quarta-feira, 26 de maio de 2021

(RE)LIDO #103






















LE FANTÔME DE NICK DRAKE 
de Vincent Helvéhem. França; EdiLivre, 2018 
A prosa inspirada nas vicissitudes trágicas de Nick Drake parece não ter fim. Multiplicam-se, estranhamente, as coincidências como a que situa em 2018 a saída simultânea em Espanha de um "El Fantasma de Nick Drake" já por aqui destapado e em França deste "Le Fantôme de Nick Drake"! Diferentes autores que, acertando no mesmo título, recorrem ao espectro macilento de um artista conturbado e confundido pelas agruras de um dia-a-dia cada vez mais cinzento para contar histórias bem diferentes. Se lhe juntarmos um "Espectral, de outro tempo mas tão cool: o "fantasma" de Nick Drake revelou-se há 50 anos" como cabeçalho de um artigo online do ano seguinte num site português, o melhor será pensar que a exaltação da imaginação é, afinal, demasiado traiçoeira... 

Desde a juventude, a ligação de Drake a França foi deixando rastos indeléveis. Foi como estudante em Aix-En-Provence que se iniciou uma libertação e aprendizagem artística decisiva, foi a Paris onde regressou várias vezes na tentativa de chegar à fala com Françoise Hardy ou onde esteve um bom período quase no final dos seus dias num barco de amigos em pleno Sena. Junta-se o (des)gosto pela poesia de Rimbaud e Baudelaire ou a oferta que fez a mãe do livro de Camus "Le Mythe de Sisyphe" que se diz estava pousado na mesa de cabeceira do quarto onde morreu. Não temos, é certo, boas recordações de livros franceses sobre o músico mas atendendo à importância que aquele país teve na sua curta vida, talvez esta ficção retomasse essas conexões de forma cativante para romancear situações ou acasos curiosos. 

A esse nível, a novela é bastante conservadora na simples eleição de vinte episódios biográficos iniciados com um excerto alusivo pertencente a uma letra de canção a que se acrescentam diálogos ou suposições mas que, mesmo assim, alcançam nalguns casos boas sequências narrativas. São exemplares os capítulos referentes a um simples jantar de família em que a irmã Gabrielle demora temerosa a chegar à casa natal já prevendo a precária situação do irmão, a uma caminhada sem fim de um Drake soturno e sem destino pelos campos e caminhos que bem conhece mas onde se perde e desorienta pela simples interpelação de alguém que passeia um cão ou os pensamentos suspirados da mãe Molly na cerimónia do funeral confundida pela presença de tanta gente que não conhece mas que assume como importantes para o filho desaparecido. 

Destacam-se, ainda, as leves abordagens ficcionais ao que poderiam ter sido as diferentes ajudas dos amigos músicos no regresso a um estúdio de gravação para mais canções que não as quatro finitas e que teve em "Black Eyed Dog" uma premonitória sentença. Com maior estaleca (este é o primeiro romance publicado) talvez o autor, nascido no ano em que o seu principal personagem faleceu, nos iludisse de forma mais sonhadora e nos fizesse sorrir. Não conseguiu. E pensar que Drake chegou a gravar um tradicional francês de 1784 chamado "Plaisir D'Amour"...

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