segunda-feira, 10 de junho de 2019

[SHELLAC] + O TERNO + HOP ALONG + LUCY DACUS + BIG THIEF + JORGE BEN JOR + TIRZAH + KATE TEMPEST + LOW + YVES TUMOR + ERIKAH BADU, Primavera Sound Porto, 8 de Junho de 2019













Aos incontornáveis Shellac, que já experimentaram mais que uma vez os vários palcos do Parque da Cidade e que na véspera tinham cumprido mais uma aparição obrigatória, faltava ainda esta faceta no curriculum: servir como banda de boas-vindas na prematura entrada do recinto para surpresa e alegria de alguns sortudos, a repetição de uma perfomance semelhante feita Barcelona na semana passada. Valeu e até para o ano!



Em sábado latino, havia já uma galera considerável no recinto soalheiro à espera do trio paulista liderado por Tim Bernardes. O alinhamento que os O Terno escolherem rapidamente fez efeito festivo com as letras entoadas por uma maioria conhecedora e decidida a reinar pela alegria e partilha tão ao jeito contagiante dos canarinhos. Firmou-se ao vivo a qualidade da composição traduzida em canções de arranjos reciclados da tradição brasileira mas a que se junta um condão muito próprio que começa a ser facilmente reconhecível à primeira escuta. Atendendo à recepção e qualidade demonstrada, voos mais altos se adivinham.



Não eram muitos os que se reuniram no anfiteatro principal para ouvir os norte americanos Hop Along, uma aposta, ainda assim, premiada. Só pela voz de Frances Quinlan a ressuscitar a jovem Janis Joplin já valia a pena não dispersar e tomar em conta o conjunto de temas abrasivos e de pureza rock que o vento forte parecia querer espalhar bem longe até que alguém questionasse se o Bon Scott tinha reencarnado no feminino... Não, mas brincadeiras à parte, aos Hop Along há que continuar a prestar muita atenção!     



Sabíamos de antemão que isto iria acontecer - abandonar o concerto de Lucy Dacus ao fim de quinze e bons minutos teria uma custosa sensação a traição no que até aí sugeria ser uma actuação sem mácula e que prometia ainda maior recompensa atendendo ao suposto alinhamento que fomos antecipadamente confirmar. Jovial e segura, Dacus tem talento para dar e vender e só esperamos ter a sorte futura de o confirmar de forma tranquila. Agora havia que correr colina acima... 



Desde o primeiro disco temos os Big Thief como um caso sério de notável habilidade artística traduzida em grandes canções que um portefólio já considerável não permite facilmente seleccionar. Adrianne Lenker e companhia agarram qualquer um pela profundeza e classe de uma composição tradicional que só algum do melhor indie rock consegue absorver sem pecar e que ao vivo faz ainda mais efeito trepidante. Como último concerto da actual digressão notou-se uma alegria e cumplicidade ainda mais agregadora traduzida num final animado com a chamada ao palco da totalidade da equipa para uma despedida ao som de "Masterpiece" e a que só faltou um encore onde o mais que pedido "Mary" acabasse em definitivo com o deslumbramento.



Os quase sessenta anos de carreira de Jorge Ben Jor não cabem, obviamente, num só concerto mas a verdadeira patuscada que presenciamos na sua última parte pareciam um concentrado de êxitos populares que começou com "Mas Que Nada" ainda descíamos em zigue-zague a colina e só acabou trinta minutos depois sob ovação generalizada e tantos, mas tantos, sorrisos de satisfação. Se a intenção era comemorar o samba, a bossa nova, a MPB ou simplesmente a música brasileira ficou provado que, desculpem lá, estas canções já não tem dono, país, língua ou sequer idade comprovada a não ser uma classificação de maravilha cultural da humanidade!         



Numa primeira ronda desviante a um flamenco dito moderno, deparamos com duas propostas interessantes - a jovem inglesa Tirzah em registo de intimidade e negritude adornadas por Mica Levi a que uns tantos deram a devida aprovação; a não tão jovem Kate Tempest, artista, poeta, romancista e, no caso, performer de spoken word timbrada em alguma subversão e força das palavras logo agora que os dias britânicos e, consequentemente, europeus e do resto do mundo se afiguram de imprevisível compatibilidade e de sempre adiada e nada fácil harmonia.





Sem muitos rodeios diremos que os Low deram um grande concerto. Nem sempre a banda tem em disco merecido a nossa devida vénia mas confessamos que não largamos "Double Negative" desde que saiu em 2018. Negro quanto baste, a sua aura de mistério e minimalismo surgiu ao vivo como que plasmada num jogo de luzes monocromático que vai variando na cor e intensidade e que recorta a silhueta do trio num jogo de sombras em que os Jesus & Mary Chain fizeram escola. Depois, obrigado, houve tempo para "Lies", um sublime exemplar de magia que envolve uma das líricas mais fascinantes contidas numa canção e que termina com aquele "I should be sleeping by your lonely side instead of working on this song all night"....



O recinto nocturno situado entre árvores pode ser o mais pequeno mas ele é, certamente, o mais profícuo em concertos tardios inesperados e surpreendentes. Tem sido assim ao longo de quase todas as edições e este ano não fugiu à regra: Yves Tumor arrasou concorrências, multiplicou afrontas, lançou maus/bons olhados e arrebatou a plateia esbugalhada e a defender-se como pode de tanta intensidade ao longo de uma primeira investida ainda controlada e que deu direito até à oferta de posters da banda por alguns sortudos da primeira fila. Quando Tumor saltou para a frente do palco desafiando e brincando com os "melhores seguranças do mundo" enquanto a banda franzia a base instrumental das canções - aquele guitarrista em pose vintage a la Whitesnake já não é deste planeta - o jogo do gato e do rato parecia não ter um fim previsível, incerteza ainda maior com o rompimento das grades... Tumor foi, então, literalmente carregado no ar até sabe-se lá onde e o regresso ao palco para o arrasador "Lifetime" culminou da melhor forma um ciclone sonoro que até Solange Knowles (reparem bem no video abaixo ao minuto 26:17) não resistiu experimentar. Um vendaval passou por aqui!



Parece que o atraso no começo dos concertos de Eykha Badu é uma tradição infalível. À custa desses quarenta minutos de delay ainda acabamos por ter a sorte de testemunhar uma artista com o público na palma da mão, melhor, das duas mãos e perfeitamente embalado pela sua soul de modernidade acentuada. Não sabíamos e não reparamos que essa onda tinha uma tal imensidão de adeptos conhecedores e já, nesta altura, verdadeiramente hipnotizados pelo longo momento de partilha. És linda, gritou-se, foi lindo, confirmou-se!   

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