A sequência do magnífico álbum "The Two Words" da irlandesa Brigid Mae Power, uma enorme ilha que esconde múltiplos e lindos ilhéus, tem retoma marcada para dia 5 de Maio próximo - através da Fire Records surgirá nesse dia o terceiro disco de originais "Head Above the Water" que foi registado no estúdio analógico The Green Door em Glasgow com a ajuda de Alasdair Roberts e do companheiro Peter Broderick.
Prometida está uma maior diversidade de abordagens ao folk e ou country que um quinteto de músicos reunidos nesse estúdio dinamizou em dez novos temas polvilhados de cordas e até de um bouzouki grego de forma a surpreender e encantar. Fica a primeira prova...
Para quem não compareceu ao concerto de Patrick Watson na Casa da Música na passada segunda-feira aqui fica uma versão integral do seu espectáculo captada ontem no L' Olympia parisiense em jeito de compensação à custa do canal Arte. Para os que foram... recordar é viver!
Certamente confiantes que o regresso ao passado é, ainda e sempre, a melhor das apostas, o duo inglês Young Gun Silver Fox insiste num terceiro álbum na fórmula habitual que reinventa o chamado yatch rock tão em voga pela costa oeste americana em plenos anos setenta, tornando-a válida e saborosa como nunca. Em "Canyons" há razões suficientes para prolongar como nunca a nossa adição por estas paisagens sonoras de óbvio ambiente soalheiro e salgado de mar mas também pelos sufocantes desfiladeiros ou gargantas californianas tal como evidencia o desenho da capa.
O primeiro dos temas que serve como single chama-se "Kids", inspira-se na filha do mais novo Young Gun e o respectivo video foi filmado no bar londrino Time Warp sob direcção de George Moore, o responsável pelo curta-metragem "Paul Is Dead" sobre uma eventual substituição de Paul McCartney nos Beatles... Só esperamos que não se esqueçam da respectiva e obrigatória rodela de vinil!
As férias de Erlend Oye não são bem férias... São sempre oportunidades de novas amizades, encontros, parcerias e colaborações com uma simples guitarra acústica tal como aconteceu na estadia pelo Chile em 2017 onde promoveu convívios solidários e onde tem regressado a cada verão sul-americano nem que seja para fazer as primeiras partes dos concertos de José González tal como aconteceu em Janeiro do ano passado. Há também um novo hábito que não dispensa o ukelele oferecido como prenda no seu quadragésimo aniversário (2015) pelo guitarrista italiano Luigi Scialdone e no qual se vai divertindo na composição.
Assim, destas viagens resultam óbvias inspirações e experiências traduzidas em canções como "Valdivia", nome de uma cidade central chilena onde confluem três rios e que se mostram no video que ilustra a novidade instrumental com a ajuda de La Comitiva e dos Stargaze, um outro trio de instrumentos de sopro. Ao seu lado há "Altiplano", mais um tema sem palavras, ambos a editar em breve pela Bubbles Records, casa do próprio criada em 2006 com o amigo berlinense Marcin Oz, o baixista dos Whitest Boy Alive.
Os temas foram registados no estúdio Saal 3 de Funkaus que Nils Fraham mantêm precisamente em Berlin e onde foi também fixada uma nova versão de "For the Time Being" dada a conhecer em Dezembro que transforma o original de 2004 ao lado dos Phonique numa pérola acústica com a cumplicidade da tal La Comitiva siciliana com quem partilha nos últimos tempos estúdios e palcos tal como ouvido e testemunhado por Guimarães em Maio de 2018. Já agora, Oye e o respectivo séquito estarão por Espanha em Abril para uma pequena digressão de quatro datas... festivas!
Provadas que estão as qualidades e atributos da menina Cate Timothy akaCate Le Bon em disco e ao vivo, torna-se desejável que a sua agitação artística não esteja muito tempo em pousio. Do último e excelente "Reward" saído o ano passado parece que sobraram uma mão cheia de temas inacabados que surgem agora sob formato de um EP curiosamente apelidado de "Here It Comes Again" ao lado do projecto Group Listening, um duo de músicos ingleses de tradição experimental e, por isso, do agrado da própria Le Bon que o ouviu de fio a pavio durante a composição do referido disco.
