries, habitual colaborador nos seus discos, uma outra surpresa chamada "You Came To Me" ao lado de Kodo, colectivo japonês que se dedica à percussão e perfomance e que têm um novo álbum de inspiração olímpica. Para descobrir.
O dia festivo será comemorado com mais uma "The Best of A Rufus Retro Wainwright Spective", sessão exclusivamente online que o artista têm vindo a apresentar desde Outubro de 2020 em jeito de tournée virtual, um concerto de mais de duas horas carregado de memórias, confissões e canções favoritas. Entradas à distância aqui. Parabéns, pá!
O regresso dos Fryars do inglês Ben Garret talvez passe despercebido a uma maioria distraída. Aqui na casa, pelo contrário, o momento é de saudação ou não fossem as suas canções um jogo brincalhão que nos atira, desiludidos, ao chão para logo nos levantarmos em êxtase. A coisa funciona em altos e baixos que aprendemos a gerir ou não fossem também os hiatos entre discos uma não questão mas à qual que se quer dar resposta efectiva. Percebido?
Talvez nim, basta ver e ouvir a entrevista cantada do próprio sobre "God Melodies", o álbum pós-confinamento saído há dias em edições robustas e generosas, para se (des)entender o propósito do conceito questionável de fazer alguma coisa a partir de uma insignificância. A ajudar está a companheira Rae Morris, cúmplice na curadoria diária de eternizar pequenos nadas idiotas em forma de canção. Já não é pouco... nem muito!
A recomendação que aqui trazemos só peca por tardia atendendo a que, desde Março, o regresso do lisboeta Bruno Pernadas aos discos de originais se adivinhava fantástico.
Em "Private Reasons" que andamos incessantemente a desfrutar, torna-se difícil e desnecessário classificar a imensidão de recursos e sonoridades que brotam da composição diversa e ambiciosa que Pernadas comanda mas que nos sugere sempre um exotismo soprado na medida certa. Não admira que, do Japão aos Estados Unidos, o elogio seja unânime e merecido. Aqui ficam duas lufadinhas para desconfinar... sem máscara!
No mundo de Karen Peris e, já agora, dos The Innocence Mission, o amor pelas coisas simples conta muito. Ainda no final da semana passada dávamos por aqui sinal de uma canção sua destinada a ajudar crianças desamparadas e agora surge um álbum inteiro a solo pleno desse fascínio pela entreajuda, amizade e companheirismo que os sentimentos espalham de forma natural - chama-se "A Song Is Way Above the Lawn" e foi registado, como sempre, em Lancastre na Pensilvânia com a ajuda da família de sangue, isto é, o marido Den Peris e os filhos Drew e Anna nas cordas de um violino e uma viola.
Trata-se de um segundo andamento em nome próprio que funciona como continuação do disco "Violet" editado há oito anos e onde se cantam, em dez temas, pequenos prazeres diários como ler livros numa sala de uma biblioteca pública, fazer caminhadas entre árvores ou ouvir os primeiros barulhos que sinalizam o começo de um qualquer novo dia. Outras confissões podem ser gostosamente confirmados no site da Bella Union, editora que publica o disco em Outubro próximo. As lindíssimas ilustrações que o envolvem e as que animam o video de "i would sing along", o primeiro avanço, são também da sua autoria e referem-se, neste caso, a canções misteriosamente cantadas por elefantes... Maravilha!
Quando Nandi Rose akaHalf Waif iniciou o processo de composição dos temas para o seu quinto álbum, a intenção passava por um regresso às origens, isto é, a uma simplicidade que um piano e uma voz, aparentemente, permitem. De conceptualismo reduzido, a entrada em residência artística no Pulp Arts Studio de Gainesville na Florida ao lado de Zubin Hensler, produtor e colaborador de sempre, conduziu-a, no entanto, a uma sofisticação do habitual synth-pop com que tem brilhado nos últimos anos e com o qual se apresentou ao vivo por perto.
