segunda-feira, 23 de dezembro de 2019
(RE)VISTO #75
ENGLAND IS MINE
de Mark Gill. Reino Unido; Umbrella Entertainment, DVD, 2017
A ideia de realizar um filme biográfico sobre o jovem Steven Patrick Morrissey antes da fama que os The Smiths acarretariam é, no mínimo, um acto de coragem. A façanha a cargo do inglês Mark Gill estreou em 2017 sob fortes holofotes da imprensa internacional ou não fosse o assunto um explosivo cocktail de polémicas: proibição de uso das canções da banda, autorização e consentimento recusados (ignorados?) do próprio retratado e um argumento passível de ser credível baseado na própria autobiografia editada uns anos antes. Pondo para o lado tamanha receita de implicações prévias, diremos que, mesmo assim, o ponto de partida seria sempre intermitente e receoso.
Nos anos setenta do século passado a cidade de Manchester não era certamente o centro vibrante do planeta para um jovem emulsionado numa luta desigual entre o (seu) mundo da escrita, dos concertos e da sua reportagem e a pressão familiar para o raio do emprego e o salário. Como nervo central deste panorama de curta anatomia de personagens está o actor Jack Lowden num papel difícil mas vibrante que por si só vale o esforço do jovem realizador em concentrar nele todo o zelo e minúcia do enredo mas onde também merece menção honrosa a actriz Jessica Findley, a confidente e amiga artista Linder Sterling, uma airosa e cativante presença que ajuda e muito a incandescer o ambiente carregado.
O retrato supostamente credível vertido em livro pelo próprio Morrissey confirma-se na emersão de uma inaptidão nos relacionamentos em que uma timidez doentia dispara o travão a uma almejada afirmação artística - ser cantor numa banda e autor das letras das suas canções de forte inspiração literária. O filme joga, e bem, nessa tensão entre o sonho e a realidade, entre os impulsos ténues para pegar no microfone e o dia-a-dia dos empregos tremidos e desprezíveis como arquivista ou auxiliar num hospital até que o primeiro parceiro, o guitarrista Billy Duffy dos futuros The Cult e forte influência de um tal Johnny Marr, rompe uma prometedora experiência para gravar e tocar ao vivo em Londres.
Dilacerado pela traição, Steven submerge na tristeza, acelera na medicação e no refúgio caseiro, uma perigosa trilogia clássica de depressão que levou à perda de Ian Curtis ou Nick Drake (ainda não há filme!) mas que no caso de Morrissey se supera pela forte influência amiga de uma mãe que acredita nas virtudes e capacidades do filho. Depois, há uma campainha de casa que toca e, abrindo a porta, ali surge um motivado Johnny Marr a propor uma parceria e a oportunidade de experimentar, momento aproveitado para que a película se aproxime do fim quando a situação se inverte e é Marr a abrir a porta... O resto da história, para quem viveu os anos oitenta, é sabida de cor e soletrada em muitas canções dessa dupla maravilha que o tempo haveria, contudo, de separar até aos dias de hoje. Mesmo com imperfeições ou reparos, restou este filme honesto que lhe faz justiça e, mesmo sem querer, uma homenagem merecida.
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