Temos, assim, um género de deconstrução arrojada de contornos ambientais registados em Agosto último na inspiradora região do País de Gales entre a azáfama das digressões e que em dois temas recebeu as vozes do amigo Ed Dowie, também ele uma alma interessada e praticante do inconformismo. A artista estará em intensa digressão americana com Kurt Vile nos próximos meses de Abril e Maio e tem uma aproximação à Península Ibérica agendada para o início de Julho (Festival Vida, Barcelona).
A inegável consistência da música de Emily Jane White merecia uma sala assim, a preceito e linda sem ser grandiosa, acolhedora sem ser imponente mas com gente interessada e curiosa em apurar os sentidos para a receber cordialmente e sem pressas como convêm. Não há nas suas canções razões para euforias ou assomos de alegria onde uma camada negra de luxuosa composição se faz desde sempre notar principalmente no último álbum "Immanent Fire", a razão principal da visita e da previsível contemplação.
Foi esse, então, o fio condutor de um concerto calmo que contou com a ajuda de um guitarrista/baixista e um baterista a que se juntaram pré-gravações ora de vozes ora das orquestrações para a apresentação da quase totalidade dos seus dez temas com destaque para "Washed Way" logo a abrir, "Surrender" e "Drowned", um assinalável trio de coesão sonora mas que foi permeado por recordações diversas como "Sleeping Dead" ou, salvo o erro, "Black Dove" sentada no piano. A todos, a notável acústica do recinto fez o favor de aumentar o mistério e a tensão de enlevo ainda mais vincado aquando de "Victorian America " e "Pallid Eyes", ambos já no único encore culminante de um serão de acentuada mas de agradável melancolia.
No sempre polémico e inconsequente deve e haver entre o festival Primavera Sound de Barcelona e o do Porto sobejam queixas do lado de cá quanto à penúria de grandes bandas e artistas sobrantes do menu recheado da Catalunha. Mas há, pelo menos este ano, uma bela de uma excepção que traz ao Parque da Cidade no sábado, 13 de Junho, os prometedores ingleses Dry Cleaning sem que seja conhecida qualquer estadia prévia em Barcelona!
A dádiva sonora que está em fase crescente de afirmação através da edição de "Sweet Princes", um primeiro EP saído em Agosto a que se seguiu um outro de nome "Boundary Road Snacks and Drinks" para que não restassem dúvidas quanto às potencialidades deste quarteto do Sul de Londres, tem em Florence Shaw uma arqueóloga digital de eleição na procura de vestígios largados na rede inspiradores dos quase murmúrios das líricas. Sendo assim, se os nosso amigos (ainda) espanhóis terão umas tais fontes da cidade de Dublin (Fontaines D.C.) nós por cá daremos toda a atenção a esta grande lavandaria a seco... e ao ar livre!
Adivinhava-se a vinda dos Destroyer a Portugal para concertos atendendo às datas da digressão pelo país vizinho e, assim, no Porto o jogo está marcado para o dia 30 de Junho, terça-feira, no recinto do clube visitado, o Hard Club. Ao comando estará, como sempre, Dan Bejar na apresentação das canções do último e excelente "Have We Met" entre goladas de infusões previsivelmente etílicas. Não haverá, contudo, controlo anti-doping!
A oportunidade de testar ao vivo os Big Thief em menos de dez meses merecia comparência óbvia e atempada mas afazeres profissionais mantiveram-nos retidos perigosamente e em desespero... A entrada no Hard Club ao som de uma canção que desconhecíamos, a última de um terceto de inéditos que, soubemos depois, a banda experimentou logo a abrir, soava contudo um pouco roufenha e estranha. A questionável qualidade da amplificação tinha, afinal, um motivo geek em fase experimental, um tal de headset em vez de um microfone fixo que permitiu a Adrianne Lenker ocupar por várias vezes o centro do palco numa postura praticada de forma receosa mas que foi melhorando à medida que o concerto também ele atingia um outro e elevado nivelamento.
