A estreia portuguesa da cantora americana Jill Tracy não podia ter acontecido em dia mais apropriado: noite ventosa e chuva intensa a que faltou somente a trovoada tenebrosa. Não que a sua música seja enfadonha ou assustadora, mas o seu mundo, povoado por paixões bizarras, dá primazia a temáticas que, notoriamente, um clima de tempestade sugere e condiciona. Em estilo cinematográfico, Tracy contou-nos histórias inspiradas em supostos fantasmas de quartos de hotéis, em amores arrebatados dos filmes a preto e branco ou perturbadoras vibrações resultantes pela passagem dum simples caixão... À sua voz vincada, a lembrar Kate Bush ou até, ò sacrilégio, Brian Molko (Placebo), juntou-se a preceito, para além do seu piano/teclado, o violinista Paul Mercer. Esta perfeita cumplicidade, resultante duma colaboração já antiga e que, ainda este ano, terá edição em disco, entretanto, já gravado, permitiu construir um ambiente intimista e obrigatoriamente negro. Faltou, talvez, um suporte visual de fundo, uma selecção de fotografias ou até filmes que a própria artista não teria qualquer dificuldade em seleccionar. A plateia, algo fria e apropriadamente a jogar à defesa (não é fácil escutar, logo à abrir, uma canção sobre tortura...), só com o final do adequado “Evil night together” e um cheirinho de Rolling Stones ("Paint it Black"), se mostrou mais efusiva e entusiasmada. A esta canção, eleita para diversas séries e filmes independentes americanos, juntou-se, preferencialmente, uma escolha criteriosa do último disco “Bittersweet Constrain”, um trabalho descrito como ainda mais pesado e misterioso que os três anteriores. Ficou-nos na memória um tema escrito propositadamente para um Baile de Vampiros da cidade de São Francisco ("I can't shake it"?), um exótico exercício de composição que faria, com toda a certeza, excelente figura num outro baile vampiresco que o Teatro Sá da Bandeira tem por hábito receber em tempos de cinema dito de fantástico. Já no encore, depois dum venenoso “Doomsday” e tal como prometido em entrevista prévia (jornal i de 23 de Fevereiro), o final far-se-ia com uma pequena dose de improvisação, inspirada e devidamente testada in loco ao longo da tarde chuvosa e que soube, notoriamente, a pouco. Um espectáculo denso e subtilmente apelativo que merecia um cenário mais intimista como um salão oitocentista do próprio palácio de Vila Flor ou uma masmorra do Castelo de Guimarães. Certamente que o netherworld da artista faria ainda, misteriosamente, mais sentido. (foto:jornal i)
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