O amigo de sempre fez o favor de nos lembrar que havia um disco do Blake Mills do ano passado que merecia uma audição prolongada. Vai daí, já não dispensamos, entre outras pérolas, esta flutuante "May Later". A menina dança?
Do excelente "The Main Thing" que os Real Estate lançaram o ano transacto sobraram meia dúzia de canções inacabadas que, com a chegada da pandemia e consequente confinamento, receberam tratamento diferenciado e inédito - um remoto acabamento virtual, metodologia desafiadora para quem está habituado à cumplicidade de um estúdio mas de potencialidades e contribuições inesperadas e infindáveis. O resultado concentra-se no EP "Half a Human" a sair no final de Março e do qual se pode ouvir o tema título pleno daquele reconhecível jogo de guitarras a que banda sempre nos habituou...
Continua, aparentemente, válido o concerto de Michael Kiwanuka (re)marcado para 21 de Maio próximo no Palácio de Cristal portuense mas a sua realização está ainda sujeita a um grau de incerteza comprometedor. Por isso, nada como antecipar o desfecho imprevisível através do pequeno ecrã da RTP2 no próximo Domingo pela noitinha com a emissão da passagem ao vivo de Kiwanuka pela cidade suiça de Basileia em Outubro de 2019 no âmbito do reputado Festival Baloise. O alinhamento, em jeito de best off, não deve ser muito diferente daquele que, eventualmente, apresentará na Invicta e que quase sempre acaba com esta maravilha...
A editora inglesa BBE aproveitou o passado dia 8 de Janeiro, data do 74º aniversário de David Bowie, para anunciar um novo tributo com colaborações de projectos diversos mas de nítido traço soul, jazz e latino/tropical como Helado Negro, Khruangbin, We Are KING, Meshell Ndegeocello ou do brasileiro Sessa. O disco "Modern Love - A David Bowie Tribute Álbum", que estará cá fora no final de Maio, teve curadoria e produção de Drew McFadden e Peter Adarkwah, fundador da editora. Aqui ficam duas belas recriações...
Lá para Novembro, mesmo a tempo do Natal, será publicado um apelativo volume duplo (960 páginas!) contendo as letras escritas por Paul McCartney ao longo da carreira, qualquer coisa como 154 líricas que acabaram em tantas outras canções! Em "The Lyrics: 1956 to the Present" estarão ainda cartas, fotografias ou manuscritos inéditos do seu arquivo pessoal a que, na impossibilidade confessada de escrever uma autobiografia à custa de nunca ter tido o hábito de anotar diários ou lembranças, se acrescentam comentários paralelos e forçosamente biográficos editados pelo irlandês Paul Muldoon, autor da introdução e com quem McCartney manteve largos períodos de conversa ao longo de cinco anos.
A edição prevista para E.U.A., a da imagem acima, encontra-se já indisponível e sem preço mas a versão inglesa aceita, desde já, encomendas ao preço de 66£ e com uma capa de desenho diferente. Quanto a preferências aqui da casa de maravilhas saídas da pena de Sir McCartney, não temos dúvidas quanto à primeira ("For No One"), à segunda ("She's Leaving Home") e à terceira ("Fool On the Hill"), três enormes canções!
Quando no passado recente notamos o sossego do norte-americano Will Stratton, percebia-se que a essa calmaria propositada se sobrepunha uma agenda bem calculada referente a um suspirado novo álbum. Com saída a 7 de Maio pela Bella Union, em "The Changing Wilderness" estarão dez inéditos fruto de uma mudança na forma de compor que apagou a introspecção e a preocupação masoquista com ele próprio e acendeu uma nova chama inteiramente conectada com a natureza alvejada ou o país e a sua tensa e extremada situação política e social. Mesmo pleno de interrogações sem resposta, o músico confessa que, longe de qualquer pretensão didáctica ou moralista, a intenção é mesmo protestar e chamar a atenção. Aqui fica um primeiro e suave clamor.
