segunda-feira, 21 de março de 2016

UM POEMA NOSSO!





















Há precisamente 40 anos a XIII edição do Festival da Canção que se realizou em duas datas de Fevereiro e Março de 1976 decorreu de forma inédita - o convite polémico da RTP a Carlos do Carmo para interpretar as oito canções seleccionadas mediante candidatura prévia dos compositores e letristas, resultou numa qualidade geral excepcional e talvez inigualável onde se destacam temas clássicos como "Estrela da Tarde", "Cantiga de Maio", "Novo Fado Alegre" e "Flor de Verde Pinho" que acabaria a eleita pelos votos do público. Todas viriam a fazer parte de um álbum curiosamente chamado "Uma Canção Para Europa" gravado ainda nesse ano e do qual existem em vinil, pelo menos, duas e raras versões. Seria, entretanto, reeditado em 2013 nos âmbito das comemorações dos 50 anos de carreira de Carlos do Carmo.

Mas há uma dessas canções que, no nosso caso, se tornou inesquecível. Classificada em terceiro lugar na tal votação pública, "No Teu Poema" é talvez o exemplo máximo do que deve ser um poema musicado, um legado de uma "portugalidade" sem tempo e que nos estremece sempre que o ouvimos. O autor de tal proeza chama-se José Luís Tinoco, um talentoso e multifacetado artista que foi devidamente reconhecido o ano passado com o Prémio de Consagração de Carreira pela Sociedade Portuguesa de Autores e que, sem se assumir como poeta, escreveu para todo sempre "o" poema que acaba por ser nosso e de ninguém. Merecia ser lido e proclamado em voz alta neste Dia Mundial da Poesia e em todos os outros dias...

No teu poema
existe um verso em branco e sem medida,
um corpo que respira, um céu aberto,
janela debruçada para a vida

No teu poema existe a dor calada lá no fundo,
o passo da coragem em casa escura
e, aberta, uma varanda para o mundo

Existe a noite,
o riso e a voz refeita à luz do dia,
a festa da Senhora da Agonia
e o cansaço
do corpo que adormece em cama fria

Existe um rio,
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte

No teu poema
existe o grito e o eco da metralha,
a dor que sei de cor mas não recito
e os sonhos inquietos de quem falha

No teu poema
existe um cantochão alentejano,
a rua e o pregão de uma varina
e um barco assoprado a todo o pano

Existe um rio
O canto em vozes juntas, vozes certas
Canção de uma só letra 
e um só destino a embarcar
No cais da nova nau das descobertas

Existe um rio
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte

No teu poema
existe a esperança acesa atrás do muro,
existe tudo o mais que ainda me escapa

e um verso em branco à espera do futuro

(José Luis Tinoco, 1976)


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