Ao fim de dois anos de interrupção, o festival da cidade regressou ao local habitual, parque de excelência agora finalizado na ligação marítima a obrigar a alterações logísticas no acesso principal e na organização da zona de alimentação e do palco no cimento (Cupra). A fluidez dos percursos e dos atendimentos cedo foram postos em causa pela notória multidão já em circulação e com a previsão de um caos de difícil controlo.
O ajuntamento foi logo notório no palco arborizado (Binance) para receber os Penelope Isles dos irmãos Lilly e Jack Wolter, quarteto britânico que ali estreou ao vivo a inédita contribuição de uma violinista. A recepção a uma sonoridade melodiosa de pop areado foi condizente, abençoada por muito sol, calor e bebidas frescas mas havia uma promessa para cumprir do outro lado do recinto...
Os Diiv surgiram há mais de uma década e o álbum de estreia "Oshin" de 2012 cedo motivou elogios e adoração. Desde aí, não foi possível concretizar comparências em apresentações ao vivo que a pandemia adiou irremediavelmente mas a aspiração teve, finalmente, materialização. A enchente surpreendeu o próprio Zachary Cole Smith e o resto da banda que, não se fazendo rogada perante a ocasião, fortaleceu ainda mais o mito com um concerto eficaz e comemorativo do disco referido de onde saltaram os temas mais aplaudidos. O incontornável "Blankenship" do último "Deceiver" serviu para, no final, selar em definitivo a aliança decana e duradoira!
Para a australiana Stella Donnelly, mesmo na condição de substituta de Japanese Breakfest, a dimensão do palco principal não foi motivo de susto. Divertida e descontraída, agarrou pela animação alguma da atenção dos muitos presentes com temas orelhudos entre coreografias de dança, coros a meias e versões inesperadas como a de "Love Is In the Air" do conterrâneo John Paul Young. Boa surpresa!
A senhora Kim Gordon não parece envelhecer. Fibra sónica de calibre firme é a receita de uma longevidade activa que se associa a um experimentalismo obrigatório de respiração possante. Se lhe juntarmos um charme feminino que enche qualquer palco a qualquer hora, a grandeza do momento mediu-se sempre em alto e consistente nível.
Não temos dúvidas quanto à magnificência de Nick Cave. Os últimos tempos de uma atormentada vida familiar foram sempre superados por novos discos e novos projectos ao lado da outra família, a profissional Bad Seeds, que o eleva ao vivo à categoria de deus humano. Não sabemos se foi de ter ido molhar os pés ao Senhor da Pedra ou do almoço em Miramar, a terceira passagem pelo Parque da Cidade desde 2013 pareceu-nos a menos consistente, nada que embacie a imbatível capacidade de hipnotizar a multidão pela proximidade e interacção com as filas da frente intervalada por momentos ao piano de beleza descarnada. Mas quando "Red Right End" finou, estava na hora de cometer um sacrilégio e trepar a colina para alcançar um outro cume que se antecipava luminoso...
Os Black Midi, alguém vaticinou há meia dúzia de anos atrás, vão ser grandes. À previsão mais que confirmada em dois/quase três discos de originais só faltava o concerto ao vivo e o momento certo. No escuro e até aconchego do arvoredo, recolhiam-se muitos que preferiram um murro no estômago bem mais forte e saboroso mesmo que sem a presença de um saxofonista que, também nos avisaram, se faria notar. O colectivo londrino arrasou a audiência sem contemplações num desconstrucionismo rock de tormentoso teor que preencheu medidas e transbordou de potência. Imenso!
Entre deambulações pelos palcos activos e goles em cerveja morna, paramos na frente de um deles para acompanhar uma dança colectiva picada pelo que saía da amplificação e pela agitação em cima do estrado. Chamam-se Mura Masa, só agora o sabemos, e partiram muita loiça pela vibração electro-soul rodada de um trio de vocalistas e do comandante Alex Crossan nos samples e bateria. Valeu!
O que Kevin Parker criou em 2007 na natalícia Perth australiana transformou-se num monstro chamado Tame Impala que não parou mais de crescer. Não sabemos quando é que a dimensão do fenómeno vai sequer começar a minguar mas, atendendo ao final de noite do primeiro dia do festival, esses tempos parecem afastados em definitivo. A "besta" tem um aspecto visual de camuflagem espectacular que quase nos distrai da qualidade dos hinos, uns a seguir aos outros, mas que nem as luzes, os lasers ou os efeitos estróbicos conseguem abafar. Podemos até questionar se essa envolvente cenográfica é um exagero inútil, o que não é verdade, mas foram mesmo as canções tocadas por uma corporação escondida pela cortina luminosa que produziu a fórmula do principal efeito energético, isto é, diversão + comunhão = festa!
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