As novas canções, que desde o início do ano têm vindo pausadamente a submergir, reúnem-se agora no disco "Mythopoetics" com selo da Anti-Records, confirmando uma apurada veia electrónica de grande orquestração ao longo de um pouco mais de trinta minutos que funcionam como um manifesto contido e poético sobre a solidão, o isolamento ou a sobrevivência. Um trabalho intenso, eloquente até e uma excelente surpresa!
A CACUCA - Casa de la Cultura de la Calle com sede em Buenos Aires, Argentina, é uma organização governamental que promove a educação de crianças vulneráveis, muitas delas a viver nas ruas da cidade, recolhendo-as num espaço próprio para participarem em actividades lúdico-pedagógicas motivadoras das suas expressões, sentimentos e aspirações. Para colmatar as dificuldades logísticas e financeiras, foi lançada em 2011 uma iniciativa solidária denominada "Canciones de Cuna", rapidamente declarada de "Interés Cultural por la Legislatura de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires", onde músicos convidados oferecem canções para letras escritas ou relatadas pelos miúdos que passaram e passam pelas referidas oficinas e que aludem, invariavelmente, a sonhos que gostavam de ver concretizados.
A colectânea que recolhe essas colaborações chega agora a um terceiro volume e por ela já passou um enorme colectivo de artistas argentinos, brasileiros (Moreno Veloso) e anglo-saxónicos (Wayne Hussey, Damien Rice ou Mark Kozelek). Nesta nova insistência surgem "borboletas"
de embalo a cargo de outros catorze autores e onde reconhecemos Mick Harvey, Jonathan Richman, Bill Fay ("May You Dream"), Karen Peris dos The Innocence Mission ou o nosso Salvador Sobral ("A Dormir"). O tema "A Beautiful Dream", que Peris canta maravilhosamente, como sempre, dá musica a um poema/sonho de uma criança de cinco anos sobre os pais e uma enorme nuvem... Toca a ajudar/sonhar!
A capacidade, isto é, o talento com que Thomas Feiner constrói as suas canções há muito que nos deixa de rastos. Na aparente simplicidade das melodias cabem sempre uns retoques e pormenores de composição magistrais que, mesmo assim, nunca o satisfazem e o levam a questionar opções, instrumentos ou acertos. Para quê, então, mexer no que já estava perfeito?
No seu perfecionismo inato, Feiner regravou agora o tema "Troth (The Dreamers)" originalmente publicado em 2014, eliminando partes de piano de que não gostava, acrescentando novas componentes e misturas a um processo que se aproxima um pouco mais do seu conforto inicial. O resultado final de difícil comparação só aumenta o fascínio e a liberdade impagável de nos fazer sonhar ...
A menina Joan Wasser conhecida por Joan As A Police Woman prepara-se para um regresso inusitado, isto é, um novo álbum com colaboração do famoso baterista e produtor nigeriano Tony Allen falecido em Abril do ano passado. Os dois travaram conhecimento através de Damon Albarn no evento "The Circus d'Africa/Africa Express", que se realizou em Londres em Março de 2019, onde tocaram juntos uma versão de "I Wish I Knew How It Would Feel To Be Free" de Nina Simone, tendo decidido estender a parceria a um estúdio profissional londrino para o qual foi também convocado o multi-instrumentista Dave Okumu.
Em sessões posteriores parisienses do final do ano passado e entre muitas improvisações noite dentro, nasceu "The Solution Is Restless" a sair em Novembro próximo pela Pias Recordings e cujo primeiro avanço "Take Me To Your Leader" confirma um balanço de irresistível groove...
Em 1999 os The Flaming Lips lançaram um álbum mítico da história da música popular - "The Soft Bulletin" era (é) uma sofisticada fusão de rock e experimentalismo de acentuado travo melódico que o produtor David Fridmann engrandeceu eternamente com um sinfonismo irrepreensível. Canções como "Watin' for Superman" ou "Race for the Prize" são, ainda hoje, de uma saborosa nervura fresca e serviram para que o disco fosse o mais vendido da história já longa da banda de Oklahoma.
