segunda-feira, 21 de novembro de 2022

(RE)VISTO #100





















WILSON SIMONAL - Ninguém Sabe o Duro que Dei
 
de Micael Langer, Calvito Leral e Cláudio Manoel. 
Brasil; Globo Films/Tv Zero, 2009 
Numa ronda "vinilica" recente deparamos com dois singles, compactos como se diz no Brasil, de Wilson Simonal, artista que temos por hábito não falhar na aquisição tendo em conta a qualidade divertida da maioria das suas canções. Feita a compra e já em casa, reparamos em duas dedicatórias manuscritas em cada um dos lados da capa, um envelope da fábrica Odeón com o tema "Mamãe Passou Açucar em Mim" datado de 1966, parecendo ser um deles um autógrafo do próprio Simonal a uma tal Regina. Será? 

A procura na rede levou-nos a uma assinatura semelhante onde o "S" é também substituído por uma clave de Sol, sendo o texto literalmente igual ao que detemos. Sem data, não é fácil saber quando e onde foi escrita a dedicatória. Simonal só esteve em Portugal (?) como convidado na edição do Festival RTP da Canção em 1979, o que Manuela Bravo ganhou com "Sobe, Sobe, Balão, Sobe", actuando na abertura e no intervalo (?) do evento como o provam alguns videos de má qualidade (cantou os temas "Sá Marina" e "Lisboa Antiga" em onda bossa-nova). Os seus discos, incluindo singles, foram ao longo dos anos por cá publicados, sendo mesmo assim habitual a existência de discos brasileiros nas colecções de aficionados portugueses, por importação ou emigração familiar, como é notório para todos os que vasculham em feiras e lojas na procura de pepitas. A data e o local do autógrafo ficaram, assim, sem respostas, pormenores que nesta demanda se afiguraram irrelevantes pois foi a história truculenta e ainda polémica do próprio Wilson Simonal que nos chamou a atenção de forma irresistível. Não perdemos, assim, tempo até visualizar este documentário biográfico disponível milagrosamente na sua totalidade. 

Embora datado de 2009, mas com uma antestreia portuguesa no festival Doc Lisboa em Outubro de 2008, o documento não perdeu pertinência. Numa primeira parte, faz o tradicional trajecto de uma história feliz e de sucesso fulgurante no final da década de sessenta só comparável a Roberto Carlos, um jovem negro pobre que descobre as qualidades da sua voz para, com as ajudas certas, multiplicar sucessos, presenças em programas televisivos e liderar concertos com multidões rendidas e eufóricas. Ao notável jeito natural para lidar com o público, somou-se uma versatilidade da voz de assento fácil a vários géneros, desde o popular "pilantragem" a clássicos eternos como um maravilhoso "Shadow of Your Smile" ao lado de Sarah Vaughn. O êxito que ultrapassou fronteiras até à Europa e a América do Sul trouxe amizades famosas, de que Pelé foi a mais badalada, mas também fortuna, carros, mansões e mulheres. Contudo, o fausto haveria de durar pouco. 

Quando em 1970 se deu conta que do dinheiro, supostamente, acumulado nada restava, Simonal acusou o contabilista de roubo e saque, uma história rocambolesca que, sem provas evidentes, passou a envolver o DOPS - Departamento de Ordem Política e Social, um género de PIDE do regime ditatorial em vigor no Brasil, que se prontificou a torturar o desgraçado para forçar a confissão. O episódio seria fatal para um Simonal desde aí acusado de ser informante e colaborador do regime, sina de que nunca mais se livrou até ao final da vida em 2000. Proscrito pela imprensa, pela televisão, nomeadamente a Globo, e pelos colegas de palco, a carreira transformou-se numa nuvem negra cada vez maior que um alcoolismo crescente acelerou na decadência e no esquecimento sem que se tivesse esclarecido o equívoco de que sempre afirmou ter sido vítima. 

Basta reparar nos inúmeros e recentes comentários a "Ninguém Sabe o Duro que Dei" na página do youtube para perceber que a controvérsia da sua vida e a guerrilha política a ela associada é ainda hoje exemplar quanto ao radicalismo e cisão da sociedade brasileira a que todos assistimos nas mais recentes e renhidas eleições. Os seus filhos Max de Castro e Wilson Simoninha, com testemunhos sóbrios ao longo de todo o filme, empreenderam um esforço no sentido de revitalizar a imagem e história do pai ("Baile do Simonal" foi um espectáculo concebido e produzido por ambos que passou por Portugal) mas a polémica não parece ter meio termo ou ponderação, exageros difíceis de perceber por cá, apesar dos livros escritos e publicados sobre a sua vida ou o mais recente filme ficcionado estreado em 2019 e que bebe, notoriamente, neste documentário. 

Quanto às canções, essas são ainda de uma incontornável eficácia e frescura e, por isso, vamos continuar a aumentar a colecção sempre que a sua figura sorridente ou o seu nome nos aparecer na capa ou na rodela de um EP nacional ou num qualquer compacto de 33 rpm... com ou sem dedicatória!

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