segunda-feira, 12 de junho de 2017
SONGHOY BLUES+ELZA SOARES+WAND+THE GROWLERS+SHELLAC+MITSKI+METRONOMY+WEYES BLOOD+JAPANDROIDS+APHEX TWIN+TYCHO, Primavera Sound Porto, 10 de Junho 2017
E ao terceiro dia, o festival já merecia um começo assim, animado, diferente, relaxante, isso mesmo, um tonificante para a última maratona que se adivinhava dura. A loção vigorosa veio do deserto do Mali, chama-se Songhoy Blues e foi distribuída a uma moldura apreciável de pessoas que responderam ao chamamento ritmado que, num ápice, se espalhou pelo relvado já menos frondoso do palco arboral. Um momento de partilha assinalável e inesquecível e, por isso mesmo, obrigatório em qualquer top de concertos da edição deste ano!
Quanto a Elza Soares, sentada no seu trono cimeiro, embora encoberta muitas vezes pela intensidade do sol, foi igual a si mesma - animada, desafiadora e até imperial nos apelos fortes contra a descriminação e violência sobre as mulheres ("mulher tem que gritar") ou na homenagem vincada à transsexual Gisberta assassinada brutalmente no Porto em 2005. Para todas as reivindicações serviu-se de uma mão cheia de canções enormes onde o samba, a bossa nova e a MPB se reinventam através de um notável conjunto de músicos e que teve resposta à altura entre a plateia acolhedora. Apesar de arriscada, a aposta estava ganha e a todos os pedidos da rainha de "quero gritos" vamos continuar a responder de bom grado "ahhhhhhhhhhhhhhhhh"!
Chegava a hora de uma primeira ronda por outros palcos mas logo na primeira paragem demos conta que em frente aos californianos Wand estava uma verdadeira multidão interessada e nitidamente satisfeita com o que ouvia. E o que soava não era de fácil descrição, uma jam psicadélica de camadas consistentes em que a guitarrada se afirma e eterniza em ondulações estranhas e que talvez explique, ou não, porque é que parte dos membros fazem parte dos The Muggers, a rectaguarda instrumental com que Ty Segall tem feito a festa desde o ano passado. Valeu!
Na descida para o palco principal batido pelo sol, a toada dos The Growlers servia de embalo a uma maioria espraiada na relva entre copos de vinho e cerveja, mas havia alguns, parecerem-nos muitos, que se ocupavam em desfrutar do momento de uma forma mais eficaz. Brooks Nielson continua imparável naquela atitude desmazelada de quem está ali só a passar um bom bocado não deixando o groove ir abaixo e a que lhe junta a sua voz nasalada a que ninguém fica indiferente. Um bom momento, na altura certa, mas a ronda tinha que continuar...
Torna-se quase obrigatório "marcar o ponto" num concerto dos Shellac, os totalistas do festival mas que nunca tocaram em nenhum dos principais cenários, cabendo-lhes desta vez em sorte e em pleno dia, fazer explodir o noise rock no parque mais retirado. Percebe-se a variação, mas o que é certo é que a adesão continua em alta e a banda, não se fazendo esquisita, repete a façanha como se fosse uma estreia. Concluímos, afinal, que tirando uma noite em Serralves, nunca chegamos a ver uma sessão do trio comandado por Steve Albini de princípio ao fim. Ainda foi não desta.
A questão das cotas artísticas para um evento com esta dimensão surgiu este ano em alguma imprensa. A primazia dada ao feminino no aquecimento do Hard Club indicia, aparentemente, que a organização concluiu que as mulheres tinham uma presença deficitária no alinhamento principal mas parece-nos que o assunto é supérfluo e sem sentido. Se foram poucas as eleitas para o Parque da Cidade, elas foram todas brilhantes sendo a japonesa Mitski mais uma prova que a quantidade nem sempre é sinónimo de qualidade - excelente concerto de canções rudes e adultas de forte inspiração pessoal e de uma subtileza desafiadora. Ouçam bem "Jerusalem" no video abaixo!
Já lá vão oito anos desde que os Metronomy passaram pela Casa da Música em formato trio, nos bons tempos em que o espaço portuense se dedicava ao pop-rock. Haveriam de voltar a Coura em 2011 já em começo de consagração e para o que associaram um baixista e um baterista a sério. Canções orelhudas como "The Bay", "Everything Goes My Way" e sobretudo "The Look" são, desde essa altura, verdadeiros clássicos dançantes e era deles de que todos estávamos à espera sem muitas demoras. Num alinhamento nada inocente, a colina rapidamente virou pista de dança e em pouco menos de uma hora os Metronomy alcançaram o pleno particularmente arrebatador quando se iniciaram os mais que conhecidos acordes do irresistível "The Look". Um concerto certeiro, sem rodeios e com a baterista mais sexy do mundo ou, quiçá, do festival!
Sem tempo a perder, na esperança que a menina Natlie Mering ainda estivesse à nossa espera, torneamos a multidão, aceleramos o passo e só paramos nas grades do palco Pitchfork onde Weyes Blood regressava ao norte do país. Seria um sacrilégio não tentar a sorte de ouvir ainda a sua voz e o esforço valeu-nos a felicidade de presenciar um pouco mais de dez minutos de excelência - uma versão inebriante de "Vitamin C" dos Can (em Guimarães tinha sido "A Certain Kind" de Robert Wyatt) e esse monumento chamado "Bad Magic", sozinha com a guitarra e que por si só se tornou num dos momentos mais arrepiantes do festival. Memorável!
Depois de um reabastecimento rápido e a precisar de um abanão, nada melhor que os trinta minutos finais dos Japandrois. Rock clássico de bateria e guitarra em versão mais grosseira e descarnada que o punk tão bem soube usar, a dupla canadiana esteve em permanente curto circuito sonoro e sem nada a esconder, uma perfomance energética e irrequieta que marcava o final de tournée e que servia de descompressor para ambas as partes, público e banda. O power só foi desligado quando terminou a carga desse estimulante chamado "The House That Heaven Built" e Brian King deixou literalmente cair a guitarra...
A dúvida, atendendo ao programa, estava em quanto tempo iríamos aguentar no concerto de Aphex Twin. Sem qualquer perspectiva sobre o que iria acontecer, o melhor seria procurar um local bem no meio do espectáculo para sentirmos efectivamente a validade do trabalho que o misterioso Richard James tinha preparado. Ficamos até ao fim, ou seja, duas horas! Não perguntem o porquê mas o conjunto de todas aquelas batidas abrasivas e experimentos sonoros aliados a uma espectacular sobreposição de luzes e imagens (se procuram as sátiras aos nossos socialites, políticos, artistas da bola ou do pimba, etc. elas estão no video abaixo ali a partir do minuto quinze) tornou-se de tal modo aditivo e alienador que, apesar de alguns momentos em que nos deu vontade de desistir, acabamos sempre a olhar para o palco e a simplesmente abanar o corpo. Um acto de resistência mas, ainda assim, recompensador.
E pronto, o festival caminhava para o fim mas o fim-de-festa tinha ainda uma agradável surpresa. Tycho, assim se chama o colectivo comandado pelo americano Scott Hansen, conseguiu encher a tenda com os seus instrumentais chillwave e um conjunto de imagens relaxantes que nos ajudou e de que maneira a "regressar à terra" e a mais uma vez sair do parque com um grande sorriso nos lábios. Até para o ano (7, 8 e 9 de Junho de 2018)!
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