Atendendo à experiência memorável de Junho passado, um fim de tarde festivo e descontraído de intensidade assinalável, a comparação com a noite em nome próprio no clube portuenses apresenta óbvios riscos. Pareceu-nos certo que quem esteve no Parque da Cidade voltou para confirmar a grandeza de um quarteto de amigos músicos juntos desde a faculdade que transparece sempre calmo, delicado e sábio na gestão de uma notável colecção de canções buriladas pela voz de Lenker de forma cristalina e, sinceramente, única. A tensão ondulante de temas mais calmos com o rasgar tenaz de outros e de que "Not" e o seu incontornável solo de guitarra mereceu fervorosa reacção entre o publico radiante, sugere um dedicado esforço no aprumo de um espectáculo sem truques ou subterfúgios e que tem na essência e pureza das canções um trunfo arrebatador que se entranha sem dificuldade e cujo o efeito dura, dura e dura... Como gostamos de ser "roubados" por estes magníficos ladrões!
Ao entrarmos, atrasados, no concerto de Vetiver já com o recinto repleto lá fomos reparando e confirmando o habitual cenário - uma grande parte do público completamente alheio ao que se passava no palco, em tagarelice e circulação contínua na procura dos amigos, da cerveja ou de um melhor e já inexistente spot para estacar, tornando-se evidente que a música de excelência que Andy Cabic apresentou só fez o devido efeito para quem, cauteloso, chegou cedo e se aproximou da frente. Mea Culpa... sem que, mesmo assim, sejam de apontar defeitos às poucas canções que fomos tentando ouvir entre o enervante ruído de fundo e que teve em duas delas, a acabar, a participação de um trio da banda principal perfeitamente oleado e engrenado neste folk distante para muitos mas compensadora para os mais prevenidos a fazer-nos suspirar por tempos passados. Foram deles, obviamente, as únicas palmas, fortes e todas merecidas!
Há qualquer coisa de magnético quanto à presença de Devendra Banhart em cima de um palco. Experimentados diversos dos seus concertos - da estreia longínqua em Santa Maria da Feira ao caos controlado de uma tenda de circo numa herdade alentejana e no pôr-do-sol galego, passando pela aparente austeridade da Casa da Música ou a intimidade inesquecível de um auditório espinhense - a expectativa com que encaramos as diferentes oportunidades foi sempre a mesma, ou seja, em "modo pulgas"!
A noite de sábado não foi excepção logo agora que havia dois álbuns - "Ape in Pirk Mable" e "Ma" - que ainda não tinham merecido visita ao vivo e que estão floridos de canções apetitosas e prontinhas para um deleite suave e prolongado. Como sempre, para o repasto Devendra rodeou-se de um quarteto de eleição em jeito de família unida e solidária que contou com a ajuda de Andy Cabic em alguns temas mas onde, contudo, nem tudo suou perfeito como o raio da guitarra acústica de fugir em "The Body Breaks", as várias tentativas - "intentos" - em falar português ou, caramba, os irrisórios vinte segundos de "Santa Maria da Feira" no início do encore! Apesar da simpatia, da informalidade e bonomia que transpareceu de início ao fim e que incluiu os habituais elogios à cidade por onde, aparentemente, se perdeu por entre as salas e parque de Serralves, os quinze minutos trapalhões a solo aparentaram também alguma desconcentração e hipertensão que os vários e simultâneos pedidos vindos do público aceleraram na confusão...
Claro que tudo isto se desculpa atendendo ao calibre de muitos outros momentos como o de um "Seahorse" vintage e poderoso, a surpresa disco "Fig in Leather" ou a eleição milagrosa de "Daniel" para evocar um disco de eleição chamado "Mala" e onde foi pescar outras maravilhas como "Mi Negrita" e "Never Seen Such Good Things". Para culminar a celebração faltava então a sempre agitada e vibrante "Carmensita" por entre baile generalizado. Guapa(o)!
A noite de namorados, uma tradição tão antiga e vincada na nossa cultura como preparar um bom sushi para a ceia de Natal, sugeria ser um tiro no escuro para a estreia (?) de Micah P. Hinson na cidade. Atendendo à resposta compacta que se juntou na cave do bar portuense onde se notavam, mesmo assim, alguns pares de amorosos com bom gosto, afinal fazia falta este reencontro tardio com o já não miúdo mas com cara de miúdo que não se cansa de fazer excelentes discos e que já não víamos em palco há mais de uma dúzia de anos.
