A simples compra de um bilhete para um concerto dos Wilco é, no nosso caso, um tremor. Pode ser a segunda, a terceira ou a quarta vez que os vamos ver em cima do palco que a expectativa e a ansiedade começam cedo acentuar-se de forma natural e só descansamos quando nos sentamos na cadeira da plateia. O espectáculo de ontem não fugiu à regra e, mesmo sem conhecer o espaço galego lotado há já alguns dias, só podia esperar-se mais uma apoteose de uma banda que ao longo dos últimos vinte anos tem imposto respeito entre os seus pares e brindado os fãs com discos descomunais. O último "Star Wars" que dá também nome à digressão, era assim o motivo ideal para a comemoração mas a setlist haveria de funcionar em jeito de best of, seja lá o que isso for entre a enorme dimensão do espólio sonoro da banda de Chicago. Sem aquecimentos, sem primeira parte, sem cenários e luzes exageradas, conta é a música que começou negra mas familiar entre novos e velhos clássicos como "Random Name Generator", "Art of Almost" e o monumental "Spiders (Kidsmoke)" mais à frente, todos a preparar o terreno que todos esperamos arrepiante e que dá pelo nome de "Impossible Germany". Há neste tema algo de transcendental na forma como o riff e melodia se encaixam na perfeição enquanto se aguarda que o guitarrista Nels Cline comece então a sua viagem inigualável de quatro minutos pelas cordas da guitarra, percurso e recurso que executa magistralmente de forma diferenciada, arriscada, soberba e arrebatadora de plateias que, como a de ontem e num impulso colectivo, saltou das cadeiras na primeira e mais intensa ovação da noite! Por termos ficado na segunda fila do lado onde Cline executou a sua perfomance, ontem foi também uma oportunidade para confirmar que, como ele, haverá muitos poucos que fazem da guitarra um tão fabuloso exercício de talento, ousadia e mestria. Notável ao ponto de Tweedy lhe fazer uma vénia e anunciar o seu nome, um exclusivo a que os outros colegas não tiveram direito! Aproximava-se o final mas o encore obrigatório traria uma boa surpresa - a banda juntou-se então na frente do palco para mais alguns temas em registo acústico, um momento de intimidade e proximidade reveladora da versatilidade e cumplicidade de seis músicos que fazem da sua profissão uma dádiva tão especial e sempre, mas mesmo sempre, comovente. Já suspiramos pelo próximo...
O novo álbum "Ape in Pink Marbe" de Devendra Banhart está prometido para Setembro na Nonesush Records e tem já em pré-encomenda uma versão autografada. Por agora, este "Middle Names" é como um arrepio sem fim. Puro vintage!
A sempre irrequieta rádio pública norte-americana KEXP com sede em Seattle continua a fazer o que lhe compete - serviço público sem fronteiras! Em Agosto do ano passado juntou o rocker Ty Segall ao amigo Cory Hanson (Wand) durante o festival de Pickathon que se realiza no Oregon para uma sessão no meio da floresta, três canções acústicas e entre as quais estava "California Hills", tema posteriormente incluído no álbum deste ano com os Muggers. A prestação ficou disponível somente a semana passada e remete para um novo projecto de Segall chamada GOGGS que tem disco agendado para o primeiro dia de Julho e onde Hanson dá também uma perninha. Há já um primeiro single disponível.
Está já disponível oficialmente o primeiro tema do novo álbum "Foreverland" dos The Divine Comedy com saída prometida para Setembro próximo. A canção "Catherine The Great", muito ao jeito triunfante de Neil Hannon, tem um sumptuoso video realizado pelo francês Raphaël Neal que conta com a contribuição da actriz Elina Löwensohn conhecida pela sua participação no filme "A Lista de Schindler" e até num episódio clássico de "Seinfeld"... Promete!
O canadiano Rufus Wainwright, que em Novembro passada esgotou duas datas na Fundação Gulbenkian para apresentar a sua ópera "Prima Donna", estará outra vez por perto muito em breve. Há pelo menos um concerto já marcado para o Auditório Mar de Vigo na Galiza para o dia 18 de Outubro, cidade onde esteve em 2010 em versão solo, não se sabendo ainda se repetirá o formato ou se se fará acompanhar de uma banda. Bilhetes já estão à venda. Adivinham-se outras datas nas redondezas.
