quarta-feira, 13 de abril de 2016

(RE)LIDO #72
















E TUDO ERA POSSÍVEL
Retrato de juventude com Abril em fundo
de José Jorge Letria. Lisboa: Clube do Autor, 2013
O mês de Abril é no âmbito da nossa actividade profissional um período agitado por inúmeras iniciativas expositivas à volta da Revolução dos Cravos. Uma delas recai sobre as canções gravadas em discos de vinil antes e depois da ditadura e, a partir deles, surgem amiúde uma série de pormenores e significados que sempre nos despertaram uma imensa curiosidade. Nada melhor, então, que procurar as respostas adequadas em forma de livro, sendo este o primeiro que escolhemos para iniciar a demanda.

O autor, José Jorge Letria, hoje presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, viveu bem de perto esses tempos agitados. Cedo dedicado à poesia e às canções, foi no jornalismo que encontrou a profissão efervescente que lhe permitiu participar em momentos chave quer de preparação do golpe militar quer na intensa agitação política e social que se seguiu e em que a música ao vivo ocupou particular papel representada pelos seus principais cantores e artistas, de José Afonso e José Mário Branco a Carlos Paredes, entre muitos outros. Há nas pequenas histórias de meia dúzia de páginas uma aprazível memória que nos conduz a acontecimentos inesperados da história portuguesa, como o da noite em que a "Grândola Vila Morena" foi cantada em jeito de desafio em pleno Coliseu de Lisboa ou o mítico jogo de futebol de Chico Buarque e respectiva banda brasileira contra um grupo português de artistas amigos e que resultou no amuo de um Buarque que nem a feijões gosta de perder, história que inspirou aliás o filme documental "Meu Caro Amigo Chico". Nota-se uma intensa paixão e sensatez de Letria em muitos dos relatos que se propôs contar, particularmente saborosos na caracterização das velhinhas redacções de jornais como a da "República" ou do "Diário de Notícias", períodos de viragem vorazes vividos sem freio. Mas é na nostalgia de uma vida enegrecida pela censura que a viagem a Paris para a gravação do primeiro álbum adequadamente intitulado "Até Ao Pescoço" em 1972, na companhia de José Mário Branco, surge como o momento chave de uma vida que rapidamente haveria de se multiplicar em melindres e inquietações. E tudo era possível, suspirava o autor, mas um notório desalento com a política, o jornalismo e, principalmente, as canções, levaram Letria a afastar-se da vida artística para se dedicar essencialmente à escrita e à promoção cultural, actividades merecedoras de prémios e reconhecimentos diversos. Um livro simples e desassombrado que funciona como um eficaz introdução panorâmica a quase duas décadas da sociedade portuguesa, cumprindo assim da melhor forma a nossa escolha para tentar entender, sem esforço desmesurado, um momento único de esperança colectiva.

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