Dessa noite bracarense, onde acender um cigarro era e ainda é proibido, recordávamos o perfeccionismo e até algum nervosismo de um jovem Hinson já bom contador de piadas e histórias que agora soaram ainda mais corrosivas e desafiadoras entre contínuos e aflitivos cigarros esticados na ponta da longa cigarrilha de forma a contornarem o microfone e a não queimar os lábios. Arrasador, provocante, teve sempre resposta pronta do público mesmo que algumas das trocas de palavras tenham azedado um pouco ou não fosse o assunto um tal de Donald Trump...
Fica-lhe a matar essa aura de looser de que se gosta sem enjeitar muita ternura pela subtileza das canções de um reportório já longo e vasto donde foi picando aleatoriamente exemplares únicos daquilo que o próprio chamou folk music mesmo que sejam, à sua maneira, inesperadas versões de "No Surprises" dos Radiohead ou, um pouco mais à frente, do hino tradicional "500 Miles". Da plateia soltaram-se alguns pedidos como "Close Your Eyes" prontamente atendido mas, mesmo sem que ninguém o tenha requisitado, lá apareceu subtilmente o incontornável "Beneth the Rose" para que não houvesse qualquer motivo para reclamações ou suspiros quanto a este inusitado e encapotado São Valentim que acelera pecados, dos bons, com uma simples e velha guitarra e até deita fumo!
A vida de Ryuchi Sakamoto pela cidade de Nova Iorque sugere, ainda e sempre, tempos inspiradores. Entre reparos e queixas quanto à música ambiente de alguns restaurantes e outros locais públicos e ajudas na homenagem a amigos músicos como Laurie Anderson que decorreu no princípio do mês no afamado Joe's Pub, o artista continua a não dispensar responder ao desafio para compor bandas sonoras para filmes, um hábito salutar de curriculum imparável.
No dia de amanhã, 15 de Fevereiro, surgirá mais uma dessas contemplações para a curta metragem "The Staggering Girl" a estrear na plataforma americana por cabo MUBI mas também disponível online. Em poucos de trinta minutos, Sakamoto serve-se, como sempre, do piano para se rodear de outros sons e subtilezas de onze curtos andamentos que ambientam de mistério um argumento onde se destacam os conhecidos actores Julianne Moore ou Kyle MacLachian e que tem realização do italiano Luca Guadagnino.
A edição do disco estará a cargo da Milan Records, casa que viu reconhecida a sua persistência e nobreza na última cerimónia dos Oscars com a aclamação da banda-sonora ao piano para o filme "Parasite" a cargo do coreano Bong Joon.
A harpa encantada da americana Mary Lattimore está habituada a prestar bondosos e sedutores serviços sonoros a amigos como Steve Gunn, Kurt Vile ou Sharon Van Etten. A última das colaborações traduziu-se no álbum "Ghost Forests" em parceria com Meg Baird lançado em 2018 e que no Outono desse ano daria direito a uma digressão com Kurt Vile que o Porto teve a sorte de presenciar mesmo que a oportunidade tivesse merecido o incompreensível desprezo da maioria.
Não há notícias de qualquer trabalho inédito de longa duração mas há boas novas - em Janeiro a harpista viu editada a sua contribuição para a série de singles da plataforma Adult Swim através de uma linda peça chamada "Polly of the Circus" inspirada no documentário "Dawnson City: Frozen Time" do também amigo Alex Somers, o que nos faz pensar que outras composições e aventuras estarão já na forja enquanto uma digressão por perto se faz adivinhar... Há, pelo menos, um concerto a solo agendado para 22 de Maio no Radar Estudios de Vigo e, quem sabe, um regresso ao nosso jardim à beira mar por onde já se passeou sozinha em 2016 no extinto festival "Jardins Efémeros" de Viseu.
Numa década atribulada quanto a entrada e saída de crises, os americanos Real Estate tiveram direito às suas mas sem nunca perderem o tino. Passado o incómodo assunto chamado Matt Mondanile, despedido da banda em 2017 por alegados maus tratos a mulheres, foi também nesse ano que a banda se aprimorou na concepção de "In Mind", disco de excepção no que ao pop melodioso de especialidade certificada diz respeito, um investimento que esta casa se habituou a manter quase desde a primeira hora a que se acrescentou um anterior e recomendável desvio a solo do vocalista Martin Courtney.