When I was young, younger than before I never saw the truth hanging from the door And now I'm older, see it face to face And now I'm older, gotta get up clean the place
10 likes:
1. a ideia dos copos reutilizáveis, acabando em definitivo com a necessidade de limpeza dos recintos após cada concerto, promovendo a responsabilidade e o ambiente;
2. no nosso caso, 90 km em três dias, 3 idas e vindas de bicicleta Freixo-Parque da Cidade-Freixo serviram para lembrar concertos, canções, encontros e, acima de tudo, para relaxar e desanuviar;
3. a oferta alimentar ainda mais variada e diversificada, acrescentando ao evento um toque quase gourmet que agrada e surpreende nativos e estrangeiros;
4. a propósito, os gelados da Santini, um por dia "dá saúde e alegria";
5. o sistema de filmagem dos espectáculos que, finalmente, retirou da frente do palco os operadores e respectivas câmaras, libertando a visibilidade e dando primazia a quem merece - os artistas. Mas...;
6. ver e ouvir diferentes gerações e "tribos", sem excepção, cantar, soletrar ou acompanhar as canções dos Beach Boys no concerto mais emotivo do festival. Arrepios, alguns, good vibrations, muitas;
7. o incrédulo e sem jeito Will Toledo vagueando pelo palco no final do concerto dos Car Seat Headrest sem saber o que fazer para agradecer ao público! Saiu-lhe ao menos uma vénia;
8. a "band intro" dos Muggers por parte de Ty Segall... Hilariante;
9. em tantos concertos e que nos tenhamos apercebido, não houve nenhuma versão de Bowie nem de Prince. Cool;
10. o parque, a praia, o rio, a cidade... o Porto!
10 dislikes:
1. a "batalha das mochilas" oferta, um recuerdo que devia ser entregue no acto da troca da pulseira a todos os que comprassem, pelo menos, o passe geral. O "assalto" aos desgraçados dos miúdos que tiveram que as distribuir pareceu bullying infantil. Provinciano;
2. o recorrente erro de "tamanho" inapropriado à dimensão dos palco - Kiasmos e Moderat em versão "play" nos cenários maiores são só dois dos exemplos mais gritantes. Lembramos bem bandas como Suede, Mercury Rev, M83, The Walkmen ou The Rapture a quem coube encerrar a noite nos palcos principais e temos saudades;
3. o desgaste do tal espírito único do festival onde, cada vez mais, se fala em português da qualidade do vinho, das férias que se aproximam, se tiram selfies de flores na cabeça e o que interessa é... aparecer. A música, essa, é só um motivo ou nem isso;
4. a inconsistência do cartaz, o mais fraco das cinco edições, o que comprova a alínea de cima, já que este foi o ano com mais gente! As intenções futuras parecem, contudo, animadoras;
5. ver a TVI e a Rádio Comercial como parceiros media de um evento deste tipo revela, acima de tudo, que os cuidados postos nas primeiras edições do evento em seduzir pela diferença são agora esquecidos em nome de uma maior abrangência. Perigoso e que, a continuar, será fatal...;
6. as imagens com delay notório nos ecrãs, o que foi particularmente irritante quando o registo se centrava na vocalização das canções, sugerindo um playback foleiro. A rever;
7. os A.R. Kane ou o que resta deles... muito pouco;
8. uma leve sensação de pena dos Beach House;
9. o preço exorbitante de quase todo o merchandising à venda na tenda oficial, uma relação "qualidade - preço" disparatada;
Dia de calor perfeito para praia mesmo ali ao lado, o último dia do festival era também perfeito para a estreia da galesa Cate Le Bon. A contratação de última hora teve como destino o antigo palco ATP, um paraíso entre arvoredo ideal para a apresentação do disco deste ano "Crab City". Sintomático que às não mais de cinquenta pessoas que ali se encontravam no início se tenham juntado muito mais que, agradados pela música, não arredaram pé até fim. Tímida, misteriosa, bonita, Le Bon e a sua banda não perderam muito tempo com pormenores e aproveitaram ao máximo a oportunidade para apresentar dez canções em quarenta minutos, uma (já) notável colectânea de estilo próprio de arbitrariedade pop que tem muito para onde crescer. Uma semi-surpresa excelente!
Às voltas pelo parque, medindo os horários e respectivos alinhamentos, acabamos por voltar ao tal palco . para o primeiro "ovni sonoro" do dia. Não chegamos a perceber se Neil Michael Hagerty & the Howling Hex é uma experiência testada, se não precisa de testes ou se "vale tudo". Primeiro estranha-se, o problema é que não se entranha mesmo que alguém tenha fartado de gritar "viva a droga"...
Sobre os Algiers: tivemos pena de não conseguir medir na totalidade a sua força. Esta sensação de impotência talvez seja nostra-culpa mas quando o concerto parecia ter ganho "asas" num jeito cativante de soul-power a banda despediu-se depois da canção mais antiga e marcante de nome "Blood". Talvez um caso, mais um, de hora errada/palco errado...
Os Chairlifit, de fininho, já por cá andam a fazer música desde 2008 mas mesmo assim parecem uns jovens fresquinhos entusiasmados com um primeiro disco ou um primeiro concerto. Saltitantes de contentamento, a felicidade expressa contagiou a plateia enquanto o sol descaía muito por culpa de um alinhamento que apostou nos temas mais esperados, principalmente um "Anamaemonesia" cantado em coro. Fora do baralho, surpreendente mesmo, foi a versão de "Song To The Siren" de Tim Buckley que ainda continuámos por decidir se se tratou de um sacrilégio ou simplesmente um risco desassombrado...
Para que os Car Seat Headrest passassem despercebidos era preciso não haver Internet. Fenómeno partilhado, comentado e, essencialmente, ouvido a sério, o projecto do miúdo Will Toledo teve a recompensa merecida perante uma plateia intensa, ansiosa e conhecedora que agarrou o concerto com unhas e dentes do princípio ao fim perante quatro jovens perfeitamente surpreendidos. Mas para tamanho êxito a explicação é simples - as canções são excelentes, a sua execução foi feita com garra e mestria e a nós, do lado de cá, só nos restou agradecer e desfrutar o momento que de imediato se tornou inesquecível. Escusado será adivinhar que irão regressar... à primeira oportunidade!
Mantendo a aposta no rock, subindo ao palco ., subimos também na "dureza" e na idade: os americanos Drive Like Jehu que, ao fim de muito tempo, decidiram regressar para fazer vincar a validade do seu punk-core, tiveram recepção de braços abertos. Tudo "isto" tem quase vinte cinco anos e, sendo assim, não há nada que enganar quanto ao teor da grandeza do enxerto desta casta a merecer fortes aplausos. Alguém, entre canções, chegou mesmo a pedir "Louder"!
Já que estávamos na "onda", os vinte minutos que dispensamos aos Titus Andronicus na tenda Pitchfork foram como uma continuação saborosa de "festa rock" que o último dia no Parque da Cidade acabaria por nos proporcionar. Mesmo já com mais de vinte concertos nas pernas em três dias, como resistir a mais este "chamamento"?
Quanto ao segundo "ovni sonoro" do dia identificado afinal como A.R. Kane e que mesmo assim atraiu, notava-se, adeptos de longa cepa, só haverá uma palavra certa para a curta prestação - desilusão. O duo mítico dos anos oitenta que fez do pop-negro uma receita influente e até inovadora, pareceu-nos amorfo e em modo "frete", atitude que julgávamos estar já banida de eventos deste calibre e tradição. Dispensável.
Para quem esteve com Ty Segall no fim-de-noite do último dia do Primavera de 2014, não havia nada que enganar - não falhar por nada o sempre puto no mesmo local e hora só que desta vez na companhia de uns tais Muggers, uma banda onde Michel Cronin continua a ser o "maestro" e que sofreu um upgrade instrumental de se tirar o chapéu. Mas Segall, que perante tão excelente background deixou a guitarra totalmente de lado, surgiu mais "atinado", controlando-se e controlando a "velocidade" do garage rock sem que, contudo, a multidão tenha pedido licença para levantar pó e confusão. Não faltou, por isso, agitação, crowdsurf e aquele arrepio colectivo de intensidade que uma versão magistral de "L.A. Woman" haveria de provocar mesmo no fim. Ao jeito dos Shellac, que tem lugar cativo em todas as edições do festival, seria pedir muito que Ty Segall passe também a ser obrigatório?
