sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

(RE)LIDO #81





















BORN TO RUN - Autobiografia
de Bruce Springsteen. Amadora; Elsinore, 2016
"Escrever sobre nós próprios é complicado... Mas, num projeto como este, o escritor fez uma promessa: revelar a sua mente a quem o lê. Nestas páginas, foi o que tentei fazer." 

Para quem como Bruce Springsteen tem uma vida artística já longa e intensa, a promessa com que nos brinda logo a abrir a sua história parece simplesmente um cliché literário. Mas se atendermos a que tal projecto foi meticulosamente documentado durante sete anos entre concertos e digressões, retiros e introspecções, percebemos que na enorme cruzada de altos e baixos o artista escolheu revelar o que quis, melhor, o que o protege e fortalece. Ficaram na penumbra, certamente, um conjunto ilimitado de factos sem que se possa, contudo, apontar falta de coragem ao The Boss, o patrão que tudo controla mas que tudo merece atendendo à dedicação e perseverança. 

O esforço é particularmente saboroso e notório na recordação de uma infância agitada em New Jersey, na relação conturbada com o pai e no advento da música pela rádio, na pulsação da primeira guitarra ou a canção inicial, uma versão de "Twist & Shout" ainda hoje obrigatória no alinhamento final de qualquer concerto para irritação dos mais puristas. 

Sem destapar desenfreadamente todas as suas paixões ou receios, a morte, por exemplo, o medo dela, é particularmente tocante nos casos do pai e do brother Clarence Clemmons, ligações demasiado próximas de amizade e amor que o levam a disfarçar o indisfarçável perante tamanhas perdas - o facto de não ter hipótese de controlar e parar o inevitável, o destino. 

Aliás, o seu famoso temperamento egocêntrico tem em toda a narrativa um visível e entroncado esquema quanto à entrada ou saída de músicos para a E-Street Band ou para o registo dos discos, um controlo natural e que, incondicionalmente, traduz muito do que Springsteen sempre tentou alcançar - um difícil equilíbrio artístico e pessoal, tentando resistir a impulsos para não ferir paixões e amizades essenciais.

Em todos os momentos da leitura percebe-se a força de uma natureza sempre irrequieta que tem na música, na guitarra e no palco as doses obrigatórias de adrenalina para continuar a viagem e de que são exemplo as centenas de actuações a solo durante o último ano pela Broadway nova-iorquina, mais uma aventura assinalável e teimosa de quem acredita no que faz.

As seiscentas páginas do volume podem, assim, assustar os mais receosos mas depois de iniciada a “contenda” é com pena que vemos o livro chegar ao fim, uma corajosa edição simultânea de uma editora portuguesa do original inglês que vai já em segunda edição, o que nos leva a supor que, mesmo de mercado reduzido, há pelo nosso cantinho um enorme respeito e afeição a um dos maiores nomes da história da música popular nascido simplesmente para vencer.   

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