Data de Novembro passado o anúncio de dois concertos de Alice Phoebe Lou em Portugal no âmbito da apresentação do terceiro álbum "Glow" a sair em Março. As cidades de Lisboa (6 de Abril, Capitólio) e Porto (7 de Abril, Hard Club) foram as eleitas para os espectáculos mas surge agora um adiamento previsível e uma alteração forçada - na capital mantêm-se o palco do Capitólio para o dia 29 de Outubro, passando o concerto do Porto para o Centro Cultural Vila Flor em Guimarães no dia seguinte. Seja como for, mais vale manter as figas ao som deste "Dirty Mouth", um novo e fresquinho espanta espíritos com direito a blooper!
de Abel Soares da Rosa. Lisboa: Âncora Editora, 2020
Vivemos tempos em que conceitos como liberdade de expressão, liberdade de imprensa ou opinião pública conduzem a inevitáveis discussões acaloradas onde a palavra "censura", qual maldição, serve levianamente ambos os lados da arguição. A vigência da censura, pura e dura, imposta em período de ditadura, foi em Portugal motivo de estudo ao longo das últimas décadas e, depois da abertura à consulta da totalidade dos arquivos da PIDE e de Salazar (1995), o manancial de informação conduziu necessariamente a uma maior especialização das abordagens e temáticas, embora o cinema, em particular, cedo tivesse motivado a curiosidade e demanda de alguns como Lauro António, autor largamente citado na corrente obra e para qual escreveu um texto introdutório, concretizado no incontornável "Cinema e Censura em Portugal" (1977). O assunto continua, mesmo assim, a ser um novelo sem fim de reconhecido interesse colectivo como se pode confirmar numa mais recente investigação académica (2013) coordenada por Ana Cabrera e que se estende também ao teatro ou neste livro dedicado aos filmes dos The Beatles.
À pergunta se "os Beatles foram censurados em Portugal?" a resposta é "Sim!". Prova-o o conteúdo transcrito e largamente reproduzido por Abel Rosa de forma exaustiva quanto às películas estreadas em território português, como também o provam, certamente, muitos cortes a notícias e críticas aos mesmos filmes, aos seus discos, atitudes ou comportamentos como, aliás, já atestamos por aqui anteriormente e que sustentam a ideia que os Beatles metiam medo, sim, muito medo!
O receio dos censores e, implicitamente, do regime quanto ao fenómeno, levou ao arrastamento da estreia da comédia "A Hard Day's Night" ou "As Quatro Cabeleiras do Após Calipso" em português, agendada para 1964 mas só concretizada no ano seguinte, anomalia noticiada em jornais de Liverpool que deram conta que a película tinha sido parcialmente censurada e destinada a maiores de 17 anos! Por incrível que pareça, o "problema" maior eram as expressões de êxtase e felicidade - "Atitudes descompostas e esgares" - que o(a)s jovens expressavam ao ouvir as canções da banda em cima do palco, uma suposta histeria que poderia conduzir a indesejadas manifestações da juventude portuguesa. A liminar proibição de exibição do filme pairou durante algum tempo pois seria bastante complicado - impossível! - realizar estes cortes em plena canção, passando depois a uma suspensão bastante comprometedora das aspiração da distribuidora Rank que via o lucro do negócio a fugir entre mãos alheias e que culminou, após bastantes insistências, numa tardia reclassificação etária (12 anos)... mas mantendo os cortes!
Todo este folhetim, documentado ao pormenor com a reprodução de alguns dos documentos originais, constitui, por si só, uma incrível e rocambolesca história que carimba a insensatez e ridículo a que qualquer actividade de controle totalitário foi e é sujeita, traduzida noutras minudências risíveis como uma piada parva sobre adultério, um decote feminino, uma dança do ventre ou a autorização sem cortes do filme "Yellow Submarine" em 1969 sem qualquer tipo de restrições, uma daquelas pérolas que questionam toda a credibilidade do sistema atendendo a que, mesmo sendo em desenho animado, o argumento e uma boa parte dos diálogos feriam notoriamente (basta o exemplo de "Eleanor Rigby") os valores exemplares tão cegamente defendidos pelo regime instalado.
Outros dois filmes - "Help! - Socorro!" de 1965 mas estreado em 1967 e "Let It Be - Improviso" de 1970 - são também motivo de análise documental pelo autor e que se alarga até a outras películas mais tardias e menos conhecidas onde participam músicos da banda. Em quase todos se percebe os contínuos empecilhos e subterfúgios que a Censura lançou sobre a promoção e difusão das imagens "perigosas" supostamente associadas aos The Beatles, adiando decisões ou inventando mal-entendidos para que "esses guedelhudos" se mantivessem à distância do cantinho sagrado desde que isolado. Houve quem quisesse contratá-los para um concerto em Lisboa em 1965 mas, sabe-se agora e confirma-se no livro, as sapientes autoridades portuguesas não permitiram tamanha afronta agitadora dos bons costumes e uma ameaça à dita "normalidade".
