sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

(RE)LIDO #112





















LOVE ME DO! A ASCENSÃO DOS BEATLES
 
de Michael Braun. Lisboa; Guerra e Paz, 2022 
A chamada Beatlemania teve documentos cinematográficos que, da melhor maneira, expressam a extravagância vivida com a explosão dos The Beatles no Reino Unido, uma contaminação que se espalhou de imediato a outros países europeus e, logo a seguir, aos Estados Unidos. Quem viu "A Hard Day's Night" de 1964, realizado por Robert Lester, não tirou o sorriso dos lábios pela pantomina do enredo da própria banda a fugir de fãs, da imprensa ou da polícia... Se lhe juntarmos o documento ao vivo "Eights Days A Week" sobre o mesmo período bizarro em que a banda subia a um qualquer palco, desde o Cavern ao Budokan, o fenómeno alcança, a esta distância, laivos de incompreensão e difícil esclarecimento. 

Certo é que logo em 1964 foi editado um livro sobre o assunto, por sinal, o primeiro sobre os The Beatles. O seu autor, Michael Braun, era um escritor americano destacado para Londres para passar três meses com os quatro rapazes e respectiva entourage, desde a digressão de seis semanas pela Inglaterra de 1963, passando pela estreia em Paris e a primeira viagem aos E.U.A. (Fevreiro de 1964). 

Aproveitando o embalo e o sortilégio, reuniu sem cerimónias algumas memórias vivas sobre a ascensão dos Beatles com "Love Me Do", o primeiro single de sucesso e, logo depois, com "Please, Please Me" que se instala no primeiro lugar do top. A compilação dos eventos, dos corropios ou desabafos e das muitas facetas de um sintoma a que ninguém ficou indiferente foi descrita como "o melhor livro dos Beatles de todos os tempos" que a frase de Lennon de 1970 "um livro verdadeiro. Ele descreveu-nos como éramos, uns safados." acabaria por corroborar e fortalecer. 

Quase sessenta anos depois, o relato mereceu edição portuguesa e, sim, foram essas as frases que se estamparam na capa a sobrepor uma fotografia da época dos tais quatro safados em pose de borga, certamente, perante uma multidão de máquinas fotográficas. Confirmamos, desde já, o que Lennon sentenciou de forma sincera, e será muito difícil existir um outro livro que se possa ler que o ultrapasse. Mantem-se fresco, apurado e incisivo na escolha dos factos e circunstâncias a que se junta uma selecção frenética de incidentes, piadas ou conversas privadas que se vão interpondo com cartas verdadeiras das fãs, relatos dos jornais, comentários de corredor ou anúncios de rádio. Tudo ritmado de forma eficaz e em que os ambientes são quase sempre de euforia e festa mas também de troça, humor negro e muita pândega vigiada por agentes, managers, forças policiais ou até embaixadores. 

Os Fab Four eram, já aí, geniais e mesmo imbatíveis no avolumar de um novelo que não sabiam quando iria parar mas que queriam continuar a enrolar com prazer e satisfação. Não há por aqui lugar a tristezas, desgraças ou traições. O rolo compressor do relato é, de certa maneira, asfixiante e propositado ou não fosse a pressão vivida uma incontrolável alienação colectiva que, mesmo sem querer, mudaria muitas mentalidades, hábitos e padrões. Estamos, assim, perante um verdadeiro clássico da literatura, do rock e até da sociologia da cultura.. e da loucura. Obrigatório!


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