segunda-feira, 16 de junho de 2025

MARIA REIS + NUNCA MATES O MANDARIM + HORSEGIRL + PARCELS + DESTROYER + SQUID + TURNSTILE + FLOATING POINTS, Primavera Sound Porto, 14 de Junho de 2025

















O peso da idade, o nosso e o do próprio festival, encarregou-se de fomentar uma desmotivação crescente que se vem acentuando desde que no parque da cidade se instalou um palco inexpressivo, enorme e bruto, como recurso, dito, atractivo. O preço incompreensível dos bilhetes e de umas supostas taxas, tratou de acrescentar-lhe, à tal desmotivação, condicionantes a roçar a proibição e, por isso, nada como ser selectivo quanto baste. O dia de sábado foi, pois, o escolhido para fazer do festival um género de "circuito vintage", período onde foi possível prescindir da avantesma e insistir em roteiros à moda antiga. 

A tarde, solarenga e ventosa, começou no palco de sempre, o Super Bock, espaço perfeito para iniciar trajectos e despertar sensações. Coube a Maria Reis, que nos últimos tempos se têm aventurado nos teclados de suporte a Panda Bear, aplicar aquela dose adequada de protector anti-indiferença, uma presença nestas andanças que desde 2015, na versão (em pousio?) Pega Monstro, já não repetíamos. Foi na guitarra desenfreada, virtude eriçada de travo indie e crueza, que as canções escolhidas se confirmaram de validade e enorme potencial, apresentadas que foram na sua forma rasgada e acelerada. Uma reinvenção daquilo que um power trio pode e deve obter, no caso, com a enorme vantagem de ser cantado em português inteligente e, cada vez mais, essencial.

 

Rodando à direita, salvo seja, a imensidão do palco principal (sim, será sempre este) sugeria um risco questionável. Aos muito portuenses Nunca Mates o Mandarim foi atribuída a façanha de animar o maior dos relvados, mas o cálculo espertalhão afigurou-se um relativo êxito, ora não fossem as canções uma fornada regional de pop inofensiva e liceal que muitos dos amigalhaços e familiares já dominavam na boa. Percebe-se a aposta, repara-se na herança Veloso/Abrunhosa/Zambujo, sem que se escondam as virtudes de um passeio pimba que a versão de "Uma Bela Portuguesa" arriscou no ginçanço. Até os asiáticos gostam, como testemunhado à nossa frente, na adesão espontânea de um parzinho balançante. Parece que o trio vai editar novo álbum, servindo a oportunidade para a estreia de alguns inéditos típicos de que "Gin na Mealhada" é exemplar de semelhança paradigmática - "ficha tripla de indie-pop-rock almeja, um dia, cruzar-se com uma letra sua grafitada numa parede da baixa do Porto.". Se ainda não aconteceu, vai acontecer, mas ninguém quer saber. Tabénhe abelha...

 

Mais sério, sem que melhor, foi a estadia sensaborona das Horsegirl em cima do estrado. Dizem-nos que o álbum que gravaram no estúdio dos Wilco em Chicago, e que contou com a supervisão de Cate Le Bon, é até de especialidade recomendada, mas a dose trazida até ao Porto pareceu-nos bastante requentada. Algo amedrontadas, distantes, física e emocionalmente, o alinhamento só a espaços coartou uma dormência de culpa própria que talvez tenha uma explicação na viagem intercontinental do próprio dia. Mesmo assim, percebeu-se alguma da capacidade naif de texturar canções destinadas a um requisito de intimidade que um parque ao ar livre não permite e que, talvez, encontre melhor reduto num qualquer recanto de um bar ou blackbox das redondezas. Se isso vier a acontecer, confirmamos, desde já, a presença!

 

Com excepção do genial Brian Wilson em 2016, sejam bem-vindos ao maior sunset da história do festival! Os australianos Parcels arriscam-se a ter em Portugal um summer stage contínuo e imbatível de, ao vivo, propagarem uma festa de dimensão irresistível. Não se enganem, contudo, que o alinhamento, as sequências, as posturas e os trejeitos estão há muito treinados e entrosados num género de setlist instrumental estudada com tanto de rigor como de sabedoria. É funk, é pop orelhudo, é disco, é a chiqueza do baixo e da guitarra a la Bernard Edwards e Nile Rodgers exponenciadas ao limite do suportável e que convida, sem esforço, ao êxtase colectivo. Juntem-lhe muitas imagens em directo captadas por um sexto elemento com vocação e função de aumentar, pelo pormenor, as expressões e os sorrisos, mas fere a legitimidade do espectador ter que levar com o rodar contínuo da enorme câmara na frente de palco. A previsível convocatória da amiga Maro talvez fosse dispensável, sendo a festa agigantada por um abençoado banho de sol e só faltará, um dia, experimentar a versão nocturna do forrobodó. 

