segunda-feira, 13 de junho de 2022

MONTANHAS AZUIS+BEACH BUNNY+RINA SAWAYAMA+SHELLAC+KING KRULE+BECK+ROLLING BLACKOUTS COASTAL FEVER+ARNALDO ANTUNES+PAVEMENT, Primavera Sound Porto, 10 de Junho de 2022

















Comparando o desconforto inconcebível da véspera, o início do dia de sexta-feira assemelhava-se a um paraíso... tropical! Brisa fresca, acesso rápido a cerveja e derivados e o colectivo português Montanhas Azuis caído do céu para conceber o fundo sonoro de tão inesperado momento. Bruno Pernadas e Norberto Lobo, ao lado de mais três parceiros de experiência, fizeram ecoar um género de pastiche electrónico vintage - um sortido de ZX Spectrum avariado como notou um amigo destas andanças - que se embrenhou nos poucos que, ao sol, foram relaxando na relva ou se juntaram junto ao palco para saborear melhor tamanha aragem de amenidade. Flutuante!    


Apesar da repetição do palco, das condições climatéricas e do horário aproximado, a americana Lili Trifilio aka Beach Bunny não foi tão eficaz como Stellla Donnelly na véspera. Bem tentou, logo no início, um golpe de interactividade e descontracção aquando do arranque de "6 Weeks", tema que lhe granjeou alguma fama inocente e ignição artística para maiores voos, mas o concerto planou num simples bocejar entretido. O baixista cromo a la Dee Dee Ramone também não ajudou em nada.  


And now para algo completamente... A curiosidade matou o gato e, cumprindo o ditado, estacamos quase na frente do palco para uma tal de Rina Sawayama a motivar gritaria mesmo antes da entrada. Quando, dengosa, se arrastou para o palco já depois de um guitarrista e um baterista terem ocupado o lugar, começou uma contenda de trejeitos empinados, respostas em coro, coreografias provocadoras de bailarinas atléticas e demasiada adulação LGBT. As canções, essas, vamos ter que as ouvir muitas vezes para conseguir sequer as reconhecermos, o que talvez se afigure mais fácil seguindo o rasto de qualidade dos riffs e solos da guitarrista de serviço (a sério). Estamos velhos e acabados!        


Haverá sempre uma janela, uma porta ou uma fresta de oportunidade para uma dezena de minutos com os Shellac. Tradição antiga e dever cumprido, confirmou-se a boa forma do trio de Chicago ao fim de trinta anos de actividade milagrosa de manter, como convêm, o rock infinito e barulhento. 


Talvez um dos recintos arborizados fosse o local preferido para receber condignamente King Krule e o resto da rapaziada mas atendendo ao magote de pessoas que ocupavam a totalidade das cadeiras (sim, há lugares sentados) e do piso cimentado, a opção mostrou-se certeira. Contudo, não foi um Archy Marchall entusiasmado o que compareceu perante a multidão expectante apesar de várias estreias de canções inéditas e da bondade dos aficionados. Faltou parte daquela guelra provocadora oxigenada de raiva que lhe granjeou fama (ao que parece, Archy deu um pequeno ar da sua graça no Ferro Bar da Invicta na madrugada anterior) mas o concerto acabou por se traduzir num desempenho competente e até com direito a encore inesperado. Viva o Rei Krule!


O que Beck queria adivinhava-se de imediato - festa! Da nossa parte, o arrebatamento esvaziou-se num ápice perante o rolo compressor de temas engatados num género de cassete de versões electrónicas de Beck a cargo de... Beck. Uns acharam, certamente, divertido e porreiro, pá. Nós desistimos ao fim de dez canções em vinte minutos. O livro do Guiness deveria ter, por isso, uma nova anotação.  


Animação bem diferente, mas genuína, serviram os Rolling Blackouts Coastal Fever na escuridão do melhor palco do recinto. O colectivo australiano de guitarras ao alto não se fez rogado e, sem pedir licença, rodou uma dezena de canções de prego a fundo de forma irrepreensível, jogando com o pouco tempo disponível para nos convencer - e não foram poucos - que uma audível e brincalhona guitarra acústica continua a dar-se bem no meio das irmãs eléctricas. É preciso é saber fazê-lo, tradição que o rock parece ter perdido mas que os RBCF insistem em manter e preservar. Uma raridade, melhor, uma preciosidade!    


A presença de Arnaldo Antunes no alinhamento híbrido do festival sugeria, confessamos, alguma estranheza. Nome incontornável da música pop brasileira que os Tribalistas fizeram universal, a diversidade de abordagens ao legado da MPB ou do samba traduziu-se, ao vivo, numa variedade de estilos e épocas cunhadas de forma própria com doses de lirismo e balanço estimulantes. Não admira que o recinto, mesmo que pululado de estrangeiros animados, se tenha transformado em bailarico ao ar livre, !


O que dizer dos Pavement? Que o legado imenso dos seus discos estava perdido? Que Malkmus é um génio injustiçado? Em presença da totalidade da banda mítica da Califórnia, as respostas são de óbvia anuência e que o seu regresso em boa hora aconteceu. Bastou reparar na proliferação de americanos que viajaram até ao Porto na expectativa de ali estarem a cantar a totalidade das canções sem falhas nas líricas, uma satisfação que se espa(e)lhava em quase todos os rostos dos que nos rodearam numa das laterais junto ao palco. De lá emitiram-se, sem mácula, vinte e dois temas de um songbook assinalável a que um carismático e bem disposto Malkmus juntou uma voz histórica. As palavras "Danger Plan" escritas num dos seus amplificadores é só mais uma peça de um gozo artístico com que todos fomos, em boa hora, abençoados.
            

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