Orgulhosamente só mas, definitivamente, mais decadente e autocrático, o Estado Novo têm nestes exemplos de coação cinematográfica, que em boa hora foram reunidos neste simples mas prestimoso livro, um espelho da sua galopante e lastimável podridão, imagens proibidas que, quem sabe, acabem recuperadas ao jeito da sequência final do inesquecível "Cinema Paraíso"...
Dois dos mais brilhantes americanos de gema há muito que se conhecem, partilham convicções sociopolíticas, sugerindo aproximações, apoios e sensibilidades quanto à importância da família, da comunidade ou da liberdade. Apesar de passados e infâncias totalmente opostas ou da diferença de idade, não estranha assim que Bruce Springsteen e Barack Obama se juntem para discutir calmamente, contar histórias de vida ou ouvir boa música ao jeito de programa de rádio em versão moderna - um podcast - através do agora incontornável Spotify. A série têm o nome de "Renegades: Born In the USA", tem já dois episódios disponíveis registados no segundo semestre do ano passado no estúdio de Springsteen de New Jersey e, apesar da nostalgia, o futuro passa por aqui. Imperdível!
A chegada de um novo disco dos noruegueses Elephant9 é aqui na casa considerada uma bênção. Música instrumental deste calibre é cada vez mais uma paixão enraizada com a qual tomamos contacto ao vivo no prado de Serralves vai fazer três anos. Já nos tinham avisado para o perigo de adição quanto a esta receita fina de ingredientes seleccionados das mais recônditas "plantações" de jazz, prog-rock ou psicadelismo que um baixo, uma bateria e uma profusão de teclados conseguem misturar na perfeição entre paisagens de desalinho aparente mas de efeito sublime.
Com "Arrival of the New Elders", onde mais uma vez temos uma capa geométrica recortada por um gosto artístico assinalável, a viagem tende a acalmar nas erupções e as teclas mágicas do mestre Ståle Storløkken ganham uma primazia contemplativa e, diríamos, necessária. Monumental e libertador!
Chega ao fim a aventura dos Daft Punk! Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter decidiram pela implosão. Se for como a história dos LCD Soundsystem, não demora meia dúzia de anos para que regressem... à terra!
O nome de Jimmy Tamborello ou James Figurine ganhou na primeira década deste século visibilidade sonante ao lado de Benn Gibbard no projecto The Postal Service de boa memória mas aqui na casa continuamos, mesmo com falhas, a segui-lo escondido como Dntel. É certo que não têm sido muitos os erros porque o hiato foi somente preenchido com trabalhos experimentais - o mais recente é de 2018 - uma vertente distinta da luxuosa electrónica instrumental a que em 2010 nos rendemos incondicionalmente. A espera terá em breve um termino reforçado.
A berlinense Morr Music, casa dos indispensáveis Notwist, prepara-se para editar com a colaboração da francesa Les Albums Claus uma dose dupla de álbuns do mestre californiano ao longo do corrente ano e que começa em Março com "The Seas Trees See" já disponível para audição parcial. O primeiro e inteiro single "Fall In Love" é uma amostra da profundidade ambiental de voz em vocoder que desafia a elegância fascinante e sonhadora da electrónica relaxante. A bonita ilustração da capa pertence ao sueco Peter Gherman. Segue-se, lá mais para o final do verão, um outro disco já baptizado sob o título "Away" e onde se promete um regresso mais evidente à pop music que praticou exemplarmente nos referidos e saudosos The Postal Service, confirmando, assim, uma inata e misteriosa capacidade de metamorfose artística ao longo de vinte anos ligado à corrente.
Tal como notado há poucos dias, adivinhava-se um álbum de inéditos dos entes queridos Field Music. Ele chama-se "Flat White Moon", tem vários pacotes formosos em pré-encomenda, inclui o tema "Orion From The Streets" conhecido no final de Janeiro e também o novo single "No Pressure" que mereceu tutorial dos próprios vertida em video para ver e rever por todos os que querem e não sabem compor uma canção à maneira. Com o curriculum e tarimba destes "professores", ficamos ansiosamente à espera de outras lições exemplares e, de certeza, de mais um grande disco!
