Ela não podia faltar e não faltou logo em "I Am Rage" com que abriu o pequeno set, escolhendo imagens de fundo de autoria própria, uma vertente artística tarimbada em anos de estudo e prática, e que se haveriam de mostrar notáveis logo de seguida na referida "Feminist Song", em "I Thought I'd Live Forever" ou "I Will Never Wear Stilettos". Agitadora, mas, mesmo assim, algo nervosa, foi com "Causing Trouble Again", do mais recente álbum na Third Man Records (2025), que um coro alto da plateia se fez ouvir, em bom som, na simplicidade de um grito: trouble... agitpop do bom!
Dois anos depois, Devendra Banhart voltou ao Theatro Circo para uma esperada redenção. Não seria difícil fazer melhor que a falhada estadia de 2023 e a faceta de "sozinho em palco" mostrava-se como sendo a adequada para que a estrela se invertesse no brilho. Sem dificuldade, Devendra cedo se mostraria fino, delicado, intenso, mesmo que uma certa anarquia no alinhamento das canções tenha rodado o serão num corrupio em que emergiu muita boa disposição à volta de microfones, bexigas, casas de banho e algum portunhol...
A proposta transmitida em jeito de aviso consistia numa sugestiva ordem cronológica dos seus melhores temas, começando pelos mais antigos, pretensão parte cumprida, parte subvertida sem consequências. Acabou por faltar umas das nossas preferidas ("Daniel"), talvez alinhada, mas esquecida, substituída de certeza por outra ainda melhor, todas de acústica refinada e certeira em que a voz se elevou, desta vez, a nível de excelência. Apesar da dupla sugestão da plateia, interacção autorizada previamente, de "Santa Maria da Feira" soaram só os primeiros dez segundos, brincadeira que foi também aplicada a outras como "Quedate Luna", mas só pelo tratamento dado a uma inesperada "Carolina" não são requisitadas quaisquer desculpas.
Quanto a versões, que afinal ninguém sugeriu (podia ser o "Pink Moon", em dia funesto para Nick Drake, ou o "Leãozinho" que calhava sempre bem), Devendra convidou Gina Birch para uma variação de "Rilkean Heart", pérola antiga dos Cocteau Twins, parceria improvisada longe da perfeição, mas de merecida cortesia à companheira de curta partilha e de longínqua veneração.
Playing solo (giving it a shot), assim se chama a actual digressão, foi, pois, isso mesmo, a sinceridade de um artista dono de um cancioneiro robusto, envolto de envelhecimento activo ainda essencial e de deliciosa fruição, não estranhando que, passados mais de vinte anos, a cada aproximação ao nosso país as salas continuem a esgotar-se de ansiedade e de vibração. Foi um placer...