[Não haverá disponibilidade de imagens em movimento que, apesar de captadas, não são permitidas na divulgação por rigorosos e automáticos direitos de autor. Fica a fotografia... do atropelo.] 





 







A verdadeira instituição em que se transformaram os Destroyer do senhor Dan Bejar, um estatuto conferido a uma carreira de trinta anos ao serviço do prazer, não impediu que o horário escolhido fosse aquele em que as massas têm de ir para a fila do prego ou da bifana, o que acabou por ser uma bênção - quem alinhou, e não foram poucos, sabia ao que vinha, sabia ao que ia e sabia que era imperdível. Lembramos bem do bálsamo proporcionado pela banda no mesmo palco, o melhor, há nove anos atrás na tarde de Brian Wilson e logo depois de uma planante exibição de Cass McCombs e não seria difícil adivinhar que teríamos recompensa do mesmo calibre. Não duvidamos que muitos compraram bilhete só para os ver e nenhum, certamente, se arrependeu da aposta em tempos de apresentação de mais um magnífico álbum chamado "Dan's Boogie" e onde, como quase sempre, nos perguntamos "mas como é que isto resulta tão bem?" 

A figura de Bejar é, por si só, de inenarrável descrição na atitude em palco de cabelos ao vento e mão no bolso, camisa desalinhada e pequeno microfone agarrado quase sempre de forma aninhada. Depois é a alienação das letras das novas, e excelentes, canções como "Cataract Time" ou "Bologna" ou das velhinhas e obrigatórias "Kaputt" ou "Times Square", que se entrelaçam a um fundo instrumental inconfundível em que os solos de guitarra se misturam com o esticar de um trompete, um baixo hookiano e as pancadas de uma bateria, por sinal, demasiado chapadas. O acerto acústico foi, felizmente, crescendo mesmo a tempo de "The River", incandescente, poder-se-á dizer, balada em crescendo que bate e bate até aterrar não sabemos onde! Dirão os experts "que isto é música de nicho", pois que seja, não queremos outra e o festival, se ainda tem algum mérito, é mesmo o de proporcionar alguns milagres. Os Destroyer, ali e agora, foram a prova de que eles ainda continuam a acontecer. Sobrenatural!     

 

Não sabemos quando é que os Squid irão ter direito a palco principal num festival português. Será irrelevante, desde que a banda inglesa continue a comparecer por cá anos seguidos, felizmente, todas boas oportunidades para absorver de uma energia ainda pouco contaminada pela sobre-exposição. Cada vez são mais a agarrar-se à hélice de um projecto rotor propulsado a quinteto instrumental de eficácia certificada, capaz de levantar poeira e multiplicar empurrões a mil por minuto. Um caso sério e assertivo de como o rock ou o punk, mesmo que pós-qualquer coisa, continuam vibrantes e lutadores. Indispensáveis!


No olho do furacão, mesmo fazendo figurinha de estranho, estacamos no concerto dos Turnstile à procura de explicações para a enchente, os coros colectivos e o mosh. As respostas, às tantas científicas, talvez nãos sejam de dificuldade suprema, já que o estilo hardcore tem raízes antigas que, amiúde, crescem de forma desmesurada, mesmo que reavivado na fórmula e na onda. Percebemos, pois, que a banda americana é capaz de despachar cinco canções em dez minutos, que o faz sem falhas e cerimónias, mas já não temos filtros activos para aguentar tamanho turbilhão. Baixem o torniquete p.f.
  

Chama-se Samuel Shepherd, é um inglês de quase quarenta anos e é especialista em música electrónica nas suas variantes de produção, composição, mistura e djing. Nessa múltipla dimensão, passou a lançar discos como Floating Points a que nunca ligamos pevide, mas em 2021 foi dele o projecto de juntar o saxofonista de jazz Pharoah Sanders (1940-2022) à London Synphony Orchestra, registando em estúdio composições suas em nove movimentos a que chamou "Promises". Um monumento!

Foi, assim, em sua homenagem e também para lhe fazer uma vénia à distância, que aguentamos até às três da manhã, mesmo sabendo que do palco do recinto relvado nada se ouviria da referida obra prima. De lá, envolvido por luzes e imagens de recortado bom gosto, foi (d)isto que se serviu...

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