A pausa forçada nas digressões e concertos permitiu a Courtney Marie Andrews repegar nalguns rabiscos de poemas inacabados e dar-lhe tratamento final na pele da personagem Old Monarch, uma alusão à borboleta laranja e preta muito comum pelo norte dos E.U.A e conhecida por realizar a mais longa migração realizada por um invertebrado numa única geração. A inspiração agarrou-a da própria vida dividida em três momentos de um livro biográfico onde a jornada começa com "Sonoran Milkweed", a infância como pano de fundo pelo Arizona, passa para "Longing In Flight", a saída de casa e o primeiro amor e termina em "Eucalyptus Tree (My Arrival to Rest)" com a chegada de Old Monarch ao jardim das dúvidas metafísicas e filosóficas. O site da editora Andrews McMeel tem já disponíveis alguns destes poemas para leitura prévia de um livro com publicação agendada para Abril.
Entretanto e na faceta de cantora de eleição, Andrews apresentou-se recentemente ao lado da amiga Madison Cunningham para a interpretação caseira do tema "If I Told" do último álbum "Old Flowers" a convite do programa televisivo de Stephan Colbert. Magnífico!
A amizade antiga de Andrew Bird com Jimbo Mathus da banda The Squirrel Nut Zippers terá dia 5 de Março uma efectiva marca de solenidade - o lançamento de um álbum a meias de aparente e simples estrutura onde se junta o violino de Bird à guitarra de Mathus alternando vozes e histórias. Em "These 13" e sem azares, afirma-se e celebra-se o reencontro de 2018 que permitiu a troca dos primeiros fragmentos das treze novas canções e que são o culminar de uma colaboração espontânea aos poucos testada e sedimentada - em Março passado Mathus foi um dos escolhidos para uma das habituais sessões Live From de Great Room - para satisfação confessada de Bird.
Segundo ele, a intenção foi dar-nos a conhecer, como se fosse a primeira vez, a voz e o talento do parceiro amigo, uma refinada e importante marca patrimonial da música americana que nem o tempo nem a geografia distante devem pôr em risco. Basta ouvir estes dois momentos para o confirmar...
de Luís Pinheiro de Almeida. Lisboa; Sistema Solar (Documenta), 2019
A história da música costuma acentuar que os The Beatles não pertencem a nenhuma geração. Que são imortais, facilmente permeáveis a idades ou géneros e, por isso, intergeracionais e populares. Certo, mas há uma dessas linhagens iniciais que, vivendo/bebendo pela primeira vez de forma simultânea e apaixonada a explosão, constitui o traço alfa de um fenómeno planetário a que Portugal não escapou mesmo apertado num regime controlado de ditadura e isolamento. São, por isso, não muitos os vestígios sobre o vendaval que os de Liverpool subtilmente provocaram na juventude portuguesa mas que se traduziu inevitavelmente numa influência arterial em bandas-réplica, modas ou costumes que o regime se apressava a negar e combater. É essa raridade, traduzida numa selecção de relatos epistolares resguardados como tesouros, que este livro faz o favor de eternizar evitando esquecimentos e lapsos e, já agora, motivando o destapar e revelação de outros testemunhos que forçosamente se encontrem ainda por "escavar".
A paixão de Luís Pinheiro de Almeida pelos The Beatles é conhecida e facilmente confirmável noutros livros e experiências, mania saudável a que desde a juventude deu corda infindável e inquebrável traduzida numa partilha com os irmãos e os amigos da natalícia e pacata Coimbra da década de sessenta. Estudante em Lisboa aos 17 anos, uma cidade "chata" nas suas palavras, o quebrar do "exílio" e das distâncias e cumplicidades com os do Mondego fez-se por carta ao compincha Jó a quem passou a escrever regularmente, correio religiosamente salvado durante quarenta anos pelo destinatário e onde relata sem fôlego a vida na capital num concentrado de informações sobre os filmes vistos, os discos ouvidos, as idas a concertos e, principalmente, o despertar dos programas da rádio mais aventureiros na explosão do yé-yé e da pop music. Os Beatles ganham óbvia predilecção e primazia mas há referências a tantas outras bandas e artistas com destaque nas páginas das revistas e jornais recortados com devoção, fobia que alcança números avassaladores num curto período de tempo. A narração dos "acontecimentos" é quase sempre interrompida pela referência à canção que, naquele momento, a rádio transmitia preferencialmente em período nocturno, um tom coloquial de genuíno vernáculo português a motivar a jocosa bola vermelha da capa, e cujo conteúdo era lido em voz alta ou à vez pelos companheiros distantes mas, alegremente, ansiosos.
