Retrato de uma vida e de Portugal com outra música
de José Jorge Letria. Lisboa: Clube do Autor, 2016
A actividade literária de José Jorge Letria evidencia nos últimos anos uma vontade frenética de não puxar o travão de mão. Como poeta, compositor, cantor, jornalista, presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, antigo vereador de cultura ou simplesmente cidadão português preocupado com as injustiças e desigualdades, as obras contínuas que não pára de editar são, entre outras evidências, um reflexo activo do gosto pela memória histórica e documental que tem na amizade e companheirismo um novelo biográfico quase ilimitado. Se lhe juntarmos um esforço académico voluntário transposto para um doutoramento em ciências de comunicação ou o difícil desafio em que a promoção cultural mergulhou nos últimos tempos, percebemos que estará ainda muito por contar e fazer.
Como autor de canções envolvido num movimento de intervenção agitado no período prévio e posterior ao 25 de Abril, há já um excelente testemunho (2013) ao qual demos particular atenção e que tem neste livro um complemento directo mas, mesmo assim, menos interessante. Dividido em três partes, na primeira delas intitulada "Portugal com outra Música" narram-se episódios onde os amigos Zeca Afonso, Ary dos Santos ou Carlos Paredes são protagonistas de alguns factos caricatos ou involuntários de intriga política e artística que remetem para os tempos sonhadores do pós-revolução e onde transparece alguma desilusão e incómodo com partidos e sistemas políticos que a queda do Muro de Berlim haveria de desmoronar sem rodeios. Atendendo ao subtítulo e até à fotografia de capa ao lado desses companheiros de palco, a escolha sabe a pouco.
Percebe-se, então, que a outra música é afinal um avivar de lembranças diversas com pano de fundo pintado nas traições políticas e jornalísticas onde desfilam nomes de ministros, dirigentes, escritores ou outros autores a que se associam motivações e êxitos alcançados fora dessa militância e que se alonga, na parte subjacente, a relatos de viagens pelo mundo na qualidade de autor e, principalmente, vereador de cultura na Câmara de Cascais, actividade reconhecidamente meritória e elogiosa. Resta, assim, uma última porção bem mais poética e pessoal alusiva à família, aos livros e aos sonhos de uma vida que, se nota, não terminaram nem podem terminar. Basta não enganar o coração...
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