de Rob Gordon Bralver. EUA; Littel Walnut/Greenwich Entert., 2021
Tv Cine Edition, Portugal, 20 de Dezembro de 2022
O senhor Richard Melville Hall, americano do Harlem com a bonita idade de cinquenta e sete anos, tornou-se conhecido como Moby. A fama, mesmo que somente sonhada e suspirada, acabou por transformar a sua vida que decidiu começar a contar em livro com "Porcelain: A Memoir" de 2016 e a que acrescentou "Then It Fell Apart", um outro complemento biográfico de 2019. Fazer um filme sobre essa viagem pessoal talvez fosse dispensável, mas Moby reavaliou a extravagância e, qual terapia, lançou-se na aventura. Porquê?
A pergunta, colocado pelo próprio logo a abrir o documentário, tem um resposta - fazer o que nunca foi feito, ou seja, ser o próprio a comandar a narração e a decidir o que contar, que os livros referidos já previamente tinham destapado, mas uma tarefa desafiante e motivacional no imaginar, escolher e preparar das imagens certas. A esse nível, estamos perante uma abordagem arriscada, inovadora até, mas que atinge em certos momentos um patamar de surrealismo propositado pela realização partilhada. A recreação de cenas infantis com personagens amigos e adultos é uma dessas estranhas formas de aliviar o azedume de uma infância problemática em que até o suicídio do pai é reconstituído em desenho animado! A estranheza da opção é só a primeira de muitas sequências quase anárquicas sobre a ascensão, refúgio e primazia da música numa juventude entediante e que o amor pelos animais ajudou na multiplicação e valorização.
A cronologia dos factos, apesar de lógica, vai-se misturando, entre outras, com imagens ora de um concerto acústico e orquestral ora de consultas simuladas com uma terapeuta e que servem para intercalar fases de crescimento de um "monstro" que, surpreendentemente, são construídas com imagens originais da época para ilustrar a descoberta do punk-rock, a saída de casa para habitar numa fábrica abandonada ou as primeiras investidas naif na electrónica e no house que então germinava. É, então, um Moby ainda com cabelo mas que uma remistura ocasional para o original "Go" haveria de transformar num dos mais célebres carecas do mundo da música - fã de "Twin Peaks", juntou nessa remix alguns acordes do tema que Angelo Badalamenti compôs para a série e o mundo, o seu com fixação no Connecticut, mudou de um dia para o outro.
Rapou o cabelo e começou então o ambicionado estrelato como dj, raver ou agitador que a Europa recebeu de braços abertos. A dependência de drogas e álcool propaga-se pelas companhias (in)desejadas em contínuas desbundas mas o êxito de posteriores discos em nome próprio e de digressões com recintos cheios haveriam de ajudar a manter descontroladamente. Não faltava muito para um primeiro "bater no fundo" e o filme, sem contemplações, faz vinco visual da desgraça culminada com a morte da mãe a cujo funeral, perdido e adormecido, não compareceu. O momento é, outra vez, narrado em desenho a preto e branco! O descalabro, acelerado pelo álbum punk-rock "Animals Rights" de 1996, haveria de ser disfarçado em cima dos palcos ao lado dos Red Hot Chilli Peppers ou The Flaming Lips e será desta altura (1998) a vinda ao Porto para o Imperial Ao Vivo nas Antas. O concerto, do que recordamos, esteve bem longe da perfeição. Percebemos porquê.
Faltava um milagre artístico. Todos lhe conhecemos o nome gravado no cd que muitos ouvimos em demasia no ano seguinte - "Play" motivaria fama incontrolada e amizades inesperadas e reforçadas com David Bowie ou David Lynch, ele próprio com testemunhos laudatórios exclusivos para o documento. De novo, o narcisismo, mesmo que disfarçado, deitou tudo a perder apesar da fortuna e da loucura colectiva que prestes afunilou Moby a um suicídio que só a pouca abertura do vidro de um elevado quarto de hotel espanhol impediu na concretização. Era o segundo e perigoso "bater no fundo" mas desde aí, ano de 2008, o desastre foi imobilizado a tempo.
A parte final do filme, algo estranha e ineficaz naquele falar ao telemóvel a contar pormenores da tragédia passada, encima um Moby renascido, ativista empenhado dos direitos dos animais e do vegetarianismo mas nunca desistente da música e dos concertos, prática salutar que o trouxe em forma e limpo ao Porto logo em 2009. Música e animais, uma dupla tábua de salvação que desde a infância sempre foi o refúgio certeiro e que continua, resiliente, a fomentar e promover e só é pena que o documentário se perca em exageros visuais para o robustecer. Não há vidas perfeitas, a tal "Perfect Life" que canta ao lado de Wayne Coyne mesmo a acabar, mas que não disfarça um trago inexplicável de desapontamento de um filme questionável e algo defeituoso... um leve Moby Flop!
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