Escritas da casa de Lisboa ou da veraneante Mira, sobressai nelas um empolgamento crescente e quase complusivo na obtenção dos discos, das canções, das fotografias, das letras, das histórias ou boatos sobre "os 4 cabeleiras do após-calipso" e o seu mundo vertido pela imprensa ou confirmado em plena rua que alcança múltiplos exageros ou brincadeiras, desde uma informação em maiúsculas "vi agora à venda umas carteiras para rapariga com as fotografias e os autógrafos dos Beatles" (carta de 1 de Outubro de 1964) ao gozo pela chacota invejosa noticiando a presença num concerto dos próprios Beatles no Monumental, descrevendo a suposta proximidade com os músicos, as suas qualidades e uma suspirada sessão de autógrafos donde saiu triunfante (carta de 24 de Julho de 1964).
Estamos, assim e quase sem querer, a vaguear numa panorâmica sociocultural de uma Lisboa cinzenta mas onde a força da música saída de uma rádio próxima ou distante, em onda curta ou média, permitiu a alguns "passar a palavra" pela partilha de fitas gravadas a custo, pelo empréstimo circular dos vinis ou a arrojada promoção de concertos. Trata-se, afinal, de uma saborosa homenagem à amizade juvenil motivadora da descoberta, da aventura ou da coragem como sinónimo de lealdade e fraternidade. E pensar que, quase sempre, tudo começa numa canção, neste caso esta "Do You Want To Know a Secret" cantada, sem ainda o saber, por um tal George Harrison...
Um novo álbum de Ryley Walker é sempre bem-vindo. Neste caso, "Course In Fable" a sair no início de Abril marca uma ruptura com o passado recente na editora Dead Oceans na qual lançou o excelente "Deafman Glace" em 2018 e outros dois discos anteriores. A responsabilidade assenta agora na Husky Pant Records, casa que o próprio criou em 2019 e onde saiu em Outubro "For Michael Ripps", uma aventura experimental ao lado dos amigos guitarristas J. R. Bohannon e Ben Greenberg e um disco ao vivo captado no festival holandês Le Guess Who? em 2018 com os psicadélicos japoneses Kikagaku Moyo mas entretanto esgotado.
No registo de "Course in Fable" destaca-se a colaboração de John McEntire, baterista dos The Sea & The Cake e dos Tortoise e reputado produtor e multi-instrumentalista responsável pela masterização e produção, de Bill MacKay na guitarra e piano e ainda de Douglas Jenkins e Nancy Ives, uma parelha de cordas que faz adivinhar um tratamento cuidado e exemplar. Na capa brilha uma pintura da artista Jenny Wilson que se mistura na sua abstracção da melhor maneira com "Rang Dizzy", o primeiro dos sete temas a reluzir à luz do dia.
A RTP2 parece ter atinado na selecção dos concertos a incluir na programação - hoje é a vez dos The Divine Comedy de Neil Hannon, um espectáculo de apresentação do álbum "Foreverland" da digressão de 2017 que teve início em três noites de Janeiro no Folies Bergère de Paris e que chegaria poucos dias depois ao Theatro Circo bracarense para um recital divertido e memorável. É às onze e pico...
A listagem de parcerias, colaborações, contributos ou versões que Sharon Van Etten não se cansa de promover é uma tarefa árdua e inconsequente. A menina não pára, isso é certo, e dessa agitação que fomos amiúde dando conta por aqui são exemplo, só mesmo para testar, aparições ao lado de David Lynch, Hercules & Love Affair ou Lee Ronaldo, clássicos natalícios e recentes duetos com Norah Jones ou com os Local Natives que aproveitamos para recordar em versão lo-fi para um programa televisivo.
Entre as mais frescas novidades e correndo o risco de falhar alguma, contam-se a nova canção "Let Go" para o filme "Feels Good Man" estreado em Outubro, o lançamento oficial do tema "On Your Way Now" da autoria de Marc McAdam utilizado parcialmente no documentário "Made In Boise" de 2019 e ainda uma versão de "In My Room" dos Beach Boys ao lado da dupla Shovels & Rope e incluída no álbum "Busted Juicebox Vol. 3". Ufa, que boa azáfama!
