O anfitrião foi João Barbosa aka Branko, dj e produtor habituado a horários mais nocturnos, mas já sabemos que durante quatro dias os ponteiros do relógio são para os residentes um detalhe desprezível. Bailes e balanços não têm horas marcadas, mesmo que a presença de um guitarrista e uma teclista em cima do palco se tenha afigurado de resultado imperceptível, e como a máquina estava ligada e a sincronização com os videos dos vocalistas activa e rigorosa, não foi preciso muito para o terreiro fronteiro se inverter num saboroso e eficaz sunset dançável ainda a cheirar a gel de banho...
Tem doze anos a passagem mítica de Willis Earl Beal por Coura e foi desse momento que nos lembramos quando Marcus Brown aka Nourished By Time, também sozinho, entrou no palco secundário. Envergando uma t-shirt dos The Stooges, à base pré-gravada das canções sobrepôs-se uma voz de feição soul, forte, de recriação nos sintetizadores anos oitenta e nalgum r&b que uma postura irrequieta estimulou ao movimento. Há por aqui muito nervo e coragem, uma modernidade e reinvenção de estilos que a música agradece mas nem sempre reconhece. No caso, sendo já grande na figura, não será difícil adivinhar que também o será como artista.
Os franceses Nouvelle Vague andam por aí a rondar há já mais de vinte anos. Até lhe achamos piada quando emergiram com as versões de hits dos anos oitenta e quando alegravam plateias sedentas de um revival bem feito e cool, mas a novidade foi-se perdendo e diluindo numa indiferença confrangedora. É estranho, ou talvez não, vê-los em Coura num final de tarde a fazer o mesmo de sempre, agora uma onda dispensável ainda que, evidentemente, entretida. Se este é um dito e propagado festival de tendências, esta é mesmo a que sinaliza a mais perigosa delas todas - a banalidade!
Nove anos depois, os Allah-Las regressaram onde foram felizes mesmo que o estrado e o anfiteatro tenham encolhido na dimensão. Nada que tenha motivado queixas da banda californiana, logo agora que a madureza do conjunto está num ponto de pérola rock que os discos têm confirmado - "Zuma 85", o último deles, é feito de uma reinvenção amena que se refresca a cada audição e que ao vivo ganhou corpo de asas avantajadas. Uma excelente primeira parte, não programada, do que se haveria de seguir.
Ter Cat Power a recriar Dylan num festival nacional só ali, nas margens do Tabuão, fazia sentido. Pena que parte da plateia não tenha ouvido a sério o disco excelente e corajoso que Chan Marshall lançou este ano, onde recria o concerto lendário de 1966 no Royal Albert Hall londrino, para não se pôr a assobiar sem sentido quando o que se pedia era apoio. Certo que o set acústico, reduzido a quatro temas, foi armadilhado pela própria em constantes apelos às mesas de som entre saídas de palco, mas, ainda assim, aquele "4th Time Around" foi/é mesmo de outro mundo. Quando o resto da banda, e que banda, entrou para o set eléctrico, também ele naturalmente encurtado, o concerto elevou-se, como por magia, a uma dimensão intangível de uma soberba instrumentalidade e ainda maior vozeirão de que "Ballad of a Thin Man" se mostrou monumental. Uma dádiva, talvez, irrepetível e, certamente, inesquecível para uma imensa turba que não comprou bilhete só para os Idles. How does it feel?
A tenda não chegou para todos os que não dispensaram acolher Benjamim e companhia para o que adivinhava ser uma festarola. Embalados pela multidão, pelos muitos coros colectivos e pela boa onda latente, os músicos em cima do palco não disfarçaram a satisfação perante a recepção estrondosa e que teve direito a comparência de Samuel Úria para ajudar no seu "Os raros", raridade, afinal, não tão rara assim. Um exemplo apropriado de boa e fina pop portuguesa, na hora o no sítio certos e que a todos nos deve orgulhar no namoro. Aí Benjamim!
A menina Marie Ulven Ringheim, ou seja, Girl in Red, é norueguesa mas os trejeitos são todos, sem excepção, aqueles de vedeta americana das redes sociais e dos digitalismos. Dizem que isto é indie-pop, que isto é dream-pop, mas isto é só mesmo chatice-pop de irritação crescente e sofrível, um incómodo que a menina acicatou na desistência - em vinte minutos fez questão de frisar duas vezes, sem razão aparente, a sua orientação sexual... Fomos ganhar vez para uma ida à praia.
Não fomos os únicos. A estreia dos Beach Fossils em Portugal (?) tinha já muitos em pré-marcação de espaço, o que nos surpreendeu e muito! Estacamos na parte central, mas logo ao fim do segundo tema percebemos que a escolha colidia com uma carreira de tiro de um inesperado crowd surf e de uma divertida concentração de fãs espanhóis e não só mais que prontos para a contenda, ou seja, para a moshada. Letras repetidas e antecipadas em coro foram, assim, uma constante de um concerto que nos engoliu, entre empurrões e encostos, pela satisfação, pela energia e, afinal, por uma espontaneidade a que a banda de Dustin Payseur chamou e saboreou como um inesperado figo. Ora aqui está uma primeira semente de partilha que, ou nos enganámos, irá dar frutos consecutivos!
O fenómeno Idles, que prevíamos caótico em 2018, não demorou a avolumar-se e ele aí está, grosso na atitude, perverso na mensagem, mas, caramba, imbatível na força e na corrente. Há razões mais que evidentes para o sucesso, já que uma reinvenção do punk, não sendo fácil, requer talento e muita, mas mesmo, muita luta insistente de que Joe Talbot é símbolo agitador e propagador nato, um pirómano nocturno que multiplicou correrias e agitações anárquicas de uma plateia sempre irrequieta e, ainda assim, respeitadora. Já chegamos a uma idade em que ver tamanha comunhão do cimo de uma colina é simples motivo para uma alegria inocente e fé num rock que tantas vezes já quiseram enterrar, mas que tantas vezes, as que forem eternamente necessárias, irá sempre renascer.
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