Parece que está chegar a hora de recolher os lucros do investimento. Sai no final do mês na casa de sempre, a Domino, um produto novo e, certamente, seguro de nome "The Main Thing" que, para além da semelhança no título com uma saudosa canção dos Roxy Music, tem em "Paper Cup" um primeiro cartão de visita de reconhecível efeito e adição com direito a video vistoso!
Passam agora dez anos sobre a saída do álbum "I'm New Here" de Gil Scott-Heron, um então inesperado regresso aos discos pela inglesa XL Recordings celebrado com a aclamação da crítica e uma digressão mundial. Tivemos a felicidade de o ver, ouvir e sentir na sala pequena da Casa da Música em Maio de 2010, momento simplesmente épico a que se juntou um encontro imediato nos camarins do edifício que nos haveria de reduzir a pó abençoado perante a sua humildade, gentileza e gratidão e que ainda hoje não nos sai da memória!
Foi desse pedacinho de tempo feliz que nos lembramos ao assistir de nó na garganta ao documento "Who Is Gil Scott-Heron?" realizado em 2014 mas agora disponibilizado na sua totalidade no youtube no âmbito da comemoração referida. Para além da recomendável reedição e reinterpretação do disco que a mesma editora agora promove, sugerimos um magnífico livro compilador da obra do mestre saído em 2019 e não perderem mais tempo para perceber, em menos de uma hora, o que é isso de ser um génio. Obrigado por tudo, brother!
Logo à primeira audição das canções do disco homónimo de Chico Bernardes há uma série de traços de intimidade que se notam entre uma toada que se afigura um pouco inquietante e algo repetitiva. A aparente falta de ousadia da composição é, contudo, tecnicamente irrepreensível num permeável jogo sonoro das cordas da viola clássica e a voz pausada e certeira para as palavras mesmo que ingénuas. Para um jovem de vinte anos a transposição destas boas fragilidades para uma sala de espectáculo pequena e informal não deve ser nada fácil. No caso da noite portuense, a esta dificuldade juntou-se uma seriedade intimadora na concentração do público sentado na frente da figura enorme e cabeluda de Bernardes na expectativa de um teste ao vivo inédito de que, sinceramente, não augurávamos um grande resultado. Errado!
Sentado, tal como o irmão Tim, com o violão ao colo e uma postura calma e dissuasora de histerismos, o concerto revelou-se uma agradável sucessão contida de tristeza em forma de canções sem pressas sobre o amor e o seu contrário mas onde a sábia vibração das cordas das duas guitarras acústicas conseguiu surpreender pela consistência e excelente tecnicidade. No nosso caso, a sequência "Sem Palavras", "Me Encontar" e a inesperada versão de "True Love Will Find You in the End" de Daniel Johnston foi, a esse nível, sintomática do seu talento musical de inquestionável valor e de que se adivinha crescimento fértil proporcional ao tamanho da cabeleira. Grande Chicão!
Na velha tradição inglesa, todas as oportunidades são boas para fazer a festa e reunir a família. Nos últimos anos a dos Fat White Family tem nitidamente crescido em número de adeptos e aficionados muito à custa de um terceto de álbuns irrequietos e de que "Serfs Up", saído há um atrás, é um culminar diverso e intenso de rock e portento. Um dos efeitos do notório redimensionamento da carreira foi chegar mais facilmente a novos públicos e, já agora, de os trazer até ao Porto num serão de terça-feira para uma casa não cheia mas bem preenchida por uma carrada de maduros conhecedores à espera de pôr a conversa em dia e, ainda e sempre, sedentos de animação.
E ela não demorou muito a aparecer tendo bastado para isso os dez primeiros minutos e os acordes iniciais de "I Am Mark E Smith", um hino poderoso de óbvio tributo aos The Fall, gurus artísticos de que o colectivo em palco descende milagrosamente mas a que acrescenta arrojo (não percam os videos das canções), matreirice ou excitação. Ao comando do clã e das comemorações esteve Lais Kaci Saoudi, um ser invertebrado pela bebida directa da garrafa de whiskey e disposto a fazer da reunião uma oportunidade para conquistar novos amigos não só pela hipertensão física enquanto agarra e grita para o microfone mas também pelo contacto directo e corpóreo em plena plateia para onde saltou amiúde, incitando empurrões e sururus moderados culminados aquando de "Bomb Disneyland" com que, aparentemente, dariam por finda a actuação.