A vinda dos Dry Cleaning, em exclusivo, ao Primavera Sound portuense mereceu destaque e expectativa por estes lados há coisa de um ano. As dúvidas quanto à realização do evento adiado para Junho próximo acrescentam, no entanto, incerteza a um concerto que ganha agora mais urgência com a edição do álbum de estreia prevista para Abril na 4AD que os arrebanhou para o seu catálogo de eleição numa tendência efervescente de pós-punk inglês onde se joga um xadrez de outros nomes como Bill Nomates, Squid ou os já testados Drhala.
Em "New Long Leg" a receita não sofre alteração - a dureza de uma realidade social e familiar que as redes virtuais e a chegada da pandemia acentuaram na robustez serve de prado e surrupio descarado para que Florence Shaw se lance num spoken-word lacónico e quase sempre mordaz sobre consumismo, traição ou descontrole emocional num acento a roçar, propositadamente, a ambiguidade. Do disco há já diferentes e atractivos pacotes em pré-encomenda onde não falta um 7" de vinil para o primeiro single "Scratchcard Lanyard". Uma beleza, melhor, uma limpeza!
Não foram muitas as vezes que testamos a fama do pianista Chick Corea. A primeira, em 1992, num Coliseu do Porto esgotado, local de múltiplas visitas, o recital manteve-se entretido demasiado tempo para só começar a brilhar na última meia-hora, período, aí sim, onde até esquecemos a pequena e contínua dor no tornozelo torcido e das "canadianas" pousadas no chão! A segunda, mais recente, em género de aclamação popular, redundou num recinto exterior do Palácio de Cristal previamente rendido mas Corea mereceu todos os aplausos e gritos da multidão adulta e conhecedora para o que contribuiu a classe doutros figurões em palco como Gary Burton, parcerias e amizades que gostava de incentivar e promover numa carreira imensa e desbravadora. Chick Corea deixou-nos terça-feira... Peace!
Sobre as virtudes e subtilezas transcendentes da finlandesa Lau Nau ficamos já há muito iluminados em forma de respiração artificial através de um qualquer dos seus raros discos ou, então, em modo natural, absorvendo lentamente os mo(e)mentos dos concertos que, em bom tempo, apresentou na cidade. A menina do mar, como carinhosamente lhe chamamos, surge agora mais uma vez irresistível ao lado do pianista sueco Matti Bye, colaborador e cúmplice de longa data, no álbum "Signals" que a ecléctica Time Released Sound acolheu e lançou em Dezembro em formato limitado e exclusivo como peça de colecção.
Repetições, insistências, descargas, melancolias em que as teclas de um piano e a gentil audácia electrónica se misturam numa atmosfera anti-stress de misteriosa beleza que ora se dilui lentamente ora se acomoda numa poeirenta brisa que submerge os sentidos e nos acalma pela delicadeza. Poesia em suspensão, como alguém já lhe chamou...
Com uma carreira a aproximar-se dos cinquenta anos e com mais de uma vintena de álbuns gravados, Rickie Lee Jones terá, de certeza, muito para contar e desvendar. O ambicionado livro de memórias é um projecto antigo que, apesar de vários adiamentos, tem agora o mês de Abril próximo como data definitiva de edição pela Grove Atlantic.
Em "Last Chance Texaco: Chronicles of an American Troubadour" estão prometidas revelações difíceis sobre um esforço desmesurado no triunfo artístico de uma mulher num mundo de homens mas onde se misturam as vicissitudes de uma vida rebocada por uma família ambulante, o abandono do pai e a consequente roda livre itinerante de uma juventude problemática onde as drogas e algumas relações tumultuosas - nomeadamente com Tom Waits - fizeram feridas difíceis de sarar. A música e a composição aliviaram, contudo, muitas destes contratempos, como aliás se pôde já comprovar nas imagens do filme de 2016, prolongando uma carreira de qualidade extrema e resiliência longínqua que nos merece o maior respeito e admiração.
Aqui ficam algumas revelações prévias numa antiga entrevista radiofónica e uma memória pertencente a um dos nossos discos de eleição chamado "Pop, Pop" de 1991 - a versão de "Comin' Back To Me" dos Jefferson Airplane que, quem sabe, talvez mereça da própria alguma referência... ou não!
