de Francis Whately. Inglaterra; BBC Music, 2019
RTP2, Portugal, 26 de Fevereiro de 2022
A trilogia documental que o realizador inglês Francis Whately se propôs concretizar em torno da vida de David Bowie ("David Bowie: Five Years", 2013, "David Bowie: The Last Five Years", 2017, este último já emitido no mesmo canal), completou-se em 2019 com "David Bowie: Finding Fame". A versão portuguesa teve agora airplay público que confirma a insistência numa abordagem de sobriedade e leveza de elevado grau de eficácia, fazendo da raridade das gravações e das filmagens da época um apetitoso e irresistível condimento de brilhantismo no dar vida a um período em que um tal David Jones, de fato e gravata, procurava a entrada certeira no trilho estreito de um labirinto que conduz à fama. Difícil, mas sagaz.
Antes de Ziggy Stardust e de um estrelato de roupas vistosas e glam(our), o penoso mas persistente percurso do jovem Jones contemplou a participação em onze diferentes bandas ou projectos. Nunca desistindo dos seus ideais ou vontades, percebe-se pelo testemunho de amigos parceiros desses tempos de inocência e entusiasmo uma constante evidência - uma predestinação natural para a aprendizagem e risco artístico que custou dissabores e entraves, desde despedimentos antecipados de editoras a audições negativas e ridículas perante um "júri" televisivo da BBC, mas que robusteceu o agora assumido Bowie com camadas sucessivas de experiência decisivas.
Ainda sem máscara ou disfarces mas já tentado nos efeitos da maquilhagem masculina ou roupas "estranhas", o vínculo natal a Bromley, subúrbio bonito mas inconsequente e a frieza da ligação e amor aos pais e à precaridade do seu casamento, tinha na cidade de Londres o polo oposto de irresistível atracção e efervescência que o palco do Marquee haveria de santificar. A inspiração citadina ("London Boys") e uma novidade vinda da América de nome Velvet Underground, haveriam de o conduzir a uma série de extravagâncias suspiradas pelo primeiro e sério amor por uma bailarina, companheira de experiências mímicas e teatrais mas onde as canções ("Toy Soldier") continuam a ser uma colheita semeada de forma prudente. O êxito, contudo, tardava em chegar.
O filme chega, então, ao ponto crucial. A odisseia espacial sorvida pelo filme de Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke (1968) concebeu um isolado Major Tom e um Ground Control, um ele e um outro (nós?), em forma de canção eterna que haveria de elevar Bowie, agora sim, ao patamar de estrela que tanta almejava sem o reconhecer. Surpreendente o testemunho de um Rick Wakeman (sim, o dos Yes) que executou o Mellotron tão característico e inovador de uma melodia e lírica assombrosas mas que, mesmo assim, não multiplicou a venda dos álbuns seguintes (p. ex. "The Man Who Sold The World"). Bowie tinha já delineado o que fazer. Literalmente, uma alternativa, que um concerto às 5h30 da madrugada no festival de Glastonbury para uma reduzida mas inspiradora plateia acelerou na execução.
Chegamos, pois, a Ziggy Stardust e o resto é uma história que implicou concepção, nascimento e morte incompreendidas mas que só na sua mente faziam sentido e consequente efeito. O camaleão, apesar do aparente suicídio artístico ("Rock 'N' Roll Suicide"), faria da sua vida uma gesta imbatível de arrojo e inquietação imortais. O planeta Terra continua azul!
(disponível na RTP Play até dia 3 de Março)
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