Bilhetes de Concertos em Portugal
coord. de Henrique Amaro. Lisboa; Tinta da China, 2022
Ir a um concerto de rock, jazz ou música popular e guardar o bilhete talvez seja hoje uma mania incompreendida por gerações digitais absortas no efémero e distraídas na memória. Desde os anos oitenta, não fomos os únicos a fazê-lo já que a esses pedaços de papel, onde se reproduzia a imagem da banda, do artista ou da capa de um álbum, se impregnavam deslumbres antigos de viagens, de amizades, de canções, de flirts ocasionais ou até de encontros inesperados. Muitos fizeram deles marcadores de livros, tesouros involuntários em gavetas de velharias ou um montinho em jeito de cromos agarrados por um elástico de borracha derretida. No nosso caso e ao fim de muitos anos de desprezo, demo-nos ao trabalho de os colar cronologicamente em quatro molduras tipo poster decorativo, passando depois a metê-los em álbuns de fotografias. Agora vendem-se arquivos preparados para o efeito com direito a espaço para verter memórias e tecer comentários imediatos!
Em boa hora, contudo, alguém se lembrou de fazer um inusitado livro com a reprodução desses bilhetes portugueses desde os anos sessenta do século passado até aos anos dois mil, uma tarefa coordenada por Henrique Amaro com a colaboração de cinco dezenas de "amontoadores" ocasionais mas preciosos. Cada década ou período foi separado por um texto a cargo de aficionados militantes onde se contam histórias, se recordam companhias, se revelam segredos ou se descrevem acidentes e obstáculos - Luís Pinheiro de Almeida (60/70), Ana Cristina Ferrão (80), Pedro Fradique (90) e Isilda Sanches (00) foram os escolhidos para o efeito mas todos fazem questão de enfatizar a inquietude prévia à aquisição do milagroso pedacinho de papel e a felicidade resultante da sua obtenção. Mesmo hoje, essa satisfação continua a fazer-nos sorrir nem que seja por uma simples confirmação de multibanco ou plataforma online. Difícil de explicar mas, certamente, comum a muitos dos que compraram e fizeram o livro, um repositório visual e documental tratado com simplicidade e bom gosto. Mesmo assim, temos alguma reclamações.
Se muitos dos bilhetes no seu desenho se aproximam da versão que conhecíamos e onde só muda o local portuense - há, obviamente, uma concentração de entradas para concertos de espaços e salas de Lisboa - reparamos na preocupação em não repetir em demasia artistas ou bandas, um critério que deveria ter sido alargado a outros talvez mais importantes como a estreia em salas portuguesas ou concertos que deram origem a discos ao vivo. Aqui fica uma lista de reparos/inexistências só para chatear:
. o Charles Aznavour no Monumental lisboeta em 1966;
. o Rui Veloso no Coliseu do Porto em Junho de 1987 que deu origem ao álbum ao vivo de 1988;
. os Madredeus em estreia mundial a 20 de Novembro de 1987 no Carlos Alberto;
. o Philip Glass no Coliseu do Porto em Maio de 1992;
. o Sir George Martin no mesmo local em 1995;
. a Bjork no Coliseu de Lisboa em Junho de 1995 e não em Junho de 2000;
. o Neil Young em Vilar de Mouros em 2007;
. os White Stripes no Oeiras Alive de 2007;
. os ZZ Top no Queimódromo do Porto em 2008;
. a Judy Collins em Famalicão em 2009 (afinal não foi a estreia como nos venderam já que a senhora já cá tinha estado em 1983).
Mais a sério, gostaríamos que à qualidade da edição tivessem sido acrescentados índices de locais, artistas, bandas ou autores/designers (na página 97, o desenho daqueles bonitos bilhetes do festival Artlantico na Costa da Caparica em 1987 é do Jorge Colombo?), uma lacuna que um estudo de âmbito mais científico ou monográfico reclama mas que também seria de manifesta utilidade num projecto informal e cronológico como este. Nada que retire mérito, lhaneza e validade ao notável conjunto duplicado, uma espécie de prova de vida, como notado num dos testemunhos de contexto, e que constitui um verdadeiro free pass carimbado para múltiplas e incontáveis viagens no tempo e espaço... Ficamos, por isso, à espera do segundo volume.
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