quinta-feira, 25 de abril de 2013

ROCKY RACOON #5

















Nos últimos meses, entre afazeres profissionais de pesquisa relativos aos 40 anos do 25 de Abril que se aproximam, temos deparado com mais alguns artigos e referências aos Beatles. Entre eles está esta curiosa e inédita prova de página intitulada "48 Horas na Capital" enviada à Censura pelo jornal "A Voz Portucalense" (orgão da Diocese do Porto) em de 22 de Agosto de 1970. Trata-se de uma reportagem do jornalista José A. Salvador, uma incursão de automóvel do Porto até Lisboa onde se fazem alusões à vida citadina, aos seus problemas e gentes e elogios a uma ida ao cinema e à Gulbenkian. A Censura, na sua secção do Porto, pôs-lhe o carimbo de "Autorizado Com Cortes", impedindo "exageros" sobre avalanches de ratos, dormitórios urbanos, quadros de Vieira da Silva ou o filme "Submarino Amarelo"! Temos assim os Beatles simplesmente censurados que isto da liberdade e do amor versus a opressão podia dar mau resultado, uma passagem cortada de alto a baixo apesar de, aparentemente, o desenho que ilustra o texto não ter merecido reparos. Aqui fica, então, a transcrição maldita e pensar que afinal os Beatles metiam medo, muito medo!  

---
"QUEM TEM MEDO DO SUBMARINO AMARELO 
Lisboa de noite é um cansaço para se chegar até ela. Quem vai dum bairro limítrofe (Caselas) e enfia no autocarro usufruiu duma viagem longa e pachorrenta, servida por solavancos constantes e ruídos não menos incómodos, até se apear na Praça da Figueira. Autocarros de Lisboa são coisas de fugir, mas não tem concorrentes... que o metropolitano é ainda hoje tão só um mini-concorrente. Válido, acrescente-se, que a sua rapidez, a sua segurança e até comodidade (ressalvadas as horas de ponta) merecem bem o preço do bilhete: 1$50. É o transporte mais barato de Lisboa (que os ingleses gostariam de ver subir - os nossos amigos ingleses), a par dos táxis, que proporcionalmente se podem considerar acessíveis.
Mas a capital, durante a noite, é também movimento, luzes anunciando os produtos mais perfeitos e maravilhosos do mercado (os produtos pensados para nós, compreendem... compre, use, ou não use, mas volte a comprar) automóveis, solidão, corridas, gentes, cigarros, good-night e bon soir, aviões e motociclos, outra vez e muitas vezes solidão, sobretudo solidão, hierarquias e cumprimentos por conveniência, além de polícias. 
Assim, entrei em Lisboa, na segunda noite da visita rápida, decidido a instalar-me na plateia de um dos seus 41 cinemas.
Durante largos minutos se desenrolaria a extraordinária viagem do Submarino Amarelo. Uma viagem actuante, uma viagem para repetir com outras armas, ou com todas as armas, em todas as esquinas do nosso quotidiano. 
"O SUBMARINO AMARELO navegou bastante até cá chegar. O filme é de 1968 e quase todos os comentadores o consagraram como um dos emblemas da década passada. A obra perdeu, talvez, um pouco da sua estridência com essa demora. Em 1970, no entanto, O Submarino Amarelo tornou-se já um clássico do cinema e um momento importante de desenho de animação. 
"A TERRA DA PIMENTA (Peperland), terra do amor, das flores e da música é ameaçada pelos Malvados Azuis, que transformam tudo que é cor num triste e ditactorial cinzento. Mas o jovem Fred (por ironia, um respeitável ancião e visivelmente um lobo dos mares de água doce) embarca num submarino amarelo, depois do rei de Peperland o ter feito almirante, e vai buscar socorro. Longa jornada de ida e volta - mas, quando regressa, o jovem Fred traz com ele os Beatles. E com eles a música. E a música triunfa (all you need is love). Os malvados azuis fogem ou são "assimilados" pelas forças vitoriosas do amor".
Estas são as palavras com que José Vaz Pereira iniciava uma circunstanciada crítica sobre o filme realizado por George Duning, com desenhos de Heinz Edelmann, e música dos Beatles. 
Uma fita onde o maravilhoso tem lugar, onde tudo é possível, até a vitória da liberdade sobre a opressão, onde esta luta é dada com extraordinária beleza, onde tudo soa a conquista do amor, do amor entre os homens que os faz rir e chorar, mas sobretudo que os faz viver.
Onze canções dos Beatles harmoniosamente acompanhadas pelas imagens transmitem ao filme uma dimensão humana verdadeira.
Mais do que descrever importa ver. Ver e contar, ver e assimilar, ver que quem tem medo do Submarino Amarelo é quem tem medo da liberdade e do amor. 
A viagem do Submarino Amarelo, a viagem que nos cabe realizar."
------

Sem comentários: