de Francis Whately. Inglaterra; BBC Studios, 2017
RTP2, Portugal, 22 de Maio de 2021
O começo do ano de 2016 trouxe o desaparecimento inesperado de David Bowie. Sabíamos da sua doença, não da sua gravidade, mas a constante actividade artística, mesmo que subterrânea, desde o renascimento oficial em 2013, mantinha sobre ele uma névoa notável de atenção mediática. Várias hipóteses se afiguravam quanto à verdadeira intenção do acelerar de colaborações, experiências, ideias ou construções que só o cerco da morte, afinal, podia explicar na urgência mas à qual juntou talento e pertinência maturadas em silêncio e conluio a longo prazo.
Com o selo de qualidade da BBC, o documentário estreado logo em 2017 e que passou sábado passado na RTP2, traça de forma séria e linear os últimos cinco anos de uma vida cheia, rica e mutável de personagens e papéis que uma última digressão (2003) parecia coroar de forma feliz e bondosa. Um susto cardíaco (?) em cima do palco num desses concertos, isolou Bowie ao longo de quase uma década perante interrogações de amigos músicos e fãs expectantes mas o Camaleão, mesmo hibernado, tinha ainda uma nova cor da pele protectora para vestir - um branco cru em sinal de claridade, paz e acutilância traduzida num álbum de originais surpreendente e estelar. Com "The Next Day" pontuavam-se as facetas, os rancores e vitórias de um artista pungente e interessado no que parecia ser uma derradeira reinvenção com os colaboradores de sempre - músicos e o produtor Tony Visconti - mas a que foi agregando novos habilitados nas experiências videográficos ou coreográficos para conceber as ligações modernas com as memórias e as múltiplas variantes da fama que sempre o rodeou.
É nela, nessa aura de glória eterna, que o documento sustenta uma circular tensão plena de imagens de um passado engrossado rapidamente num esgotamento mediático que as adições disfarçaram até ao limite - o exílio certeiro em Berlim haveria de transformar, em definitivo, a agulha rectilínea num zigue-zague de caminhos, subidas e descidas nem sempre fáceis e que o video intencional de "Where Are We Now?" traduz de forma subliminar, a primeira canção do referido "The Next Day" a ser conhecida e que é, sem dúvida, uma das suas melhores criações. Passado + presente, presente + passado são equações inseparáveis que, neste período de cinco anos, não são mesuráveis pelo calendário mas pela escolha pessoal em quem podia ajudar a conceber e concretizar o desígnio da sua consciência multiplicadora de ideias para a capa de um disco (Jonathan Barnbrook, 2013), para um musical ("Lazarus", Ivo Van Hove, 2015) ou para abordar novas composições (Maria Schneider, 2015), denotando uma constante irreverência sem olhar a preconceitos.
Com "Blackstar", registado sem medo com a banda de jazz de Donny McCaslin por sugestão de Schneider, o mundo assitiria em 2016 ao último fôlego de um Bowie profético e metódico numa codificacão simbólica traduzida numa morte como que preparada para o terceiro dia depois da edição desse último álbum. Nas suas próprias palavras:
"I'm not a Dylan. And I'm not somebody who can sit down and stoically write a clear picture of what's happening, you know. But, I can leave a very strong impression of how I feel about it."
Tocante!
(para rever na RTP Play até dia 29 de Maio)
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