THE BEATLES
EIGHT DAYS A WEEK - THE TOURING YEARS
de Ron Howard. UK/E.U.A., Apple Corps/Imagine Entertainment, 2016
TVCine Edition, Portugal, 25 de Dezembro de 2020
São talvez incontáveis os documentários realizados sobre os The Beatles quer de forma oficial quer jogando num risco desalinhado. Essa imensidão traduz um interesse eterno por um fenómeno que ultrapassa a música e se estende a abordagens complementares focadas na sociologia e história e que se abre muitas vezes a exageros, banalidades e até inutilidades. Não é o caso deste filme que, embora controlado na sua essência por McCartney, Ringo e as viúvas Ono e Harrison, acrescenta à enciclopédia dos de Liverpool algumas anotações e recensões curiosas e particularmente interessantes para o entendimento daquilo a que se convencionou chamar a Beatlemania. Sobre esse auge de popularidade obtido entre 1962 e 1966 em duzentos e cinquenta concertos nos cinco continentes, os próprios trataram na altura (1964) de começar a documentar através de "A Hard Day's Night", um guião fílmico de corrosiva troça ao próprio exagero traduzido no acompanhamento simulado mas verosímil do grupo por um enxame contínuo de aficionado(a)s ao longo das trinta e seis horas que antecipavam a participação numa suposta emissão televisiva. O resultado de êxito comercial assinalável, acaba em jeito de comédia por prestar homenagem involuntária ao evidente - o grito feminino... A pergunta de um jornalista "Porque gritam?" continua, até hoje, sem resposta ou explicação plausível embora seja esse agudo brado que, de princípio ao fim, percorre esta compilação de imagens dos Fab Four em cima de um estrado de estúdio de TV, um qualquer palco de um teatro ou, pela primeira vez, na cabeceira imensa de um estádio!
Das primeiras aparições no The Cavern de Liverpool ao último concerto em St. Louis, o ritmo da narrativa cronológica imposta pelo realizador acentua uma certeza - a de que a amizade e a união artística dos quatro músicos foram as argamassas insolúveis para aguentar tamanha pressão mediática e, simultaneamente, compor e registar canções para singles e álbuns meticulosamente preparados pela estratégia comercial de um Brian Epstein visionário e um George Martin protector. Não se fala em números, em valores de contratos ou sequer em como se gastou o dinheiro, mas quando a droga e os seus múltiplos efeitos brotaram sem culpados assumidos pelas praias das Bahamas ou nas montanhas da Áustria aquando da rodagem de "Help", o filme seguinte, a corda salvadora começou a desenrolar-se lentamente para dentro de um poço sufocante imposto pela avidez dos agentes ou a sofreguidão do restante negócio e que Lennon sem disfarces acabaria por confessar na canção com o mesmo título - "Help me if you can, i'm feeling down".
Os The Beatles mudavam, ganhavam medo e esmoreciam no gosto de tocar, e mal, ao vivo sem se ouvirem uns aos outros à custa da gritaria e da parca amplificação mas que uma digressão japonesa, mais silenciosa, acabaria por pôr a nu no seu vazio. Adiar o inadiável tornou-se então impossível. Abandonar os palcos e apostar nos estúdio como motivação única para se manterem unidos na tarefa imbatível de fazer canções, traduzida em seis obras primas em quatro anos, mostrou-se uma estratégia sábia e ganhadora de um período invejável de talento e arrojo que a história da música popular, qualquer uma delas, terá sempre de consagrar como dourada. Talvez por isso, sempre preferimos esta mania do Beatles em fazer obras primas à Beatlemania do "toca e foge" que este documento coloca definitivamente na prateleira. Quanto à primeira, aproxima-se mais uma boa dose de prazer curiosamente culminada em concerto... no telhado de um estúdio. Get Back!
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