Mas do público, ainda não satisfeito e que não lhes virou logo costas, surgiu uma insistência no regozijo que sabia não ter finado - "são muitos anos a virar frango" - plantando-se na frente do palco e insistindo nos assobios e gritos para um regresso não programado e, por isso, demorado. De volta e satisfeita, a família lá acertou na interpretação especial de "Tastes Good With the Money" para que a noite selasse, desde logo, um parentesco de estirpe comum - o gosto infindável e eterno pelo rock!
Como por magia e de vez em quando há uma frequência que emerge nas ondas do bom gosto e da nostalgia a partir de Lund na Suécia sob o nome de The Radio Dept. - a emissão envolve quase sempre canções de sedução herteziana a cargo da dupla fundadora como é agora o caso do inédito em estreia "The Absence of Birds". Há ainda uma versão do mesmo tema pelo misterioso projecto ambiental Civilistjävel! Prometida está para este ano uma nova leva de, pelo menos, uma dezena de outros temas e uma digressão já agendada pelos EUA a partir de Abril.
Aproveitando a onda, o memorável e saudoso álbum "Pet Grief" de 2006 será entretanto reeditado já em Março pela Just So!, uma casa própria e familiar que já aceita encomendas para a bonita versão de vinil azul onde repousa a maravilhosa "Always a Relief".
Como é hábito, já registamos o boletim da sorte para o próximo alinhamento do Primavera Sound Porto de Junho a ser divulgado no dia de hoje. Conhecidos e, aparentemente, confirmados estão os nome dos Pavement e dos Chromatics. A nossa aposta para a edição deste ano é esta: . 5 números;
Britanny Howard, King Krule, Lana del Rey, Kim Gordon, Yo la Tengo; . 2 estrelas;
Sudan Archives, Joan Shelley.
ACTUALIZAÇÃO ÀS 12H05:
Apostafraca!
Acertamos em 3 números (King Krule, Lana del Rey e Kim Gordon) e, damn, 0 estrelas!
Mas haverá Beck, Weyes Blood, Khruangbin, FKA Twigs, Black Midi e até Arnaldo Antunes... mas pouco mais.
Sobre a passagem em estreia do calforniano M. Ward por Guimarães perante uma sala quase cheia ficamos com uma dupla sensação, ambas de insatisfação. A primeira é essa mesmo, o de ter sido uma simples passagem leve sobre o seu cancioneiro já longo e moderno onde o folk e o blues se confundem na essência das canções mas a que faltou intensidade, vontade e até concentração para que a vibração fizesse mais efeito e mossa. A segunda, talvez mais inesperada, a de algum amadorismo quer na pobreza do som das guitarras e da voz quer no jogo de luz em palco, um aparato a roçar o sofrível e que, atendendo ao modernismo do local, se afigurou incompreensível e até estranho.
Gostamos e apreciamos alguma descontração e relaxe nesta relação sempre surpreendente entre o artista e a plateia mas a desenvoltura apresentada talvez fosse a mais apropriada a um qualquer showcase de fim de tarde e não de alguém que, como frisado, viajou de tão longe para ali estar a fazer o que mais gosta perante, como também notado, uma maioria de velhos fieis conhecedores. Mesmo assim, não deixamos de registar um certo prazer nalgumas das escolhas de um alinhamento imprevisível e que foram o caso de "Rave On" e "I Get Ideas", duas versões alheias a que só faltou acrescentar uma qualquer de Nick Drake que Ward costuma, e bem, escolher.
Quanto à estreia de alguns dos novos temas do álbum a sair em Abril e que foram o motivo promocional da estadia, não deslumbramos ainda muita da previsível eficácia mas a sua óbvia falta de rodagem impediu uma absorção mais satisfatória. Talvez por isso, foram cruciais os pedidos vindos das cadeiras - "Helicopter", "Poison Cup" e "Shangri-La" - mas o magnífico "Shark" que ainda sugerimos bem alto quedou preterida por ser "to depressive"... Na boa, também nos lembramos de "Slow Driving Man" mas às tantas a justificação acabaria por ser a mesma, porquanto, valeu ouro o incontornável "Let's Dance", talvez o grande momento do serão e que, por si só e na sua beleza, pagou um ou outro qualquer desconforto e, já agora, o bondoso preço do bilhete.