Cass McCombs escolheu seis canções para nos lançar um feitiço mesmo que o efeito tenha durado apenas quarenta e cinco bons minutos. Torneando cada tema com uma mestria adorável, foi logo com "Opposite House", esse novo cartão de visita de um álbum prestes a sair, que uma onda gigante de prazer começou a levantar-se para rebentar em "Morning Star" e espalhar-se adequadamente com "County Line", esta última requisitada por alguém da plateia quase em desespero... Já fechamos os olhos ao ouvi-la na escuridão do teatro Sá da Bandeira ou na penumbra da Casa das Artes de Famalicão, mas ali na imensidão do parque, em tarde soalheira, o vento suave como que a estacou para todo o sempre na nossa vida. Memorável, woha, woha, woha, woha, woha!
Com um pequeno intervalo de cinco minutos, há momentos ao vivo que parecem daquelas listas de iPod parafinadas a custo. Ouvir Dan Bejar como que "trazido" pelo destino começar a cantar "You can't believe/The way the wind's talking to the sea" desse monumento/canção que é "Chinatown", sugeriu-nos uma agradável levitação momentânea apropriada ao momento. Os Destroyer foram enormes como seria de esperar de uma banda que tem tanto de fascinante como de preciso, um registo que Bejar mareou magistralmente entre golos de cerveja e wiskey (!) enquanto desfilava temas de "Kaputt", álbum antigo mas imprescindível. A viagem culminaria com "Bay Of Pigs" em versão longa e onde uns pozinhos de beat embalaram ainda mais a plateia.
Foram precisos dez anos para que a promessa fosse cumprida. A edição de 2006 de Vilar de Mouros anunciava Brian Wilson como cabeça de cartaz, mas o festival começou então a derrapar sem remédio, sem destino... e sem retorno. Então, valeu a pena a longa espera? A resposta imediata é afirmativa mas sem que sejam necessárias euforias inapropriadas ou desmesuradas, respeitando a condição do próprio Wilson mas, acima de tudo, o legado incomensurável da sua música. Foi bom vê-lo e ouvi-lo à luz do dia, com o sol a bater e a brisa a pairar rodeado talvez pelo mais habilitado e experimentado grupo de músicos da actualidade, uma verdadeira parada de estrelas que cobriu as canções de "Pet Sounds" e todos os outros clássicos com uma patine sonora perfeita e irrepreensível. Diversão pura, ou seja, o melhor que os Beach Boys de Brian Wilson sempre procuraram e conseguiram oferecer-nos carinhosamente. Fun, fun, fun!
O regresso das Savages ao "local do crime" ao fim de três anos, saltando na dimensão do cenário, estava como que pré-anunciado. Desde essa data, envoltas por uma aura às vezes exagerada, a banda tem crescido com juízo e tino, gerindo da melhor forma gravações, discos e imagem sem desgastes desnecessários. Sendo assim, o concerto foi, mesmo para repetentes como nós, um achado de intensidade e destreza que cresce sem adubos ou fertilizantes e que culminaria sempre, já o sabíamos, em "Fuckers", dez minutos negros de radiação sonora que se pegam à pele sem contemplações. O berço original de tamanho "fruto" foi este festival, este local e esta cidade como fez questão de frisar, e muito bem, Jehnny Beth, um tributo que agradecemos e retribuímos orgulhosamente. Grande concerto!
Não há nem deve haver uma faceta preferida de PJ Harvey. A solo, em duo, em trio ou em full band, com ou sem sem viola, com ou sem saxofone, o nível de medição obrigará sempre à requisição de uma fasquia bem alta pois a prestação a isso certamente vai obrigar (ok, vá lá, a passagem pelo Sudoeste em 1998 não deve entrar neste campeonato). A de ontem, mais uma vez, confirmou a sua enorme capacidade de mutação circunstancial em que os tempos conturbados que vivemos quase a condenam a escrever fabulosas canções (p.ex. "Dollar, dollar" ou "The Ministry of Social Affairs") rodeada dos cúmplices de sempre e que a ajudam, e de que maneira, a brilhar - Mick Harvey e John Parish só para citar os mais influentes. Talvez os muitos que abarrotaram o espaço do Parque da Cidade estivessem à espera de um desfile "Best Of" mas ainda bem que Polly Jean apostou em fazer-nos gostar ainda mais do último disco e da sua pertinência e em que o passado apetitoso escrupulosamente seleccionado deu ao espectáculo um cunho circular inteligentemente preparado - aquele "50 Foot Queenie" vintage (vinte e três anos!) soube mesmo bem. Sóbrio, sem mácula, sem truques escondidos, esta foi das melhores PJ's a que já tivemos a felicidade de presenciar, tendo a sensação que muito de bom está ainda para vir, tal como se deve esperar de um talento deste calibre. Chapeau!