Na altura, a promoção da editora Warner Brothers reuniu uma série de canções, demos, versões alternativas ou lados B resultantes das sessões de gravação para um disco exclusivo a que chamou "The Soft Bulletin Companion" ao qual acrescentou versões estéreo de temas do álbum anterior "Zaireeka". Somente nas mãos de radialistas, amigos, familiares ou jornalistas, a colectânea passou a ser um Holy Grail inatingível para os imensos fãs devotos, transformando-o rapidamente num dos discos mais pirateados de sempre.
Para acabar de vez com a anarquia, a primeira data (12 de Junho) do Record Store Day do corrente ano assistiu ao lançamento oficial em vinil do tão procurado tesouro e que nas suas 16,000 cópias deve chegar (às tantas não) para a procura, embora a tiragem inicial de cor cinzenta esteja já praticamente extinta. Anuncia-se agora a edição em Cd para o início de Agosto e a disponibilização pausada dos temas nos mais variados suportes digitais.
O magnífico e enigmático colectivo inglês Sault que se dedica à reinvenção da soul, do disco e da house e que lançou, de rajada, dois álbuns em 2020, regressa com mais uma maravilha. Chama-se "Nine", terá edição em vinil em Outubro mas antes e até lá, têm ainda 84 dias para a descarregar sem pressas e de forma gratuita. Cool!
Billy Idol? OMD? Laura Branigan? Porque não? Angel Olsen em pleno verão de 2020 precisava, como muitos de nós, de se divertir e relaxar e nada como entrar anos 80 dentro sem rodeios. Com a ajuda do amigo produtor Adam McDaniel em Ashville (Carolina do Norte) registou um EP de cinco covers a que chamou "Aisles" aprimoradas à sua maneira no Inverno seguinte entre recordações de infância e muitas gargalhadas. Juntem-lhe ainda Alphaville e Man Without Hats, um vinil azul e uma capa retro, a de cima.
Olsen continua, assim, hiperactiva e inquieta - esta surpresa segue-se ao álbum compilação "Song of the Lark and Other Far Memories" editado em Maio que agrega os dois últimos discos bem como uma série de outakes e versões alternativas e do marcante dueto com Sharon Van Etten. Always on the run...
A cumplicidade artística entre Sufjan Stevens e Angelo de Augustine, mesmo que descontraída ou disfarçada, há muito que prometia uma insistência formal. Em Setembro, então, será editado "A Beginner's Mind", um álbum de catorze canções inspiradas por filmes ditos populares como "Silence of the Lambs/O Silêncio dos Inocentes", "Night of Living Dead/A Noite dos Mortos Vivos", "Point Break/Ruptura Explosiva", "Wings of Desire/As Asas do Desejo" ou "All About Eve/Eva" revistos por ambos no sossego de um retiro em pleno interior do estado de Nova Iorque e depois produzidos, arranjados e gravados pela dupla.
O resultado da experiência de cantar a partir de cinema não se assume como literal ou aprisionado pelas imagens mas sim como uma libertação catalisadora de receita açucarada por uma folk harmoniosa e fresca tal como se pode comprovar pelos dois temas já divulgados.
A imagem/retrato da dupla (acima) e o desenho da capa são da responsabilidade do ganês Daniel Anum Jasper, artista de rua reconhecido pelos cartazes de filmes pintados à mão. Do disco estarão disponíveis edições especiais com direito a três 7" de vinil e outros goodies.
Prometia ser um dos melhores concertos do ano e, possivelmente, um regresso às salas em grande mas a passagem pelo Porto dos Exit North de Thomas Feiner e Steve Jansen foi cancelada!
Remarcado, desde o ano passado, para o dia 26 de Setembro próximo, o evento já não faz parte da agenda da Casa da Música e da produtora Os Suspeitos não há qualquer explicação ou motivo apresentado para o sucedido a que se junta um silêncio absoluto da banda. Estranho e uma pena! Há que esperar outra oportunidade...
