RESPECT
de Liesl Tommy. E.U.A.; Metro-Goldwyn-Mayer, 2021
TVCine Top, Portugal, 20 de Maio de 2022
A simples hipótese de ser realizado um filme sobre a vida de Aretha Franklin levantou imediatos receios e fantasmas a que a indústria cinematográfica parece sempre imune e distante desde que o negócio se multiplique em lucro. A ascensão como cantora e compositora, desde quando, em criança, cantava no coro da igreja onde o pai era pastor até ao difícil e demorado êxito de reconhecimento internacional, não foi uma caminho sem barreiras e problemas, muitos deles perfeitamente inalterados e actuais na sociedade americana, onde o racismo, a violência doméstica ou a independência artística são ainda espinhos crescentes e venenosos.
Partíamos, assim, para este biopic sem grandes expectativas a que um adiamento na estreia foi somando mais desconfiança mas que, afinal, não fazia sentido. Talvez pelo desempenho de Jennifer Hudson no papel principal, pelas notáveis reconstituições de ambientes e guarda roupa ou pelo transcendente engenho na reprodução das canções e dos momentos de gravação e estúdio, a película ganha uma entretida e eficaz faceta de musical cuidado e exigente que, mesmo assim, não se sobrepõe à penumbra dolorosa de uma vida que uma precoce morte da mãe acelerou em descontrolo, abuso sexual e traumáticos relacionamentos amorosos. Nada se esconde, nem o alcoolismo perfurante da confiança e de um profissionalismo que a indústria, já nessa altura, assumia como natural mas, que no caso, ganhou velocidade perigosa de desintegração artística e pessoal. A música, como vaticinado desde a juventude de Aretha, seria a tábua de salvação...
E que tal um álbum de gospel para dispersar as nuvens negras, serenar conflictos familiares e retomar trilhos antigos purificadores? A jogada, arriscada e por muitos incompreensível, haveria de resultar numa vitória inesperada e retumbante registada ao vivo em plena igreja perante velhos amigos e admiradores, momentos que o filme "Amazing Grace", finalmente disponibilizado em 2019, documentou de forma sublime. É dessa felicidade contida mas estimulante que o filme se serve para encerrar da melhor forma um enredo biográfico aparentemente abreviado mas suficiente para confirmar a sua merecida coroação como Rainha da Soul, a única. Respeito!
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