A primeira incursão ao palco Pitchfork, agora situado mais perto da entrada do recinto, valeu bem a pena. Os norte-americanos Prototomartyr agitavam já a tenda quando lá chegamos com a intenção de simplesmente sentir o ambiente mas acabamos por nos quedar por lá até ao fim. Às semelhanças do vocalista com um jovem David Thomas dos Pere Ubu junta-se o próprio som também ele a beber na fonte de duas bicas situada entre os próprios Pere Ubu e uns Wire. Nada de novo, mas com a dose certa de cola!
Embora fugaz, a primeira desilusão deste ano acabou por caber aos Tortoise. O espaço abençoado do agora Palco. (ponto, deve ser patrocinado pela CMPorto. ponto) estava bem composto para os receber, mas uns irritantes e desafortunados problemas técnicos - ora era o cabo que não estava ligado, ora era a bateria roufenha, ora era um pinchavelho desapertado - deram ao concerto uma ondulação inconsistente que lhe retirou intensidade. Nos momentos em que a banda conseguiu, sem acidentes, manter a tarimba, confirmou-se a destreza e a capacidade de surpreender pela mistura de géneros, recursos e estilos que fizeram escola e carregaram a fama do colectivo. Ficamos à espera de uma melhor oportunidade para o confirmar em definitivo.
Descendo a colina, reparando na imensidão de gente em sentido contrário que virava costas aos Beach House no palco principal, só podia ser mau sinal. Furando entre a multidão, lá nos chegamos um pouco à frente para os momentos finais. Victoria Legrand falava em "joints" e tal - não percebemos se era sarcasmo ou humor negro - mas só a muito custo conseguimos avistar onde raio paravam os músicos atendendo à escuridão do palco a longa distância. Talvez a banda "lunática" que tanto evitou chegar a esta situação - palco grande, plateia grande, expectativa grande - se tenha deslumbrado pelo convite e a experiência não tenha resultado da melhor forma. Talvez, mas pelo ambiente e reacções de insatisfação, será melhor não fomentar tamanha incerteza.
De volta ao Pitchfork, tempo para um fim-de-noite a cargo de uns tais Roosevelt que conseguiram a proeza de encher a tenda com um público mais que pronto para a dança, agitação que se notava duraria enquanto a banda muito bem quisesse. Para nós a festa durou quinze minutos, mas pelo que nos chegou aos ouvidos a onda prolongou-se noite dentro...
Quinta edição, quinta presença. É impossível, enquanto durar, perder o Primavera Sound no Porto e estas são as nossas impressões, desabafos e, alguns, contentamentos...
Coube a Meghan Remy e as suas U.S. Girls abrir o palco maior do festival. Podia ter corrido melhor mas atendendo ao enorme desafio que tinha pela frente a encomenda chegou pelo menos a alguns destinos. O disco "Half Free" é excelente mas ali, ao ar livre, alguma da subtileza acabou entre o vento e as nuvens negras quando precisavam era de noite ou até madrugada. Momento alto: uma distribuição/lançamento de flores no final pelo público e parceiros em palco e respectiva limpeza do recinto com vassoura!
Coincidência: mesmo palco e mesma hora para os Wild Noting de Jack Tatum, repetindo a presença de 2013. Há álbum novo, "Life Of Pause", consistente e tentador mas foram os temas antigos a fazer as delícias de velhos fãs e novos adeptos entretanto seduzidos. Mesmo sem um grande som de palco - faltou mais voz - isto é pop luxuoso e em que se deve apostar de olhos fechados, postura tão ao gosto e jeito do próprio Tatum. Mesmo assim, a primeira vez foi melhor.
