segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

(RE)VISTO #83






















JANIS: LITTLE GIRL BLUE 
de Amy Berg. E.U.A., Jigsaw Productions/Disarming Films, 2015 
TvCine Edition, Portugal, 7 de Dezembro de 2020 
A importância de Janis Joplin na história da música popular é de reconhecimento generalizado quer na abertura de horizontes criativos de fusão entre, por exemplo, o rock e os blues quer na afirmação da mulher como protagonista irreverente e decisiva às mudanças que os anos 60 aportaram. Bem sabemos que, depois, a história se encarregaria de a endeusar como um cliché do fenómeno "hippie" que faleceu de overdose por culpa do eterno "sexo, drogas e rock & roll" sem muitas vezes se preocupar em revelar e contextualizar devidamente a sua ascensão e, já agora, a queda. Ora bem, este documento tem, pelo menos, a virtude de nos abrir os olhos e o espírito a uma luta solitária de uma mulher que sabia bem o queria - ser uma estrela - num mundo armadilhado e para o qual nunca se preparou ou, melhor, não quis preparar-se. 

O filme, que estreou em sala em Portugal em 2016 com algum êxito, tem nos parentes da artista (dois irmãos) o testemunho credível para alicerçar uma tese consensual - Janis foi sempre uma inadaptada quer a puxar os limites de uma família tradicional quer a enfrentar uma espécie de bullyng liceal que a descoberta da droga haveria, ainda mais, de alargar nas feridas duradouras. Mas Janis tinha uma voz que ela própria desconhecia e que a, custo, haveria de lhe dar bom uso numa banda de blues depois da rejeição auto-imposta ao folk tão em voga na altura. Essa verdadeira força da natureza que se estranha e depois se entranha ainda hoje de forma nada fácil, teve em Monterey durante um festival famoso (1967, como vocalista da Big Brother and the Holding Company) o momento em cima do palco que haveria de a catapultar vertiginosamente para as franjas de uma fama que, para o bem e para o mal, não mais abrandou de crescer, apesar de uma vida sentimental e amorosa assente num fio muito fino de confiança e certeza e um apoio familiar sofrível mas sempre a merecer justificações e desculpas.

É, aliás, a correspondência trocada ao longo dos anos com os pais, confissões inéditas de um arquivo pela primeira vez revelado e que são narradas pela voz de Chan Marshall aka Cat Power, que serve, neste contexto, como fio condutor dos altos baixos de uma luta inocente com si mesmo entre o mundo do espectáculo e da tão sedutora fama e o encontro do amor verdadeiro, da paz ou da seriedade da amizade. Nesta incongruência e incompatibilidade, Janis poucas ou nenhumas vezes se mostrou confiante e convicta - o sair ou não da banda e assumir uma carreira a solo, por exemplo - mantendo-se até ao fim da vida num limbo complexo que o álcool e a droga foram disfarçando perigosamente mas sem nunca esconder, contudo, que o rock & roll era no feminino um fenómeno imparável e, no seu caso, genuíno. Um excelente documento que, sem ser exuberante, não se acanha na sinceridade e sensatez na abordagem difícil a um dos chamados ícones trágicos do rock e que prova que é possível fazer-lhe uma homenagem leal sem se ouvir uma única vez o "Mercedes Benz" só usado, como isco, no trailer oficial...

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