sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

(RE)LIDO #125





















GRANT & I 
Inside and Outside The Go-Betweens 
de Robert Forster. Londres; Omnibus Press, 2017 
Os Go-Betweens foram a melhor banda dos anos oitenta e foram, por sinal, a mais desprezada. Quando em 1989 Robert Forster e Grant McLennan decidiram acabar com o projecto ao fim de seis álbuns de originais, restava entre os dois uma amizade inabalável que não impediu caminhos a solo. A separação implicou dores, desconfianças e receios, mas nunca rancores definitivos, não se estranhando que os dois tenham decidido reatar a banda em 2000, gravando mais um excelente par de discos. A morte inesperada de McLennan em 2006 haveria, em definitivo, por fechar o pano dos Go-Betweens não sem que uma promessa fosse assumida pro Forster - contar tudo do princípio ao fim, homenageando o amigo perdido e assumindo uma faceta de narrador de histórias ou crítico de música que a paixão superior pela música pop/rock sempre coartou. 

O resultado, datado de 2017, mas de validade eterna, é este livro de reluzente narrativa e frenética cadência, funcionando como uma memória do rock de inquestionável perspicácia e talento que, desde o início, parece destinado a selar e cristalizar uma amizade, como muitas, de profundidade crescente. Foram três décadas de irmandade cúmplice, ainda que a aproximação entre ambos se tenha afigurado difícil - a relutância de McLennan em assumir um instrumento para tocar seria superada por uma estratégia, quiçá, literária de Forster ao fazer das líricas das primeiras canções um chamariz irresistível. Nick Cave haveria de topar essas letras, apelidando-o como o mais verdadeiro e estranho poeta da sua geração. 

A clareza, a piada com que Forster nos aproxima a esses momentos de partilha, denotando uma rara franqueza e até uma desarmante ousadia, funciona como uma sequência cinematográfica sem intervalo que nos põe a reconstituir os cenários, os ambientes ou as expressões de dois personagens tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais e de que, por si só, a estadia primeira em Londres, vindos da Austrália, resultaria em argumento fílmico de imediata eficácia. A inconstância dos contratos com as editoras, a relutância em fazer alguns concertos e tournées, as parcerias e ajudas inesperadas, são assumidas como vitórias saborosas e não como pecadilhos profissionais de arrependimento, sinceridade que se espelha numa prosa de celebração contínua em que as canções são, e serão, o mais importante. 

A digressão com Lloyd Cole, de que fomos testemunhas, aporta a única referência a Portugal, concretamente a um campo de golfe lisboeta para uma disputa com o próprio Cole apostada num backstage. Pena que uma anterior e atribulada estadia que trouxe os Go-Betweens a Lisboa e ao Porto em 1989, quando do quarteto faziam parte duas raparigas, uma delas, Amanda Brown, aceleradora de corações a que McLennan não resistiu na paixão, não mereça maior destaque. Quando no Passos Manuel em 2019 lhe fizemos a desafio, entre conversas de pós-concerto, para recordar esses tempos, Forster remeteu-nos para o livro que ainda não lhe tínhamos pedido para assinar. Quando o fizemos, logo percebeu que, ou a leitura foi mal feita ou ainda não tinha ocorrido, pois a resposta foi um simples "You'll get it!". Percebido, amigo!

Sempre que pretenderem fazer de um funeral uma impossível boa memória, o concelho é para que marquem e o aprendam nas últimas páginas deste magnífico livro, uma especial e sentida sequência festiva de homenagem a um amigo que foi, por dentro e por fora, como um verdadeiro irmão. Acreditem, o "I am a Believer" que o Neil Diamond escreveu para os The Monkees em 1966 nunca deverá ter soado tão perfeito...  


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