Outro repetente, sozinho como Atlas Sound (2012) ou com os Deerhunter (2013), Bradford Cox é agora o "dream captain" assumido e sem ressabiamentos do colectivo. Pareceu-nos, ainda, um palco demasiado grande para a sua música mas a oportunidade confirmou que muitos, a maior parte, sabe de cor as líricas e arranjos das canções o que, às tantas, obriga mesmo a que plateia seja ampliada. Fica a incógnita: se voltarem, vão ser cabeças de cartaz?
Protegida aqui pela casa, amada mesmo pelo seu talento, Julia Holter não tinha nada a perder. Um recinto cheio, expectante, concentrado, tinha na apresentação ao vivo de "Have You My Wilderness" um baptismo colectivo tendo em conta que, pelo menos a norte, poucos tiveram acesso a tamanha felicidade. Notável a voz, os arranjos do trio acompanhante, a serenidade contida e, mesmo assim, soube a pouco. Ainda não foi desta que a versão das versões de "Hello Stranger" (Barbara Lewis) acabou no alinhamento e, por isso, o sofá da sala lá de casa estará eternamente disponível para a ocasião. Que não demore!
Perdemos o rasto ao último concerto dos Sigur Rós onde estivemos (Coliseu do Porto, 2002?) e, se na altura, a comemoração nos pareceu merecida e comovedora, ali na imensidão do espaço natural e a longa distância, começando bem, foram perdendo vapor. Ao jeito acústico, atrás de uma estrutura rectilínea, agarraram pela surpresa a plateia algo fanática mas quando saltaram para a frente do palco a magia pareceu esvair-se entre uma cenografia, essa sim, brilhante. Só no encore voltaria a ser, dificilmente, encontrada...
Nada como um pouco de agitação para abanar a madorra. Os Parquet Courts destravados, enfrentando a chuvinha miúda entre algumas provocações, não demoraram muito tempo para ligar a energia na corrente certa. Eficácia a toda a prova, o freio nervoso acabou por resultar e bater de frente mesmo para os que, como nós, nos deitamos debaixo de uma árvore para evitar a roupa molhada. Devíamos, isso sim, ter ido era para a molhada!
Os Animal Collective ou se amam ou se odeiam, ouvimos dizer. Sem radicalismos, que isto da pop é incerto e as teses não têm júri, gostamos bastante da apresentação multi-colorida e atractiva destes poli-ritmados inovadores, o que nos reconciliou com um amargo de boca já antigo (Cinema Batalha, 2008) que se mantinha atravessado. Uma viagem de vozes e sons em desafio contínuo a que se aliou um notável jogo cenográfico adequadamente infantil, um colorido a que é difícil resistir. Muito à frente, diriam outros...
O 58º aniversário de Prince que se comemoraria ontem mereceu variadas homenagens e vénias. Uma delas, a cargo da menina Sara Assbring akaEl Perro Del Mar, fez florir uma excelente versão do tema "I Would Die 4U", tema que o génio de Minneapolis compôs para a banda sonora do filme "Purple Rain" em 1984. Mais uma prova da excelente forma da artista sueca que em Maio tinha também realizado uma outra excelente cover de "Dream Baby Dream" dos Suicide, canção de 1979 que Bruce Springsteen haveria de popularizar ao vivo a partir de 2005. Aqui fica a dupla maravilha...
Ainda o sol estava bem alto e calorento quando os Praed subiram ao palco maior da festa - a uma mesa
técnica e computorizada juntou-se um clássico clarinete a debitar
acordes árabes que de imediato se viram envolvidos por uma camada
agitadora de beats e loops. Se a pretensão era provocar a agitação e até
a natural dança, foram poucos os que responderam ao desafio do duo nada convencional,
aproveitando a maioria para continuar a banhos de sol enquanto alguns
pais e filhos jogavam à bola ou se entretinham noutras brincadeiras.
Como banda sonora para tão diverso ambiente, até que não foi mau mas como
"música jazz rock experimental" (!) deixou muito a desejar...
