terça-feira, 13 de abril de 2021

(RE)LIDO #98






















TOM WAITS BY MATT MAHURIN
 
de Matt Mahurin. New York: Abrahms, 2019 
Quando do alerta sobre a publicação deste livro a intenção era chegar a tempo de uma edição especial que incluía uma ilustração devidamente assinada pelo autor. Não o conseguimos e, por isso, restou-nos a opção pela encomenda dita normal que é, ainda assim, um monumental objecto artístico em papel couché que nos orgulhamos ter na estante e a que só agora demos a devida e prazeirenta atenção. 

No seu formato de álbum de 30x30 centímetros, a colecção de fotografias, ilustrações e algumas pinturas originais realizadas pelo artista Matt Mahurin ao lado de Tom Waits funciona como uma colaboração unívoca e sem disfarces de uma amizade cimentada ao longo de trinta anos. Em mais de cem filmes fotográficos guardados como tesouros estavam provas reveladoras dessa conivência e partilha ainda por descobrir onde o autor se emaranhou mais profundamente, escolhendo pérolas esquecidas e abordagens inesperadas de um mundo carregado quase sempre de negro em que Waits, ao jeito de musa inspiradora, se transforma em personagem teatral de cenografia surreal e poética. Misturam-se registos, poucos, de actuações ao vivo, não os mais óbvios nem nítidos mas alguns instantâneos propositadamente desfocados ou sobrepostos que melhor emparelham com o mundo onírico das canções de Waits. 

Tamanho peso tácito e alegórico, longe do tradicional e indesejável autoretrato, proporciona ao leitor uma visão inspiradora e cinematográfica de um universo que, apesar de imediatamente expresso em alguns videos que Mahurin realizou para temas do amigo Waits, se alarga a uma fantasia sufocada pela incredibilidade e rugosidade de uma vida artística definitivamente indecifrável na sua plenitude. A cada página levanta-se uma caótica poeira imagética carregada de simbolismos e acepções (alçapões?), um caleidoscópio de patina emulsionada pelo mistério e pelo talento de uma dupla intencionalmente interessada em, para lá do gozo, surpreender pelo arrojo. 

Cada quadrado de papel, cada fracção de cor ou sépia é como se fosse uma peça de um puzzle manual recortado com requinte de curador vs artista na definição cúmplice do discurso expositivo de uma imensa galeria onde podemos entrar e sair ou tornar a entrar ao jeito de uma canção que acaba e que, afinal, vamos ouvir outra vez com atenção e prazer mesmo sem lhe saber o nome. Brilhante criação!   


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