Ver o nigeriano Keziah Jones em concerto é uma das nossas mais antigas aspirações até agora não concretizada. Perdemos a rara passagem por Porto Covo no âmbito do FMMundo de 2019, sempre à espera que o seu "Blufunk" aparecesse milagrosamente no alinhamento de um festival ou um outro qualquer evento nortenho...
A partir de hoje e muitas vezes durante o corrente mês, o injustamente desprezado canal Mezzo faz o favor de retransmitir um espectáculo de Jones no Jazz à Vienne de Julho de 2017 que serve, para além do consolo, de confirmação de um talento em bruto e de um guitarrista de eleição. A não perder!
Em 1976, para comemorar os dez anos de carreira a solo, os baianos Maria Bethânia, Gilberto Gil, Gal Costa e Caetano Veloso formaram uma banda para se apresentar nas principais cidades brasileiras a que chamaram Os Doces Bárbaros. Um desses concertos no Estádio Anhembi de São Paulo permitiu o registo de um álbum duplo com parte do reportório inédito apresentado, principalmente, por Gil e Caetano, uma soma de mais de vinte temas ao vivo que já conhecíamos ao de leve. Mas a reunião de tanto talento teve também um propósito fílmico dirigido por Jom Tob Azulay que pretendia mostrar o processo criativo, os ensaios e os camarins da façanha que se estendeu de São Paulo a Campinas, passando por Curitiba e Florianópolis, a capital do estado de Santa Catarina a sul. É aqui, então, que um incidente com a polícia muda o azimute do guião, um curioso episódio sócio-político que nunca tivemos oportunidade de ver.
Nessa última cidade, Gilberto Gil e o baterista Chiquinho Azevedo são presos por posse de maconha encontrada numa rusga ao apartamento/quarto efectuada por uma brigada de "tóxicos". Começa aí uma novela jurídica árdua na tentativa de os libertar para que a digressão continuasse. A reportagem/filmagem da sessão no tribunal é, ainda hoje, de pasmo risível - recinto a rebentar de jornalistas, câmaras de filmar e fotografar em modo "tudo ao monte", argumentos e justificações a favor e contra de teor exagerados e um juiz a ditar a sentença para o escriturário em voz alta, sem esquecer de indicar vírgulas, abrir aspas ou pontos parágrafos a ser batidos nas teclas da máquina de escrever perante o sorriso de um atónito Gilberto Gil. Resultado: internamento e acompanhamento médico para a "cura", a desintoxicação, ser possível, penalização que só uns meses depois e a muito custo foi revertida com a autorização para regressar ao trabalho, isto é, aos palcos, mas com a condição de se apresentar depois e obrigatoriamente na clínica...
O reinício dos espectáculos aconteceu no Rio de Janeiro, onde durante dois meses o quarteto esgotou o mítico Canecão, aproveitando o realizador para acrescentar um conjunto de outras imagens também elas surpreendentes e de patina saborosa. Destaca-se uma entrevista a uma irritada Maria Betânia no camarim realizada por um incauto jornalista no limite da ignorância sobre a sua carreira artística ter sido lançada pelo irmão Caetano, o que efectivamente aconteceu mas ao contrário. Tempos estranhos e, esperamos, irrepetíveis que não beliscam a mestria e qualidades de quatro indomáveis artistas já em pleno esterelato e na idade perfeita para estas barbaridades.
O evento acabou por ser marcante na biografia da chamada Música Popular Brasileira, apesar do desprezo e alguma ligeireza com que foi encarado na altura pela imprensa e... outros artistas. O quarteto maravilha haveria de se reunir em 2002 para comemorar os vinte cinco anos, momento que teve também registo em imagens no filme "Outros (doces) Bárbaros" e que continua disponível no canal da Biscoito Fino, a produtora oficial. Um complemento natural e obrigatório da película original. O maior barato!