Sentia-se à distância que o momento em que Alex Zhang Huntai, David Maranha e Gabriel Ferrandini
subissem ao palco do Ténis se tornaria espe(a)cial. O mentor dos Dirty
Beaches e a dupla portuguesa havia respondido a um convite da Blue Note para recriar livremente o "mundo" de Coltrane, o que foi espontaneamente desenvolvido e posteriormente apresentado ao vivo em Lisboa entre 2014 e 2015. Sem disco, mas com imagens ainda inéditas (?), a aventura recebeu o título de "Last Train To God Knows Where", sendo esta incursão a Norte a oportunidade de confirmar o "destino" efectivo de tão (já) afamada experiência. A dureza inicial da percussão foi-se acentuando vigorosamente, o que não assustou, pelo contrário, a plateia expectante, atenta e concentrada na interacção notável de um trio talentoso e aventureiro, dois ingredientes obrigatórios de qualquer tipo de jazz, antigo ou moderno, clássico ou experimental. Sendo assim e com a demonstração de tamanha qualidade, este foi sem muitas dúvidas o momento mais alto do festival.
Tomando por certa a máxima que o funk não tem nem idade nem berço, o colectivo Calibro 35 vindo de Itália aproveitou a oportunidade para confirmar que a revisitação do género é ainda hoje um filão interminável de modernidade. Jogando com a dose certa dos instrumentos - a bateria, o baixo redondo, a dupla de metais e a alternância de um teclado com a guitarra eléctrica - a banda acerta em cheio na "cinematografia" dos temas, sem vocalizações ou outros adornos distrativos, adquirindo o jogo instrumental um cunho muito próprio de fundo sonoro para um qualquer filme série B ou, como no caso, um agitado fim de festa pré-anunciado. Curto e grosso, sem contemplações nem artimanhas, o calibre destes Calibro é mesmo de pegar fogo!
Em mais uma incursão de Norberto Lobo por Serralves, culminando certamente uma semana intensa de aprendizagem e cumplicidade com Joshua Abrams, o músico lisboeta continua a surpreender. Nem melhor nem pior que noutras oportunidades, Lobo reinventou sem receios os recursos e sons que a guitarra amiga, neste caso eléctrica, lhe permite obter. A sua figura tornou-se quase imperceptível na escuridão do palco ou entre a fumarada momentânea, acrescentando mistério e sensibilidade à sua música. Como sempre, enriquecedor e planante!
O tópico principal deste ano "Juntar Mundos" é um apelo claro para que as fronteiras sócio-culturais se desvaneçam o que temos tido o prazer de confirmar ano após ano e em que muitas das boas surpresas da festa de Serralves estão sempre por perto. O caso dos The Rite of Trio é a prova de que o talento e a inquietação sonora está bem viva no Porto, uma criação musical onde o jazz se entranha com alguma fusão experimental, o que deixou os muitos "resistentes" perfeitamente rendidos. Na Clareira das Bétulas, logo perto da entrada e da saída do Museu, o que o jovem trio conseguiu apresentar foi mais que um concerto, foi mesmo uma dádiva. Para o ano há mais "ajuntamentos", dos bons!
A edição soalheira do Serralves em Festa deste ano teve no campo musical uma diversidade contida mas, mesmo assim, bastante saborosa. A primeira prova dessa qualidade espraiou-se de forma cativante pelo Prado no final de tarde de Sábado quando o norte-americano Joshua Abrams e os seus Natural Information Society se apresentaram com alguns convidados portugueses (a saber, Angélica Salvi na harpa, Gustavo Costa e João Pais Filipe na bateria e Norberto Lobo na guitarra) numa "sessão" contínua trabalhada ao longo da semana. O resultado, entre o free jazz e algum rock improvisado, teve tanto de hipnótico como de libertador e onde se destacou o brandir das três cordas de um guimbri, instrumento marroquino que o próprio Abrams aprendeu a usar como pedra de toque da sua excelente música. O colectivo faria ainda uma apresentação semelhante (?) no dia seguinte só para alguns numa das salas de exposição do Museu de Serralves, que pelo que conseguimos testemunhar (uns curtos cinco minutos finais) fez também as delícias dos 80 sortudos!
Não deve ter sido fácil a estreia de Sallim no Porto. No ténis repleto, centrando as atenções, a lisboeta Francisca Salema de guitarra eléctrica em punho teve meia-hora para mostrar algumas das canções do seu álbum "Isula", um conjunto leve que balança numa simplicidade que só a juventude permite. Apesar de uma pequena mas notória "tremideira", Sallim conseguiu muitos aplausos e, acima de tudo, um reconhecimento sentido de um público transversal e atento que a acompanhou de princípio ao fim.
