É certo que
Tomás Wallenstein sabe compor boas canções. Sabe, pelo menos, tocar guitarra e piano. Sabe ainda juntar palavras como deve ser para algumas das letras dos Capitão Fausto. Sabemos que não é nenhum Tobias Jesso Jr. mas, caramba, temos é fortes dúvidas que a tonalidade da voz seja sequer a acertada. Quando decide aventurar-se sozinho numa sala tão especial como o Theatro Circo com um grande piano como parceiro, o momento assume riscos e fragilidades que se tornaram evidentes na meia dúzia de temas alheios e originais eleitos para um alinhamento perigoso.
Talvez por se aproximar no tom com o de B Fachada, a primeira canção até que parecia prometer alguma consistência mas o serão avançou sofrível, frio, distante, fazendo da escuta das versões de José Afonso, Luís Severo, Erasmo Carlos ou Tozé Brito uma experiência desinteressante. Não ajudou um discurso entre passagens um pouco altivo, confuso e até incompreensível para um músico já com uns anitos de palco. Como suposto convívio numa sala de estar caseira entre conversas e copos, o momento já não deixava saudades, como concerto pago num teatro clássico, o resultado penoso afigurou-se inadequado na dimensão e no intento. Desnecessário.
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Sala Capitol, Madrid (?). Foto: Twitter de Yuseff Dayes
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De outra galáxia foi o regresso à sala depois do intervalo. A experiência orbital que
Yuseff Dayes e restante tripulação proporcionaram ao longo de uma hora e meia de viagem ultrapassou qualquer previsão de rota, embora a turbulência ocorrida tenha origem no sul de Londres e se espalhe, sem contemplações, por onde passa. Mestre imbatível da moderna bateria, Dayes teve a seu lado mais dois extraterrestres de semelhante estrelato - o teclista e pianista Charlie Stacey, que não se fez rogado pela presença em palco de um grande piano do qual usou e abusou de forma magistral, e o baixista Rocco Palladino, descendente de uma famosa linhagem galesa chamada Pino Palladino, colaborador em discos e palcos de músicos como Eric Clapton, Paul Simon, The Who ou D'Angelo, mestria que atingiu o auge, precisamente, com a apresentação de uma versão instrumental de "Spanish Joint" pertencente ao álbum "Voodoo" (2000) onde o pai colaborou intensamente com D'Angelo. Juntou-se ainda, discreto mas assertivo, um percussionista de nome Alexander.
A inebriante experiência sonora, que tem já registo oficial no disco ao vivo em Copenhaga "Welcome to The Hills" editado em 2020 pela
Blue Note, faz-se de duelos e cumplicidades quase circenses atendendo ao ajuste simultâneo dos instrumentos, uma constante e saborosa tensão que bebe e amadurece na música negra de décadas sobrepostas sem que o virtuosismo do colectivo perca qualquer
groove ou potência, uma progressão que agora alcançou uns bons pontos acima da anterior passagem pelo
Minho. Num abrir e fechar de olhos, estávamos no semi-encore já que Dayes não chegou a sair do palco antes de lançar um "You want one more?" e cuja resposta efusiva nos conduziu a mais quinze minutos de trip jazzística funktástica. Concerto do ano!
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