A mudança proposta por James Yuill em 2017 parece não ter surtido qualquer efeito - o inglês continua, persistentemente, a forçar o valor da sua música que sempre reconhecemos como atraente mas a precisar de maior aprovação e divulgação. Em 2020 decidiu romper com o passado - James Yuill é, segundo o próprio, "soooooo 2010!" - passando a editar sob o nome de Cable TV e já com direito a três "canais" separados por seis meses. Adivinha-se, assim, um novo álbum na sua editora Happy Biscuit Club, mas, atendendo às actuais condições de mercado e promoção, o período de adesão tenderá a ser mais que prolongado...
Apelidado por um reputado jornal inglês como um miserabilista à custa das inúmeras paredes e buracos onde tem amiúde batido e caído, as notícias sobre o sueco Emil Svanängen, ou seja, os Loney Dear, são desta vez, animadoras apesar de um recente acidente de bicicleta que o fez parar temporariamente. Sem outros contratempos, chegará em breve um novo álbum na casa Real World de Peter Gabriel onde ingressou em 2017 com a ajuda da amiga Ane Brun depois de mais um passo em falso.
A previsão aponta a edição de "A Lantern and A Bell" no final do mês de Março, trabalho registado no mítico estúdio Södermalm de Estocolmo com o produtor Emanuel Lundgren e do qual se conhecem duas canções - "Habibi (A Clear Black Line") lançada perto do Natal e "Trifles", a confirmação das capacidades pop de Emil a que nos agarramos sem largar há mais de uma década e que continuam perfeitamente intactas e sempre poderosas. Na capa consta uma bandeira marítima que sugere uma mudança de rumo mas que não dispensa a cheiro do mar, o pio das gaivotas e o barulho do motores dos barcos como inspiração longínqua da sua música. All aboard!
A estreia nos discos grandes da britânica Arlo Parks com o álbum "Collapsed In Sunbeams" saído em Janeiro mereceu aclamação exagerada de alguns e desprezo de muitos outros, o que não acontece, nem podia acontecer, nesta casa.
Acompanhamos desde o início o crescimento sustentado das suas canções e da sua notória classe e há muito que uma delas nos deixa sempre maravilhosamente intrigados - "Black Dog", tal como uma das últimas canções que Nick Drake escreveu ("Black Eyed Dog", 1974), é sobre depressão e vazios que o isolamento espalhou de forma acelerada mas sempre que a ouvimos a sensação como que se inverte. As razões do efeito não nos preocupam mas cada vez mais gostamos de cantarolar em voz alta o "You do your eyes like Robert Smith" e o "It's So Cruel" original tornou-se obrigatoriamente num sorridente "It's So Cool"...
Sobre as proezas do jovem Ron Gallo já por aqui destacadas e, em bom tempo, confirmadas em regime presencial, há notórias mudanças em curso. Rotulado ironicamente como um simples ser humano amplamente associado à música, as boas diferenças emergem das várias canções que foi espaçadamente deixando cair nos últimos meses e que caberão todas no álbum "Peacemeal" a sair no início de Março. Percebe-se também que a uma vertente menos puro-rock e mais blue wavea la DeMarco se junta algum desalento com o negócio e o mundo traiçoeiro da própria música em que se julgava seguro ao fim de quatro álbuns...
É ao ouvir "Can We Still Be Friends?", o último dos singles a submergir, que todas estas circunstâncias e derivações se confirmam numa tendência franca e até jocosa traduzida numa lírica confessional e provocatória a que juntou o desafiador solo de guitarra a cargo da esposa italiana Chiara. O disco foi composto no verão passado em isolamento forçado depois de ser obrigado a regressar de Itália, onde tencionava ficar, para os E.U.A. à custa de uma intimação dos serviços de emigração, fazendo desta adversidade um estimulante profissional de auto-confiança. Força aí!
O grande disco do ano passado "Island" de Owen Pallett tem sofrido ultimamente um género de melhoria visual através do contributo do reputado ilustrador e cartunista Eric Kostiuk Williams na criação de uma novela gráfica quase sempre a preto e branco para alguns videos das canções. Não sabemos quantas e quais delas terão ainda direito à narrativa mas as duas primeiras são, por si só, excelentes!