terça-feira, 29 de novembro de 2022

(RE)VISTO #101





















DAVID BYRNE'S AMERICAN UTOPIA 
de Spike Lee. EUA; HBO/Universal Pictures, 2021 
TV Cine Edition, Portugal, 21 de Novembro de 2022 
O disco "American Utopia" de David Byrne lançado em 2018 escondia um projecto multimédia ambicioso que recebeu o nome de "Reasons to Be Cheerful", uma bem intencionada ideia para espalhar uma onda positiva de fraternidade que o single de apresentação "Everybody's Coming To My House" anunciava. Acrescentava-se, para o efeito, uma infindável série de datas ao vivo que teve, logo em Julho desse ano, uma visita auspiciosa ao nosso país com a presença no Cool Jazz Fest de Cascais. Prolongando uma birra antiga, decidimos não comparecer nessa oportunidade única e esperar, sentados, melhor ocasião que a chegada da pandemia haveria de tramar. Restou-nos, por isso, o filme. 

O espectáculo ao vivo teve supervisão e ajuda da conceituada coreógrafa Annie-B Parson e haveria de assentar arraiais em 2019 na Broadway de Nova Iorque no seu pequeno Hudson Theatre, uma ocupação intencional e devidamente fundamentada pelo próprio Byrne em missiva esclarecedora. Mais uma vez, a pandemia motivou contratempos e cancelamentos e só este ano foi permitido um reatamento noutro teatro, o St. James Theatre, que durou em apoteose até Abril passado. Para a posteridade, foi dada a Spike Lee a primazia de filmar alguns dos espectáculos da primeira das levas, a do teatro Hudson. O resultado afigura-se, sem dúvida, brilhante! 

Ao lado de doze músicos, Byrne comanda uma banda portátil e descalça, impecavelmente vestida nos seus fatos cinzentos. Todos cantam, todos dançam, todos brilham, carregando os instrumentos ao longo das coreografias e em que as percussões tem uma leve primazia inicial que se vai diluindo com a chegada das canções mais antigas dos Talking Heads ou da carreira a solo - "Blind e "Burning Down the House" de enfiada e em fantásticas versões crescem em potência diferenciadora capaz de, efectivamente, pegar fogo ao recinto e sem que haja quase tempo para aplausos ou ovações. 

Por vezes, algumas das canções são sujeitas a pequenas introduções de contexto pelo próprio Byrne e de que "Hell You Talmbout", original de Janelle Monae, é uma excepção marcante com a apresentação em desfile das fotografias de cada um dos nomes de cidadãos negros subjugados, toque subtil e evidente de Spike Lee que resulta num momento impressivo. 

O filme termina, como não, com "Road to Nowhere” em ambiente de festa que se espalha aos corredores da plateia e das tribunas, dando voltas para lado nenhum até estancar na frente do palco, uma proximidade e interacção com o público que é uma marca de todo o projecto. Com o pano já descido, as câmaras estende-se até ao backstage e à saída de bicicleta de Byrne para regressar, aparentemente, a casa mas quando a restante banda se junta, em desfile, pelas ruas da cidade montada nas suas bicicletas, afinal o motivo do passeio era o retorno ao teatro onde se farão ouvir outra vez. A missão está, assim, longe do seu epílogo já que esta é uma utopia de (im)perfeição incontornável. Well we know where we're going...
   

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