A biblioteca de Serralves, despida das mesas e das cadeiras mas onde os livros mantiveram a sua impecável disposição e verticalidade, foi o palco para um "concerto" verdadeiramente surpreendente. A façanha a cargo do espanhol Alex Mendizabel não seria "bonita" ou "fácil" como fez questão de avisar e vincar previamente de forma séria. Balões coloridos agarrados às paredes brancas serviriam de fio condutor único para uma experiência sonora intensa a requerer muita paciência e coragem! Manobrando cada um deles, abrindo ou fechando a torneira do ruído, do zumbido e seus derivados, Mendizabal conseguiu a proeza de nos manter atentos e em alerta durante os primeiros minutos e em que, tirando os poucos "desistentes", o uníssono do ruído "beat bit bite", título da perfomance, haveria de nos conduzir progressivamente a um estado de quase alienação e até prazer... Os livros, purificados, esses também agradeceram!
Bem tentamos outros eventos ou sessões, mas atendendo ao frenesim ou lotação, regressamos à biblioteca para trinta minutos de "música experimental" a cargo de André Gonçalves, uma composição contínua de efeito não imediato mas que a penumbra da sala e a excelente acústica tornariam aprazível e imersível.
Em jeito de procissão, vestidos a preceito, as quatro almas dos Orchestra Of Spheres romperam de fininho entre o pouco público da cave escura do Rivoli empunhando telemóveis (?) em modo banda-sonora. Depois de uma voltinha rápida e já em palco, começou então a festarola - a um raro baixo "carrilhão" freneticamente executado junta-se a uma bateria sincopada para um groove contínuo e imparável que passou a comandar o ritmo e a que se junta ainda um tal de "Biscuit Tin Guitar" do chefe de cerimónia Baba Rossa. Tudo se mistura, tudo se transforma e a receita fez-nos lembrar imediatamente outras bandas - dos LCD Soundsystem e Konono Nº1 aos saudosos Tom Tom Club, não é fácil nem importante etiquetar a "coisa" mas interessa simplesmente evidenciar que a "gerigonça" funciona, resiste e ameaça tornar-se um caso sério, mais um, de talento com origem nos Antípodas (mas que raio andam estes jovens a beber por aquelas terras...). Um surpreendente concerto só mesmo para alguns mas, desde já, um dos melhores do ano.
Chamar concerto ao evento de ontem na baixa do Porto poderá ser, eventualmente, redutor. Não há, por aqui, qualquer guitarra, teclado ou bateria, mas sim um simples... automóvel! O australiano John Rose serviu-se dele para, com a ajuda de exploradores portugueses, ampliar sons maioritariamente metálicos alusivos à fundição, reparação ou motorização de veículos, actividades documentadas em simultâneo pela projecção de imagens ou filmes em perfeita sincronização. Tamanha perfomance, afinal é disso que se trata, chamou a atenção quer dos que "estacionaram" em frente ao palco quer dos muitos que, de passagem em "pára-arranca", não deixaram de espreitar, curiosos, o "engarrafamento". Taxistas no "bota-abaixo", turistas surpreendidos e de automático smartphone em riste ou gunas em passo rápido franzindo o olhar por baixo do chapéu, todos, à sua maneira, não ficaram indiferentes à vibração e ampliação daqueles barulhos do nosso dia-a-dia, como o de uma simples porta de um carro a bater, no caso um Jeep Grand Cherokee preto... um modelo que um amigo manteve ao longo de imensos anos e que, para além de ser o exemplo perfeito de um "bebedor" de gasóleo, era, afinal, um instrumento musical!
Durante a audição do novo e recomendável álbum dos Car Seat Headrest chamado "Teens of Denial" não era difícil perceber a intenção: a canção "Just What I Need/Not Just What I Needed" brincava com o original dos The Cars, samplando o riff principal e alterando um pouco a letra. Pois bem, quem conseguir comprar o álbum em CD ou vinil com este tema pode, desde já, guardar o tesouro. A história e respectiva reportagem está toda no "The Wall Street Journal" e, não tendo Mr. Ocasek dado autorização para a reutilização do primeiro single da banda editado em 1978, o resultado do acidente é... sucata. Cd's e Lp's foram simplesmente amassados e a canção reescrita pelo jovem Mr. Toledo desapareceu da rede. Será que Toledo vai arriscar tocar a canção "maldita" no Parque da Cidade? Seja como for, o original é mesmo uma grande malha.